Jogo de Poder

 

Podres poderes

 

Hoje, ao acompanhar a comissão parlamentar de inquérito que investiga a atuação do governo brasileiro perante a pandemia da Covid, constatamos como o discurso de moralidade se distancia da realidade. Longe de ser uma exceção, isso é uma praga que atinge a maioria dos países do mundo.

Quando os Estados Unidos invadiram pela segunda vez o Iraque, sob a alegação da existência de armas de destruição em massa, a maioria das pessoas esclarecidas do mundo sabia que isso era falso. Mas, e a própria população americana? Tá certo que eles sempre foram meio alienados, que acham que falamos espanhol e que nossa capital é Buenos Aires, mas tudo tem limites.

O filme “Jogo de Poder” (“Fair Game”, EUA, 2010), baseado nos livros “The Politics of Truth: Inside the Lies that Led to War and Betrayed My Wife’s CIA Identity: A Diplomat’s Memoir”, de Joseph Wilson, e “Fair Game: My Life as a Spy, My Betrayal by the White House”., de Valerie Plame, oferece uma visão objetiva do vergonhoso processo que culminou com a invasão do Iraque, objetivo maior dos Falcões, o poderoso grupo que cercava o presidente George W. Bush.

Logo após o atentado de 11 de setembro de 2001, a paranoia antiterrorista permeou os Estados Unidos, estimulada pelo grupo da Casa Branca, que identificou ali uma oportunidade de ganhos com a possível invasão do Iraque – que não tinha a mínima relação com o ataque.

Na época, Valerie Plame (Naomi Watts) era uma agente da CIA que atuava em diversas partes do mundo, trabalhando para prevenir e minar possíveis grupos terroristas. Após o 11 de setembro, ela foi encarregada de tudo o que fosse relacionado com o Iraque. Um dos pontos investigados era uma possível venda de 500 toneladas de urânio para o Iraque, que seriam utilizadas para a construção de uma bomba atômica.

O marido de Valerie, Joe Wilson (Sean Penn), era um embaixador aposentado, cujo último cargo tinha sido exatamente no Iraque, na época da primeira Guerra do Golfo. Por sua atuação, fora considerado um herói, ao evitar que estrangeiros no país fossem usados como reféns.

Com pouca atividade após a aposentadoria, Joe prestava consultorias e dava palestras, e foi convocado pela CIA para investigar a tal venda de urânio, já que conhecia a região e tinha bons contatos com o governo local. Chegando lá, constatou que não existia a menor possibilidade de tal venda ter existido, o que colocou no detalhado relatório que redigiu em seu retorno.

Mas, seu relatório não agradou a Casa Branca, que forçava a CIA a arranjar evidências contra Sadan Hussein que justificassem a invasão. Eles insistiam até que um carregamento de tubos de alumínio seria utilizado no enriquecimento de urânio, o que era sistematicamente negado pela equipe comandada por Valerie.

Quando Joe vê na televisão o presidente utilizar o seu relatório e associando-os com os tais tubos de forma distorcida, mentindo abertamente para aliciar a opinião pública, ele redige um artigo para o jornal New York Times denunciando a mentira do presidente e expondo a realidade dos fatos.

O que se sucede a partir daí é uma guerra de acusações travada nos principais meios de comunicações, que culmina com o mais desleal e vergonhoso golpe dos Falcões: a revelação pública da identidade de Valerie.

Talvez seja difícil para o grande público perceber o alcance de uma ação tão vil. Mas, independente do massacre público que a família de Valerie sofreu, todas as pessoas envolvidas nas operações que ela conduzia em diversos países ficaram em total risco de vida. O filme apenas sugere, mas o grupo de cientistas atômicos iraquianos que seria resgatado pela CIA, simplesmente desapareceu no caos do Iraque invadido, mortos sabe-se lá por quem.

Nas investigações que se sucederam, Scooter Libby, chefe de gabinete do vice-presidente Dick Chenney, terminou sendo condenado por obstrução da justiça, perjúrio e falso testemunho a dois anos e meio de prisão – pena que foi comutada pelo amigo Bush. Após a condenação de Libby, o secretário de Estado, admitiu ter sido a fonte de vazamento da identidade de Valerie.

O filme certamente irá agradar os fãs de filmes que mostram os bastidores da política mundial, principalmente referentes a uma região tão conturbada como o Oriente Médio. E uma dica, não interrompa o filme antes dos créditos finais, pois é mostrado o histórico depoimento de Valerie no Congresso Americano, bem como o destino de alguns dos personagens reais.