WALL-E

 

Do lixo ao infinito

 

Quando soube que a Pixar tinha sido comprada pelos Estúdios Disney, fiquei imaginando o que iria acontecer com a qualidade das produções da empresa, responsável por preciosidades como “Toy Story”, “Monstros S.A.”, “Procurando Nemo”, “Os Incríveis”, etc.. Embora nenhum capitalista selvagem de Hollywood tenha perdido o sono devido à preocupação deste crítico de cinema, constatei, ao assistir “Wall-E” (EUA,2008), que o padrão de qualidade da Pixar foi mantido, apesar de estar sob a bandeira da Disney.

Elogiar a qualidade da computação gráfica da animação seria, como se diz popularmente, chover no molhado. O preciosismo técnico da computação gráfica utilizada é cada vez mais detalhado e realista. As boas notícias ficam por conta do tema e da amplidão do público-alvo, que abrange crianças de zero a cem anos (quem estiver acima dessa faixa pode ir, também).

“WALL-E” toca em um tema importantíssimo, que só encontra eco nas discussões de ambientalistas: o lixo. Apesar de ser um elemento potencialmente devastador, a maioria das pessoas só se preocupa quando ocorre alguma greve de garis. Para se ter ideia, só o Brasil gera anualmente quase 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos, envenenando o solo e enchendo os rios e mar de plásticos.

Quando o filme começa, encontramos uma terra empoeirada e deserta, abandonada por seus habitantes. Nos primeiros minutos, através de uma antiga propaganda, descobrimos que os terráqueos foram levados para o espaço, já que a Terra havia se tornado um imenso depósito de lixo, poluído e sem condições de vida.

Nesse ambiente inóspito, encontramos WALL-E, um pequeno robô remanescente de um exército de máquinas autônomas que tinha como objetivo compactar o lixo em pequenos cubos e armazená-los em imensas pilhas. Dotado de inteligência artificial e capacidade de autorreparação, WALL-E manteve-se em atividade durante setecentos anos, sempre cumprindo a sua missão.

Vivendo nessa solidão, WALL-E desenvolveu uma personalidade própria, adquirindo o hábito de coletar objetos que considera interessantes, como isqueiros ou caixas de jóias (o anel de brilhantes ele joga fora), e continuamente assiste o musical “Alô, Dolly” (“Hello Dolly”,EUA,1969), encantando-se com relacionamento entre as pessoas.

Certo dia, a sua rotina é quebrada com a chegada de uma nave, que deixa ali um robô diferente. Este robô, chamado EVA, tem como missão esquadrinhar a Terra em busca de sinais de vida. Quando WALL-E lhe mostra um espécime vegetal que encontrou, EVA recolhe a amostra e entra em hibernação. Logo, a nave voltará para buscá-la.

Quando EVA é recolhida, WALL-E pega carona na espaçonave, que o levará a uma jornada pelo espaço, passando por uma camada de lixo espacial ao redor da Terra (detalhe para o Sputnik, primeiro satélite a ser lançado no espaço), pelos planetas do sistema Solar, até chegar a um longínquo lugar, que lembra a nebulosa de Órion.

Lá, em uma gigantesca nave chamada AXION, descobrimos que os últimos remanescentes dos habitantes da Terra transformaram-se em seres obesos, prejudicados pela baixa gravidade, pela falta de atividade física e pelo excesso de junk-food. Todos se movimentam em cadeiras flutuantes e só veem o que é mostrado em telas de televisão à sua frente.

O comandante da nave, cuja única obrigação é fazer um pronunciamento diário, surpreende-se ao descobrir que existia uma diretriz que condicionava o retorno à Terra à existência de vida – no caso, um vegetal.

Mas, o computador Auto, a inteligência artificial que controla a nave, obedece a uma antiga ordem secreta, que descartava qualquer possibilidade de retorno à Terra. Para isso, toda prova tinha que ser eliminada, e isso incluía WALL-E, EVA e qualquer evidência de vida na Terra. Agora, cabe apenas ao comandante e aos dois robozinhos salvar o destino de toda a Humanidade.

Independente dos recursos técnicos utilizados, “WALL-E” já vale o ingresso por ser um filme totalmente visual. Na maior parte do filme não há diálogos – diálogo no sentido estrito, verbal. Na verdade, não há problemas de comunicação, nem entre os personagens, nem com o espectador, pois os poucos sons utilizados e as expressões “faciais” dos robôs são suficientes para o perfeito entendimento da trama. WALL-E é uma mistura de “Um Robô em Curto-Circuito” (“Short Circuit”,EUA,1986) com “ET: O Extraterrestre” (“E.T, the Extra-Terrestrial”,EUA,1982).

Outros detalhes preciosos estão nas inúmeras referências a grandes filmes de ficção-científica dos anos 60 e 70. Estão presentes “2001: Uma Odisséia no Espaço” (“2001: A Space Odissey”,EUA,1968), com o Auto revivendo o HAL 9000, com olho vermelho e tudo, e até valsa “Assim Falou Zaratustra” de Strauss embalando um belíssimo balé espacial. O espectador pode ficar atento às citações a “Guerra nas Estrelas” (“Star Wars”,EUA,1977), “Alien – O Oitavo Passageiro” (“Alien”,EUA,1979), “Blade Runner – O Caçador de Andróides” (“Blade Runner”,EUA,1982) e “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (“Close Encounters of the Third Kind”,EUA,1977).

O criador das vozes de WALLl-E e EVA foi Ben Burtt, o sonoplasta que inventou a “voz” de R2D2 e o som dos sabres de luz em “Guerra nas Estrelas”. A fotografia teve a consultoria de Roger Deakins, que ajudou a imprimir nas imagens os efeitos das câmeras de 70 mm usadas na época das grandes produções de ficção científica. A trilha sonora, maravilhosa, traz entre outras preciosidades La Vie em Rose, interpretada por Louis Armstrong.

“WALL-E”, ao contrário de outras produções infanto-juvenis, que não são mais do que um amontoado de efeitos gráficos, traz uma mensagem interessante, sob a preservação do meio-ambiente, revestido de uma história agradável que traz temas tão caros como amor, amizade e dever. Mais que recomendado.

One Reply to “WALL-E”

  1. Joaquim Cezario Neto

    Texto-crítico objetivo, direto nos pontos importantes e bem referenciados.
    Despertou-me a vontade de assistir ao filme.
    Abraço

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