Diga aí um filme bom

Nessas minhas décadas de cinéfilo e crítico de cinema, sou obrigado a confessar que a pergunta mais difícil de responder é quando alguém me pede indicação de “um filme bom”. Pode parecer um paradoxo, alguém que tem como hobby e semi-profissão o cinema dizer isso, mas gostar ou não de um filme tem menos a ver com o título e muito mais com o próprio espectador.

Não apenas o cinema, mas me arriscaria a generalizar que tudo na vida pode ser considerado bom ou ruim a depender dos nossos gostos pessoais, das nossas experiências e história de vida, e até do momento exato em que o objeto em questão nos é apresentado.

Na época das fitas VHS, era muito comum os vizinhos compartilharem filmes que alugavam para o final de semana. Numa destas vezes, ao tecer maravilhas sobre o filme dinamarquês “A Festa de Babette” (“Babettes gæstebud”, DIN, 1987), uma vizinha ficou curiosa e o levou para assistir. No outro dia, devolveu o filme dizendo que só tinha conseguido assistir quinze minutos, e quando eu tivesse esses filmes “chatos” nem oferecesse. O filme é lindo e sensível, foi ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1988, e foi baseado em um conto de doze páginas da escritora dinamarquesa Karen Blixen. Como disse acima, o meu gosto era diferente dessa vizinha, e nenhum dos dois estava errado por isso.

Muitas vezes passo um tempo enorme selecionando um filme para assistir, mesmo estando sozinho. É que não basta o filme ser famoso, premiado, sucesso de bilheteria, ter ótimas críticas, etc. A nossa percepção se algo é bom ou ruim depende muito do nosso humor ou estado de ânimo naquele momento preciso. Quem trabalha em televisão sabe que o dia mais crucial é o domingo à noite, quando o humor das pessoas vai piorando progressivamente. No meu caso, sempre procuro um filme leve, muitas vezes um desenho animado (adoro as animações japonesas), exatamente para rebater esse mau humor dominical.

Por falar nisso, a origem do filme também me afeta muito. Depois de anos e anos assistindo principalmente filmes de Hollywood, passei a apreciar mais os filmes e séries europeus e orientais. Enquanto a maioria dos meus amigos adora o padrão hollywoodiano, prefiro as produções francesas, escandinavas, inglesas, etc. Isso se deve à abordagem mais ousada do cinema europeu, em contraste com o conservadorismo americano.

Já a admiração com os filmes orientais se deve em grande parte ao interesse pela cultura japonesa, algo que vem desde a infância. Sempre me atraíram o exotismo e as diferenças das culturas orientais em relação à nossa. Também contribuiu muito a admiração pelas artes marciais e a profusão de filmes com esse tema durante minha infância e adolescência. Me encanta também a abordagem, totalmente diferente dos filmes ocidentais.

Obviamente, quando descrevo assim esses filmes, o leitor certamente pensará em clássicos como “Os Sete Samurais” (“Shichinin no samurai”, JAP, 1954) ou “Kagemusha, a Sombra de um Samurai” (“Kagemusha”, JAP, 1980). Mas também de Akira Kurosawa eu poderia citar o belíssimo “Dersu Uzala” (JAP, 1975) e os enigmáticos “Ran” (JAP, 1985) e “Sonhos” (“Yume”, JAP, 1990). Amo também as animações do Estúdio Ghibli, em especial “A Viagem de Chihiro” (“Sen to Chihiro no kamikakushi”, JAP, 2001), que ganhou o Oscar 2003 de Melhor Animação. Existem filmes pouco conhecidos que adorei, como “O Samurai do Entardecer” (“Tasogare Seibei”, JAP, 2002) e “Depois da Chuva” (“Ame Agaru”, JAP, 1999).

E para que não pensem que só gosto de filmes japoneses, fiquei encantado com as ótimas produções chinesas “O Tigre e o Dragão” (“Wo hu cang long”, CN/TW, 2000), de Ang Lee, “O Caminho para Casa” (“Wo de fu qin mu qin”, CN, 1999) e “Nenhum a Menos” (“Yi ge dou bu neng shao”, CN, 1999), ambos de Yimou Zhang. Falando em filmes chineses, lembro que recomendei uma vez “As Coisas Simples da Vida” (“Yi Yi”, TW, 1999), um filme taiwanês muito sensível, e uma amiga ligou depois pra dizer que tinha detestado.

Eu gosto também de filmes feitos em lugares com pouca tradição de cinema, como “Tanna” (AUS/VU, 2015), drama australiano-vanuatuano de 2015, o qual foi gravado na ilha de Tanna, no Vanuatu. Outro que também gostei foi “A Felicidade das Pequenas Coisas” (“Lunana: A Yak in the Classroom”, BT, 2019), filme butanês indicado ao Oscar 2022 de Melhor Filme Estrangeiro.

Certamente eu poderia listar centenas de filmes e séries que gostei, mas que iria provocar a concordância ou repulsa de cada leitor. Como disse antes, o gosto é pessoal e tem a ver com o repertório de vida de cada um. Existem aqueles que gostam de filmes violentos, com o sangue espirrando pra todo lado, os que adoram filmes de terror (já gostei, hoje me causam tédio), há os adoram os clássicos, as comédias, os musicais, etc.. Tenho uma sobrinha que só assiste um filme se tiver a palavra “amor” no título.

Tem também aqueles que gostam de filmes “cabeça”, com uma trama intrincada ou confusa, que precisa assistir várias vezes para formar alguma ideia do que o cineasta quis dizer. Existe o “causo” famoso do filme “Teorema” (ITA, 1968), de Pier Paolo Pasolini. Em uma das primeiras exibições o operador trocou a ordem dos rolos e ninguém percebeu! Confesso que meu pecado em relação ao cinema é não gostar nem do Cinema Novo nem da Nouvelle Vague, com raras exceções.

Alguns sites ajudam com uma nota atribuída por espectadores ou críticos. O mais conhecido é o site IMDB (www.imdb.com), onde cada filme ganha uma nota que é a média do que os inscritos no site votam. Pela minha experiência, a nota acima de 7 já é um bom indicador da qualidade do filme. Apenas como exemplo, “O Poderoso Chefão” (“The Godfather”, EUA, 1972) tem nota 9,2 enquanto “Plano 9 do Espaço Sideral” (“Plan 9 from Outer Space”, EUA, 1957), considerado o pior filme do mundo, tem nota 3,9.

Já o site Rotten Tomatoes (www.rottentomatoes.com) oferece tanto uma classificação fornecida por críticos de cinema (tomatômetro) quanto a média das notas dadas pelos usuários (audience score). Nos exemplos citados acima, “O Poderoso Chefão” tem 97% da crítica e 98% dos usuários, enquanto “Plano 9 do Espaço Sideral” tem 66% do tomatômetro e 45% do audience score.

Enfim, se em outros tempos tínhamos que ir na locadora e escolher os filmes do final de semana, hoje as opções estão literalmente ao alcance da mão, através dos serviços de streaming. Nos mais famosos, Netflix, Amazon Prime, HBO MAX, Disney, etc, existem inúmeras opções de filmes e séries para todos os gostos. O pior que pode acontecer é passar meia hora escolhendo, e quinze minutos depois do início do filme o parceiro adormecer no sofá… Mas, até isso faz parte.