23/01/2004 – “Três Estações”

Filme Recomendado: “Três Estações”

Qual a primeira imagem que nos vêm à cabeça quando ouvimos falar em um filme sobre o Vietnâ? Stalone com uma faixa na cabeça, e uma metralhadora ponto cinqüenta nos braços, ou, o Chuck Norris, com a sua cara enfezada, derrubando helicópteros com um tiro de fuzil… Pasmem, senhores, pois existe um filme sobre o Vietnâ onde os heróis não são as bombas e armas, e, sim pessoas comuns – nem por isso menos especiais. O que pensar de um filme que mostra as histórias a princípio desconexas de uma jovem colhedora de lótus, um professor leproso, um condutor de táxi-bicicleta, uma prostituta, um americano perdido e um garoto de rua? Essas são as peças da trama de “Três Estações” ( Three seasons), a primeira produção americana rodada no Vietnã após a guerra, e, que foi premiada no festival de Sundance, a Meca do cinema independente. São três as histórias principais do filme. Uma jovem vem do interior para ser colhedora e vendedora de flor de lótus e mantém uma delicada relação com um poeta e professor que sofre de estado avançado de lepra, oferecendo-se para escrever os poemas que ele dita. Um jovem condutor de táxi-bicicleta apaixona-se por uma cínica prostituta de luxo e consegue dar-lhe uma nova perspectiva do mundo. Um menino de rua percorre os guetos e bares da cidade tentando sobreviver enquanto um ex-fuzileiro americano passa os dias sentado em frente de um restaurante em busca de algo que pertence ao seu passado. O filme mostra um país dividido entre a sua ideologia socialista e a premente urgência de aderir à globalização. Perdidos no meio deste processo, os seres humanos que vivem no degrau inferior da escala social são os que mais sofrem na sua própria busca da identidade e de um lugar ao sol. Essa fase recente da história de seu tão sofrido país é contada de acordo com a sua ótica, de baixo para cima.

Nesse meio aparentemente sórdido, são mostrados momentos de rara beleza e sensibilidade, como quando o condutor gasta a pequena fortuna que ganhou na disputa de uma corrida para realizar o sonho da prostituta: uma noite de sono tranqüila num hotel de luxo. Ou quando o ex-soldado, vivido magistralmente por Harvey Keitel, reencontra a filha após identificá-la num bordel. Ou ainda na materialização do sonho do moribundo poeta pela inocente colhedora de lótus, ao lançar as flores no rio, enquanto as vendedoras do mercado flutuante cantam uma belíssima canção folclórica.
O desencanto com a situação atual do país é mostrado simbolicamente pelos inúmeros luminosos das multinacionais, pelas flores de lótus de plástico, pelo abandono da infância nos becos e vielas da cidade e pela doença do outrora bonito professor. A deformação física do poeta tenta retratar a perda da cultura tradicional do Vietnã, nesta guerra que agora estão perdendo.
O trabalho do diretor e roteirista Tony Bui, um vietnamita criado nos Estados Unidos, é extraordinário ao juntar elementos como pobreza, prostituição, menor abandonado e doenças incuráveis e compor um poema de uma beleza e delicadeza singular. Isto é ajudado pelas belíssimas imagens da Cidade de Ho-Chi-Min ( antiga Saigon) e da belíssima música de Maurice Jarre. O único ator estrangeiro a participar do filme foi Harvey Keitel, que também foi produtor executivo da fita. Todo o resto do elenco é vietnamita. Este filme proporciona uma rara oportunidade de ver o Vietnã sem ser pela ótica da guerra e ao mesmo tempo mostrar que os problemas deles não são muitos diferentes dos nossos. A versão em DVD veio com formato em tela cheia ( 4:3) e som estéreo, trazendo como extras sinopse do filme, biografias do diretor e de Keitel e a titulação dos capítulos, tudo em português. Este é um dos raros casos em que uma forma pobre é compensada pela riqueza do conteúdo. Sugiro que assistam e tirem as suas próprias conclusões.