O Fim da Infância

A vez das crianças

 

Quando se fala que um filme é baseado na obra de um determinado autor, seus fãs ficam automaticamente interessados, seja por poder visualizar algo que só existia na sua imaginação como leitor, seja para poder reclamar “que não tem nada a ver com o livro”. Por isso mesmo, quando descobri que um dos livros mais complexos de Arthur C. Clarke tinha inspirado uma minissérie, fiquei muito curioso. O livro em questão é “O Fim da Infância”, escrito em 1953, cuja série homônima foi lançada em 2015, pelo canal SyFy.

Eu sempre considerei Clarke o melhor escritor de ficção-científica de todos os tempos, e embora tenha lido muitos de seus livros desde que era garoto, só conhecia dele no cinema o clássico “2001: Uma Odisséia no Espaço” (“2001: A Space Odissey”, EUA, 1968), dirigido por outro gênio, Stanley Kubrick.

Não é difícil imaginar o porque desta escassez no cinema. Enquanto Isaac Asimov e outros autores mais “populares” tem obras mais palatáveis para o grande público, e por isso mais fáceis de adaptar para o cinema, os livros de Clarke são mais intrincados e científicos. Só como comparação, Asimov tem 27 obras adaptadas para o cinema e a televisão, entre as quais podemos citar “Eu, Robô” (“I, Robot”, EUA, 2004) e “O Homem Bicentenário” (“Bicentennial Man”, EUA, 1999).

“O Fim da Infância” (“Childhood’s End”, EUA, 2015) foi transformado em minissérie, pois dificilmente se conseguiria condensar a história toda em um filme de hora e meia. São três episódios de cerca de oitenta minutos cada, apresentando cada uma das etapas da história.

Na primeira parte, “The Overlords”, o mundo em que vivemos, com todas as suas mazelas, corrupções, degradação do meio-ambiente, pobreza, fome, guerras, é surpreendido com a chegada de gigantescas espaçonaves extraterrestres que estacionam sobre as maiores cidades. Eles usam imagens de pessoas falecidas para comunicar aos humanos que uma era de paz e prosperidade havia chegado. Suas intenções são pacíficas, e graças a sua intervenção, todos os problemas da humanidade são resolvidos.

Curiosamente, os recém-chegados não se mostram aos humanos. Eles escolhem um homem, Ricky Stormgrem (Mike Vogel), para ser o seu intermediário. Embora fosse uma pessoa afável, sempre disposta a ajudar a resolver os conflitos dos vizinhos, Ricky fica surpreso com a escolha, mas se dedica à missão com a dedicação de sempre. Mesmo assim, o alienígena Karellen (Charles Dance) nunca se mostra para Ricky e sua imagem continua um mistério. Somente depois de vários anos é que eles se apresentam, e a humanidade, embora feliz com os benefícios que trouxeram, fica chocada com a sua aparência demoníaca.

O segundo episódio, “The Deceivers”, mostra a humanidade em uma situação totalmente diferente. Com paz e prosperidade, apenas dois grupos de pessoas acham ruim a atual situação. O primeiro são os cientistas. Com a chegada dos alienígenas, todas as necessidades foram atendidas, mas a pesquisa científica simplesmente não tem mais razão de ser, principalmente a que envolva viagens espaciais. O outro grupo insatisfeito são cidadãos que não aceitam os benefícios dos extraterrestres e criam um território isolado, chamado Nova Atenas, onde vivem de acordo com sua vontade.

Uma crise muito grande também foi criada com as religiões e seitas mais conservadoras, chocadas não só com a aparência dos alienígenas, mas também com a negação de dogmas e crenças até então estabelecidas. Mas, o que começa a preocupar as pessoas é o comportamento das crianças. Peretta (Yael Stone), uma psicóloga que costumava ser muito ativa em sua igreja, desconfia que há algo demoníaco por trás de tudo.

No episódio final, “The Children”, será revelada a verdadeira missão dos alienígenas. Enquanto o cientista Milo Rodricks (Osy Ikhile) busca respostas para o comportamento das crianças na própria origem dos alienígenas, novos e estranhos fenômenos deixam os pais cada vez mais assustados. Caberá a Milo não só ser o primeiro a conhecer o planeta de origem dos extraterrestres como testemunhar o destino da Humanidade.

Tanto o livro quanto a minissérie trazem uma visão dura sobre o papel das religiões na humanidade, bem como um olhar crítico sobre a mesma. Esta história foi escrita num período conturbado, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o endurecimento da Guerra Fria, em meio ao macarthismo e sua perseguição aos pretensos comunistas, Guerra da Coréia, etc. Não é de estranhar a visão apocalíptica de Clarke para uma Humanidade que parecia não ter aprendido nada.

A minissérie é muito bem feita, com boas atuações, ótimos efeitos especiais e mantém grande fidelidade ao texto original. E para os fãs de Arthur C. Clarke, uma boa notícia. Foi anunciado, ainda sem data prevista, que o ótimo romance “Encontro com Rama” seria levado às telas.