Fundação

Caminhos tortuosos na saga do milênio

Recentemente, ao pesquisar as novidades de cinema na internet, fiquei maravilhado ao descobrir que tinha sido lançada a série “Fundação” (“Foundation”, EUA, 2021), baseada na obra mais famosa do escritor Isaac Asimov. A minha primeira dúvida foi a mesma de qualquer fã de Asimov, se haveria fidelidade aos livros. Bem, a resposta é sim e não.

Quando li o livro “Fundação”, ainda na adolescência, nem tinha ideia que a obra compreendia bem mais que as 832 páginas do maciço volume que tinha em minhas mãos. A história que forma a espinha dorsal da saga de sete livros é que, em um futuro distante, a espécie humana espalhou-se pela galáxia em um poderoso império. Um dia, um pesquisador, Hari Seldon, surge com uma teoria de que o império irá desmoronar, e precisará de trinta mil anos para se restabelecer.

Acusado de traição, Seldon propõe a criação de uma Fundação, com o objetivo de preservar o conhecimento, e com isso abreviar o tempo de caos para apenas um milênio. Ele e seu grupo são enviados para o remoto planeta Terminus, numa área remota da galáxia, para estabelecer o seu projeto.

Asimov começou a escrever a saga em forma de oito histórias independentes, que foram sendo publicadas na revista Astounding Magazine entre maio de 1942 e janeiro de 1950. Segundo o próprio Asimov, a ideia foi baseada no declínio e queda do império Romano. Posteriormente, as primeiras histórias foram unidas e publicadas em formato de livro em 1951 (“Fundação”), seguidas por “Fundação e Império” (1952) e “Segunda Fundação” (1953). Nos anos 1980, Asimov retornou à saga e publicou mais quatro volumes, completando fatos anteriores e posteriores aos primeiros livros.

Apenas olhando-se estes fatos, já dá para imaginar que transpor para o cinema seria impossível, a não ser uma ou outra história específica. Para o formato de série, já parece mais plausível, embora tenha suas dificuldades gigantescas, devido à extensão da própria obra. Aí voltamos à pergunta inicial: como fica a fidelidade da série em relação aos livros?

A primeira dificuldade é inerente ao formato cinema/televisão. Na maior parte de filmes e séries, para o desenvolvimento da história é necessário um ou vários protagonistas com quem a audiência se identifique. Mas, como fazer isso, quando o período em que a história acontece é de um milênio? Nos livros, Asimov foca cada história em um período específico, com seus heróis e vilões, mas o protagonista principal é a própria Fundação.

Então, para avisar aos desavisados, informo que a série é vagamente baseada na saga escrita, mantendo a ideia principal da necessidade da Fundação, da ruptura do Império e das Crises que periodicamente vão por à prova tudo o que Hari Seldon previu.

Isso quer dize que a série é ruim? Nem de longe. Mesmo que não siga fielmente os livros originais, o espírito da obra de Asimov está presente, inclusive com a supervisão da filha do autor, Robyn, que é muito ciosa do trabalho do pai.

Como disse acima, o ponto de partida da história foi mantido. Hari Seldon (Jared Harris) é um cientista que trabalha no planeta Trantor, a capital do Império Galáctico, e que desenvolveu sua audaciosa teoria sobre o fim do império.

A primeira grande mudança em relação ao livro é com o personagem Gaal Dornick (Lou Llobell), que no livro era homem e aparecia apenas nas primeiras páginas. Na série, é uma jovem mulher vinda de um planeta inundado e dominado por uma seita messiânica. Gaal assume um papel diferente na série, muito mais influente ao longo dos acontecimentos.

O império é comandado por uma trinca de soberanos, todos clones do primeiro imperador. Sempre há um jovem, Amanhecer (Cassian Bilton), um adulto, Dia (Lee Pace) e um idoso, Entardecer (Terrence Mann). Eles são assessorados pelo autômato Demerzel (Laura Birn), o mesmo ao longo de onze mil anos.

Ao longo dos dez episódios da primeira temporada, observamos a história desenvolver-se em três núcleos. O primeiro é no entorno do Imperador, o segundo com Gaal em sua jornada alternativa e o terceiro é com a Fundação, várias décadas após o estabelecimento no planeta Terminus.

Outro personagem que mudou bastante foi Salvor Hardin (Leah Harvey). Elemento importante nos capítulos iniciais de “Fundação”, Salvor também mudou de gênero e assume um papel mais dinâmico e heroico, que não existia no livro.

Como não poderia deixar de ser, a série aproveita o melhor da tecnologia do cinema, com efeitos especiais deslumbrantes e locações fantásticas, que vão do Trinity College em Dublin a Reykjavik na Islândia, passando por Malta e Ilhas Canárias.

Talvez o leitor mais fanático de Asimov não goste da série, mas isso seria injusto, pois há muito do autor nela, inclusive elementos de outros contos e livros fora da coleção Fundação. É o caso da nave fantasma que dá saltos aleatórios, e também há muito da coleção Império Galáctico, por exemplo.

Como os eventos mostrados na primeira temporada mal cobrem o início do primeiro livro, é de se esperar uma série longa e ainda com muitas histórias interessantes, mesmo para quem nunca leu nada de Asimov. Além dos quinhentos livros que publicou, Isaac Asimov teve vários deles levados ao cinema, sendo os mais conhecidos “O Homem Bicentenário” (“Bicentennial Man”, EUA, 1999), “O Cair da Noite” (“Nightfall”, EUA, 2000) e “Eu, Robô” (“I, Robot”, EUA, 2004).

A série “Fundação” pode ser encontrada no serviço de streaming Apple TV.