Trash: A Esperança Vem do Lixo
Lixo oculto
A primeira coisa que a maioria dos espectadores espera, quando se propõe assistir um filme brasileiro, é que vai mostrar violência e favela. E, quando o filme é feito por um estrangeiro, a expectativa é que a coisa saia bem deturpada. Curiosamente, o filme “Trash – A Esperança Vem do Lixo” (BRA, 2014) apesar de trazer violência e favela, consegue mostrar mais coisas, em um filme que tem o mérito de ser diferente daquilo que estamos habituados a ver e criticar.
A história é sobre três garotos, Gardo (Eduardo Luís), Rafael (Rickson Tevez) e Rato (Gabriel Weinstein), que vivem e sobrevivem em um lixão, juntando vasilhames e outros produtos para reciclagem. Sempre com a esperança de encontrar algo de valor, um dia Rafael se depara com uma carteira, que além de dinheiro continha vários objetos, entre eles uma chave e uma cartela de jogo de bicho.
Intrigado, ele guarda a carteira, dividindo o dinheiro com o melhor amigo, Gardo. Eles vivem sem família, no lixão, e contam com a ajuda do esforçado padre americano Juilliard (Martin Sheen). O sacerdote mantém uma pequena igreja onde, além dos serviços religiosos, a voluntária Olivia (Rooney Mara) dá aulas de inglês para as crianças.
O que Rafael não tinha ideia é que a carteira pertencia a José Ângelo (Wagner Moura), que ao ser perseguido pela polícia, jogara a carteira em um caminhão de lixo. José Ângelo havia morrido em decorrência das torturas infligidas pelo delegado Frederico (Selton Melo), mas não havia revelado as informações que este desejava.
Uma verdadeira operação de guerra é montada para procurar a carteira no lixão, mas, os meninos desconfiam da polícia, e principalmente do delegado de fala mansa. Os garotos começam a seguir as pistas que tem, enquanto as forças da lei, a serviço do corrupto deputado Santos (Stepan Nercessian), continuam apertando o cerco no lixão.
Os meninos são obrigados a pedir a ajuda de Olivia, que tocada pela situação dos garotos, perseguidos e torturados pela polícia, aceitam gravar depoimentos contando suas histórias. Ela e Gardo vão até a prisão, onde encontram o tio de José Ângelo, um ativista preso injustamente, graças às maquinações do corrupto Santos.
A história é baseada em um livro de Andy Mulligan, um inglês que trabalhou como voluntário na Índia, Brasil, Vietnã e Filipinas, experiências que deram origem a “Trash”, cujo enredo poderia ter acontecido em qualquer um destes países.
A aproximação do diretor Stephen Daldry com o cineasta Fernando Meirelles fez com que escolhesse o Brasil, além da experiência deste último com “Cidade de Deus” (BRA, 2002). Isso também pesou na escolha dos protagonistas, que foram selecionados entre centenas de garotos de comunidades, que nunca haviam atuado antes.
Daldry, que dirigiu filmes de sucesso como “As Horas” (“The Hours”, EUA/UK, 2002), “Billy Elliot” (UK/FRA, 2000) e “O Leitor” (“The Reader”, ALE/EUA, 2008), passou meses no Brasil, ambientando-se com o mundo em que iria filmar, e tendo a oportunidade de vivenciar as grandes manifestações que ocorreram em 2013.
O resultado final foi um filme interessante, que não tem os habituais absurdos que acontecem quando o Brasil é mostrado pela ótica míope dos estrangeiros, e que apresenta alguns dos problemas reais que ocorrem nas grandes cidades brasileiras. Embora o roteiro tenha alguns furos, a história mostrada nas telas ficou bonita, principalmente ao focar nos bons valores dos garotos.
O elenco de apoio contribui muito para o resultado final, com os americanos Martin Sheen e Rooney Mara (que se esforçam para falar um pouco de português), e os brasileiros Wagner Moura e Selton Melo. Wagner Moura aparece pouco, apenas no prólogo e em alguns flashbacks, mas Selton Melo, que vive o primeiro vilão de sua carreira, mostra que é um ator completo.
“Trash – A Esperança Vem do Lixo” é um filme que merece ser visto, não apenas por mostrar um lado de nossa sociedade que é literalmente excluída de nossos olhos, mas também por mostrar o lado idealista que existe em todos nós quando ainda não fomos endurecidos pelo amargor da vida.
Este filme pode ser assistido no serviço de streaming Netflix.