Cargo – O Espaço é Gelado

 

Viagem ao mundo dos sonhos

 

Apesar de ser da geração que viveu o apogeu do cinema de rua, sempre me adaptei bem à evolução do entretenimento visual, e fui testemunha de saltos tecnológicos fantásticos nessa área. Um dos aspectos maravilhosos da internet é exatamente permitir o acesso de filmes diferentes e fora do mercado, das mais variadas origens. Um exemplo é a interessante ficção-científica suíça “Cargo – O Espaço é Gelado” (“Cargo”, CH, 2009).

No ano 2270 a Terra está completamente devastada por pragas e poluição, de modo que toda a população sobrevivente vive em estações orbitais. A única colônia fora da Terra bem sucedida é Rhea, mas apenas as pessoas com capacidade para pagar vivem lá.

A médica Laura Portmann (Anna Katharina Schwabroh) sonha em mudar para Rhea, onde sua irmã já se encontra, mas precisa juntar dinheiro para isso. Elas se mantêm em contato, mas as mensagens levam anos para chegar.

Para realizar seu sonho, Laura se engaja no cargueiro espacial Kassandra que levará materiais de construção para a estação 42, na órbita do planeta RH278, numa viagem que levará quatro anos de ida e mais quatro de volta. Apesar de ser uma nave gigantesca a tripulação é bem reduzida. Além do comandante Pierre Lacroix (Pierre Semler) e Laura, são apenas mais cinco pessoas.

De última hora, um tripulante a mais é adicionado. Devido às ações de um grupo terrorista contrário à colonização espacial, cada espaçonave precisa ter um oficial de segurança à bordo. No caso da Kassandra, o oficial é Samuel Decker (Martin Rapold).

Ao longo do trajeto a maior parte da tripulação fica em hibernação artificial, e apenas um tripulante fica desperto, num turno de oito meses cada. Já quase no final da viagem é a vez de Laura, que mantém uma rotina basicamente de supervisão, já que a nave é totalmente automatizada.

Um dia essa rotina é quebrada, quando ela descobre que o portão do compartimento de carga foi aberto. O oficial de segurança Decker é automaticamente acordado da hibernação, e logo ele e Laura decidem despertar o comandante Lacroix.

Quando eles decidem investigar o compartimento de carga, Lacroix cai de uma grande altura e morre. Eles decidem despertar o resto da tripulação, pois suspeitam que o comandante foi assassinado por um passageiro clandestino.

A primeira oficial Anna Lindbergh (Regula Grauwiller) assume o comando, num clima de suspeita generalizada, pois fica difícil acreditar que alguém teria conseguido se infiltrar na Kassandra e permanecer quatro anos desperto.

A situação fica ainda mais estranha quando Laura e Decker inspecionam o compartimento de carga e descobrem que ao invés de materiais de construção, a carga era constituída de containers repletos de pessoas em hibernação artificial. Eles retiram um dos sarcófagos onde estava uma menina, e ao examiná-la, Laura descobre um implante na coluna.

A partir de então a situação fica muito confusa, pois fica evidente que muitas mentiras estão sendo contadas para a população da Terra, não só sobre a situação do próprio planeta como também da paradisíaca Rhea. As perguntas mais importantes parecem ser qual o segredo desta carga humana e para onde eles estão indo, afinal?

Ao assistir o filme o espectador irá encontrar elementos que remetem a “Alien – O 8º Passageiro” (“Alien”, EUA, 1979), “2001: Uma Odisséia no Espaço” (“2001: A Space Odissey”, EUA, 1968) e até “Matrix” (“The Matrix”, EUA, 1999). Então, qual a novidade?

Muitas vezes eu tenho chamado a atenção para o fato de que os filmes de Hollywood parecem coisas pré-fabricadas, onde a originalidade parece ficar limitada pelos interesses comerciais. Os filmes europeus, entretanto, tem abordagens diferentes, mais ousadas e menos restritas. No caso de “Cargo – O Espaço é Gelado”, trata-se do primeiro filme de ficção-científica feito na Suíça, e é impressionante o que foi conseguido com um orçamento baixíssimo, de apenas cinco milhões de francos suíços (menos de seis milhões de dólares)

O filme, que levou oito anos para ser concluído, tem um design impressionante, e muitos cenários foram feitos digitalmente, principalmente o compartimento de cargas onde se passam várias cenas. Outra coisa curiosa é o protagonismo feminino do filme, outro aspecto bem diferente das produções hollywoodianas.

Curiosamente, apesar de ter sido feito quase todo na Suíça, a linguagem falada é o alemão padrão, ao invés do equivalente suíço. Além disso, embora a maior parte do elenco seja suíço, os papéis principais ficaram com atores alemães. Essa parece ter sido a principal concessão comercial do filme.

Embora não seja inovador, “Cargo – O Espaço é Gelado” é um filme interessante, principalmente pela abordagem do tema utopia versus distopia, além dos interesses velados de quem tem o poder – e quer mantê-lo sempre.