Claquete 17 de setembro de 2004
Newton Ramalho – colunaclaquete@gmail.com
O que está em cartaz
Dizer cobras e lagartos dos novos preços das entradas dos cinemas, é possível, apenas olhando a programação. Mas, tem coisa boa estreando, como “Rei Arthur”, com uma nova versão da lenda inglesa, e, o filme de ação “Supremacia Bourne”, reunindo novamente a dobradinha Matt Damon e Franka Potente. Para os amantes dos ofídios, “Anaconda 2”, com cobras para todos os lados. Continuam em cartaz o excelente drama “O Terminal”, estrelado por Tom Hanks e dirigido por Steven Spielberg, “Irmãos de Fé”, produção nacional sobre a vida de São Paulo, “A Vila”, de M. Night Shyamalan, interessante fantasia sobre uma utópica comunidade cercada de seres malignos, o policial “Colateral”, com Tom Cruise vivendo um malvado assassino profissional, “Olga”, a impressionante biografia da mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes, e, “Alien x Predador”, ficção-científica que traz dois dos mais famosos seres alienígenas do cinema. No Filme de Arte, do Cine Natal 2, a produção palestina “Intervenção Divina”. Em pré-estréia, o ansiosamente aguardado “Fahrenheit 11 de setembro”, do diretor Michael Moore.
Rei Arthur
O cinema parece estar passando por uma fase de realismo histórico. Primeiro foi “Tróia”, que recontou a famosa lenda grega, ignorando deuses e magos. Agora, chega às telas dos cinemas “Rei Arthur”, que transporta a mais famosa lenda inglesa da Idade Média para os últimos dias do Império Romano. Em torno do ano 500, de nossa era, Arthur (Clive Owen) é um líder relutante, que deseja deixar a Bretanha, dominada pelos bárbaros, e, retornar a Roma, para viver em paz. Porém, antes que possa realizar esta viagem, ele parte em missão, ao lado dos Cavaleiros da Távola Redonda, grupo formado por Lancelot (Ioan Gruffudd), Galahad (Hugh Dancy), Bors (Ray Winstone), Tristan (Mads Mikkelsen), e, Gawain (Joel Edgerton). Nesta missão, Arthur toma consciência de que, quando Roma cair, a Bretanha precisará de alguém que guie a ilha aos novos tempos, e, a defenda das ameaças externas. Com a orientação de Merlin (Stephen Dillane), e, o apoio da corajosa Guinevere (Keira Knightley) ao seu lado, Arthur decide permanecer no país, para liderá-lo. Dirigido por Antoine Fuqua (“Dia de Treinamento”), e, produzido por Jerry Bruckheimer (“Piratas do Caribe”), “Rei Arthur” estréia, nesta sexta-feira, no Cine Natal 1, e, no Cine 4, do Moviecom. Para maiores de 14 anos.
Supremacia Bourne
Em 2002, Matt Damon e Franka Potente empolgaram as platéias, com o movimentado “Identidade Bourne”, onde um desmemoriado agente secreto era caçado por assassinos de sua própria organização, com espetaculares perseguições pelas ruas de Paris. Após dois anos, Jason Bourne (Matt Damon) achava que tivesse deixado para trás seu passado, como assassino frio, e, calculista, criado pela misteriosa agência Treadstone. Desde então, ele vinha mantendo uma existência anônima, abrindo mão da estabilidade de ter um lar, e, se mudando com Marie (Franka Potente), sempre que surgia a ameaça de ser descoberto. Quando um agente aparece na vila onde Jason e Marie vivem, eles não têm outra alternativa senão fugir. Porém, um novo jogo internacional de perseguição faz com que Jason tenha que confrontar velhos inimigos. Para isso, irá usar as mesmas armas utilizadas pelos oponentes, ressuscitando sua antiga personalidade. A direção é de Paul Greengrass. “Supremacia Bourne” estréia, nesta sexta-feira, no Cine 5, do Moviecom. Para maiores de 14 anos.
Filme de Arte: Intervenção Divina
Uma rara produção palestina, premiada no Festival de Cannes, chega na Sessão de Arte do Cine Natal 2. O filme é “Intervenção Divina”, do diretor Elia Suleiman. A cidade de Nazaré, sob uma aparente normalidade, ferve. Enquanto sua empresa vai à falência, um homem resolve tomar uma atitude, e, dar um fim às mesquinhas brigas cotidianas, que infernizam sua vida. Esse homem é o pai de E.S. (Nayef Fahoum Daher). E.S. (Elia Suleiman) mora em Jerusalém, e, vive uma história de amor com uma mulher, que mora em Ramallah. Entre os dois, há uma barreira israelense. Ele se esforçará para ocupar seu tempo da melhor maneira possível, entre seu pai doente, e, seu amor distante. O Filme de Arte terá sessão única, às 21h, no dia 21, terça-feira, no Cine Natal 2. Para maiores de 14 anos.
Anaconda 2
Em 1997, um elenco estelar, formado por Jennifer Lopez, Jon Voight, e, Ice Cube, viviam aventureiros que se embrenhavam em nossa Amazônia, para servir de lanche para uma gigantesca cobra chamada anaconda. O filme foi extremamente criticado, ganhando até indicações para o Framboesa de Ouro. Acredite, se quiser, mas foi produzida uma seqüência, “Anaconda 2 – A Caçada Pela Orquídea Sangrenta”. Desta vez, a confusão é bem longe daqui. Na selva de Bornéu, existe uma rara orquídea vermelha, que desabrocha apenas uma vez, a cada sete anos. Considerada a chave, para a produção de um soro da juventude, um grupo de cientistas decide embarcar numa viagem, para encontrá-la. Eles acreditam que o soro irá render muito prestígio, e, dinheiro, para suas carreiras, valendo à pena correr os riscos da expedição. Porém, logo eles percebem que, além do mau tempo, e, a densa vegetação, algo mais pretende impedi-los de alcançar a orquídea: um predador mortal que a protege. Ao contrário do primeiro filme, há uma penca de cobras igualmente gigantescas, prontas para infernizar a vida dos recém-chegados. “Anaconda 2” estréia, nesta sexta-feira, no Cine 6, do Moviecom. Para maiores de 14 anos.
Pré-Estréia: “Fahrenheit 11 de Setembro”
Demorou, mas, chegou. Pelo menos, neste final de semana, o natalense terá a oportunidade de conferir o polêmico documentário de Michael Moore, ferrenho adversário da administração Bush, e, suas ligações perigosas. Com uma edição primorosa, que transforma os retalhos de reportagens uma comédia ao estilo de “Corra Que a Polícia Vem Aí”, o diretor Michael Moore investiga como os Estados Unidos se tornaram alvo de terroristas, a partir dos eventos ocorridos no atentado de 11 de setembro de 2001. Os paralelos entre as duas gerações da família Bush, que já comandaram o país, e, ainda, as relações entre o atual Presidente americano, George W. Bush, e, Osama Bin Laden. Mas, é bom ficar atento. Serão apenas duas sessões, uma no dia 17 e outra no dia 18, sempre às 23h50, no Cine 2, do Moviecom. Para maiores de 12 anos.
Nas locadoras, em setembro
Olha só o que está chegando nas locadoras, na próxima semana: “Kill Bill: Volume 1”, “Anjos da Noite – Underworld”, “Como Se Fosse a Primeira Vez”, “Albergue Espanhol”, “Sem Notícias de Deus”,”Benjamim”, “Mauá – O Imperador e o Rei”, “Garganta do Diabo”, a segunda temporada de “Smallville”, “THX 1138”, as primeiras temporadas de “Os Jetsons”, “Jonny Quest”, e, “Super Amigos”, além das preciosidades “Flipper”, e, “As Novas Aventuras de Flipper”, com um golfinho pra lá de inteligente. Boa curtição!
“Identidade Bourne”, duas versões em DVD
Antes de ir assistir “Supremacia Bourne” no cinema, que tal passar na locadora, e, alugar o filme original, de 2002? É “Identidade Bourne”, com Matt Damon e Franka Potente. Após acordar, em pleno Mar Mediterrâneo, sem memória, e, com o corpo cravado de balas, um homem consegue sobreviver, com a ajuda de um médico aposentado. Já recuperado, ele passa então a tentar descobrir quem é, ao mesmo tempo em que é perseguido por estranhos. Dirigido por Doug Liman (“Vamos Nessa!”). Existe também uma outra versão, mais fiel ao livro de Robert Ludlum, filmada em 1988, estrelada por Richard Chamberlain, e, a ex-Pantera Jaclyn Smith. Ambas as versões estão disponíveis em DVD. Confira!
Filme recomendado: “As Brumas de Avalon”
Excalibur de saias
Um dos aspectos mais interessantes do cinema é a possibilidade de se contar a mesma história de maneiras diferentes. Mas, mais importante do que repetir os mesmos fatos, é reconta-los a partir de uma ótica diferente. Se “Rei Arthur”, que estréia nesta semana, nos cinemas, tenta trazer a lenda do rei Artur para uma visão “histórica”, outras versões abordaram o tema respeitando a fantasia, mas com ponto de vista diferente. Uma das versões mais atraentes é a de “Brumas de Avalon”, baseada no livro de Marion Zimmer Bradley, que vendeu milhões de cópias no mundo inteiro.
As lendas de cavalaria floresceram no início do primeiro milênio da era cristã, sendo muito utilizadas para louvar o cavaleiro medieval, e, estimular os cristãos nas lutas contra os mouros nas Cruzadas. Os cavaleiros eram castos, afeitos a romantismos platônicos, sempre defendendo os fracos e oprimidos. As donzelas, formosas, virtuosas, e, frágeis, estavam sempre em apuros, às voltas com dragões e bandidos desalmados, à espera da salvação pelo cavaleiro andante.
A lenda do rei Artur, seguramente, deve ser a mais conhecida, mundialmente. E, isso, sem que, até hoje, tenha sido encontrada qualquer evidência arqueológica de Camelot, ou, do próprio Artur. Nada disso, entretanto, impede que a lenda seja contada e recontada incessantemente, pelo mundo afora. E, como diz o ditado, quem conta um conto, aumenta um ponto.
Apesar de todas as variantes sobre o tema, alguns pontos são sempre comuns. Artur era irmão de Morgana, por parte de mãe. Sua concepção foi feita a partir um estratagema do mago Merlin, que fez Uther Pendegron assumir a imagem do marido de Igraine para levá-la ao leito nupcial. Ainda jovens, os irmãos são separados, para que Morgana desenvolva seus poderes mágicos, enquanto Artur é criado por uma família estranha, para que possa vir um dia tornar-se o grande rei da Bretanha. A famosa espada Excalibur, vinda de uma misteriosa semideusa, conhecida por Dama do Lago, é entregue aos homens cravada numa rocha, de onde só poderia ser retirada pelo homem que se tornaria o futuro rei.
Quem consegue tirar a espada é Artur, que torna-se rei, e, inicia o trabalho de reunificação da Bretanha, que não era mais do que um amontoado de pequenas cidades-estado. Fixando-se em Camelot, Artur cercou-se de cavaleiros andantes valorosos, que tinham como ideais a ordem e a justiça. De palácio arrumado, Artur casa-se com Guinevere, filha de um rei aliado. Só faltava agora um herdeiro, que, de acordo com a lenda, nunca veio. Lancelote, seu braço direito, era o campeão da rainha, posto que ocupava um cavaleiro que tomava as dores da soberana, resolvendo com lança e espada quaisquer dúvidas sobre a honra da mesma. Não tardaram a surgir rumores sobre uma ligação extra-conjugal entre os dois.
Além das maledicências sobre a rainha, a busca pelo Cálice Sagrado também contribuiu para destruir Camelot. Vivendo uma época de paz, a demanda por justiça sob controle, sobrou tempo para os doze cavaleiros da Távola Redonda se empenharem numa busca messiânica, para encontrar o Santo Graal, o cálice usado por Jesus na Última Ceia, e, onde José de Arimatéia recolheu o sangue do Messias agonizante. A imensa maioria dos cavaleiros encontrou apenas a morte. Apenas Galahad, que alguns dizem ser filho de Lancelot, conseguiu chegar ao Graal.
Outro ponto em comum em todas as versões é a geração de Mordred, resultado de uma relação incestuosa de Artur com sua irmã Morgana. Mordred viria a enfrentar o próprio pai na disputa pelo trono, numa guerra que levou todos à ruína. Gravemente ferido, Artur é ajudado por Galahad a devolver Excalibur à Dama do Lago, antes de morrer. Ponto.
Desde a invenção do cinema, no final do século dezenove, inúmeras versões da lenda de Camelot tem sido levado às telas, com um ou outro enfoque. Para não ir muito longe, vamos nos limitar a 1981, quando foi feito o belíssimo filme Excalibur, minha versão favorita da lenda. A versão ali retratada é a mais clássica, com a Morgana como vilã, e, todos os eventos mencionados acima.
Além de “Excalibur”, foram feitos outros filmes sobre o mesmo tema, onde o que muda é o ponto de vista do personagem principal. Em “Merlin” (1992), o mago assume o papel de defensor de Artur, enfrentando Morgana, e, sobrevivendo à era mágica. “Guinevere” (1994), numa produção feita para a TV, mostraria uma rara visão, a da sofrida rainha, que é atormentada em meio à perfídia dos magos. “Lancelote – O Primeiro Cavaleiro” (1999) foi a mais infeliz das versões, desperdiçando os ótimos talentos de Sean Connery, e, Richard Gere. Em 2001, a TNT produziu a minissérie “As brumas de Avalon”, baseado no romance homônimo de Marion Zimmer Bradley. Foi a última versão antes de “Rei Arthur”, atualmente nos cinemas.
Ao ser lançada em DVD, a minisérie “Brumas de Avalon” conseguiu atingir um público bem maior do que os assinantes da TNT, e, que, certamente, estavam ansiosos para ver a materialização, em película, do famoso romance. Como tive a oportunidade de ler o livro e ver o filme, surgem algumas comparações interessantes.
Ao ler “As brumas de Avalon”, fiquei surpreso com a forma encontrada pela autora para recontar a lenda de Artur. Com um enfoque extremamente feminista, as heroínas todas são as mulheres. A história é contada pelo ponto de vista de Morgana, boazinha e bem-intencionada, que sofre as conseqüências por ser descendente da mais importante família druida. Como toda história que se preza tem que ter um vilão, foi criada a figura de Morgause, tia de Morgana, e, irmã da Dama do Lago, que não era uma semideusa, mas, sim, a gerente-geral de Avalon. Tendo como pano de fundo um embate entre a religião católica e a religião dos druidas, Guinevere incorpora o que tem de pior na primeira, enquanto Morgana brilha na segunda.
Liberdade poética existe pra isso mesmo, a literatura está repleta de exemplos. O problema é que, para Bradley, todos os personagens masculinos são fracos, incompetentes, e, mal-intencionados. O pobre Merlin morre no meio da história, e, a única coisa que faz é a transfiguração de Uther Pendragon, no início do livro. Artur é fraco, e, indeciso, qualidades estranhas, para o homem que unificou e impôs-se a todos os reis da Bretanha. E, por aí vai.
Pontos importantes da lenda são esquecidos, ou, mostrados de relance. O surgimento e a devolução de Excalibur, e, a busca do Santo Graal, são, simplesmente, ignorados. Dos cavaleiros da Távola Redonda, só é mencionado Lancelote, o ladrão do coração da rainha. Obviamente, Morgana sobrevive, a tudo, e, a todos.
Se o livro já tratava a lenda dessa forma, quando foi transformado em minissérie, cometeu alguns pecados ainda mais graves. O pior de todos foi a maneira como foi tratada a relação incestuosa de Artur e Morgana. Se todas as outras versões mostram Artur sob o efeito de um encantamento da irmã, o livro mostra os dois iludidos, num primeiro momento, mas, chegando a fazer amor, já conscientes de suas verdadeiras identidades. Muitas sociedades no passado não encaravam o incesto em famílias nobres da forma que é visto hoje. Na minissérie, além de terem sido enganados, sofrem a culpa dessa relação, coisa que simplesmente não existe no livro. É natural que os produtores não tenham tido coragem de colocar isso para a conservadora audiência da televisão americana.
Outros pontos de divergência aparecem, mas de menor importância. A minissérie é muito bem produzida, com bons efeitos especiais, cenários perfeitos, e, um figurino que só diverge das reluzentes armaduras de “Excalibur”. O elenco, liderado pela eterna “Mortícia Adams”, Anjelica Huston, como a Dama do Lago, e, por Julianna Margulies como Morgana, está excelente. Para quem não lembra, Julianna fazia a enfermeira Carol Hathaway, em “Plantão Médico”, ao lado de George Clooney.
O DVD está bem produzido, com formato de tela widescreen, áudio em inglês Dolby Digital 5.1, legendas em português, inglês e espanhol. Como extras, algumas cenas adicionais, galeria de fotos, e, algumas notas sobre produção e atores. Faz falta alguma informação adicional sobre os personagens principais, ou mesmo, algum Making Of da minissérie.
Apesar de não ser a minha versão favorita da lenda arturiana, “As Brumas de Avalon” é uma produção muito bem cuidada, com boa ambientação de época, que mantém a atenção do espectador. Se peca por ir na contramão de todas as demais versões da lenda, não deixa de ser um filme de aventuras que cumpre bem seu objetivo primário: a diversão. Se nunca ouviu falar da lenda de Artur, assistir esse filme é um bom começo. Se já conhece a fundo, é mais uma dimensão a considerar. Prepare a pipoca e o refrigerante, e boa diversão!