Claquete 24 de setembro de 2004
Newton Ramalho – colunaclaquete@gmail.com
O que está em cartaz
A programação dos cinemas, com exceção de “Irmãos de Fé”, está toda voltada para o público adolescente e adulto. Se as crianças terão que se contentar com o DVD, para os demais, as opções estão bem variadas. Uma das estréias da semana é o nacional “Redentor”, dirigido por Cláudio Torres, com atuação dos pais, Fernando Torres e Fernanda Montenegro, e, roteiro de Fernandinha Torres. A outra, é o esperado “Fahrenheit 11 de setembro”, do diretor Michael Moore, detonando a administração Bush. Continuam em cartaz, “Rei Arthur”, que, apesar de tentar, tem pouco a ver com a famosa lenda inglesa, o filme de ação “Supremacia Bourne”, reunindo novamente a dobradinha Matt Damon e Franka Potente, a aventura de gosto duvidoso, “Anaconda 2”, com cobras para todos os lados, o excelente drama “O Terminal”, estrelado por Tom Hanks e dirigido por Steven Spielberg, “Irmãos de Fé”, produção nacional sobre a vida de São Paulo, “A Vila”, de M. Night Shyamalan, interessante fantasia sobre uma utópica comunidade cercada de seres malignos, e, “Olga”, a impressionante biografia da mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes. No Filme de Arte, do Cine Natal 2, o premiado “Monster – Desejo Assassino”. Em pré-estréia, “Rios Vermelhos 2”, com o ótimo Jean Reno.
Redentor
Na década de 70, no Rio de Janeiro, o bairro da Barra da Tijuca era uma espécie de terra prometida da cidade. Uma das várias construções no local era o Condomínio Paraíso, um luxuoso edifício que seria construído pela empreiteira do Dr. Sabóia (José Wilker). Célio, ainda criança, fica impressionado com a maquete do empreendimento, mostrada por seu amigo Otávio, filho do Dr. Sabóia. Com a empolgação do filho, seus pais decidem comprar um apartamento no Condomínio Paraíso. Entretanto, apesar de ter pago todas as prestações, durante anos, a família de Célio jamais chegou a ocupar o novo apartamento. Isto porque, o Dr. Sabóia, após vender os mesmos apartamentos várias vezes, decretou falência, e, deixou a obra incompleta. Quinze anos depois, os operários, que trabalharam na construção do edifício, e, que criaram uma favela ao lado, decidem tomar posse dos apartamentos, através de uma invasão pacífica. Com o escândalo imobiliário vindo a público, Dr. Sabóia suicida-se, ficando os negócios a cargo de Otávio (Miguel Falabella). Célio (Pedro Cardoso), trabalhando como repórter, é designado a cobrir o caso e, com isso, é obrigado a reencontrar Otávio. Obcecado com o apartamento, Célio aceita a proposta de Otávio, para ser seu “laranja”, em troca de cinco milhões de dólares. A situação foge ao controle, e, o tiro sai pela culatra, fazendo com que Célio se arrependa do negócio feito com Otávio. Desesperado, e, em busca de Deus, Célio termina por encontra-Lo. É quando ele recebe uma missão que será também sua salvação: convencer Otávio a doar toda sua fortuna aos pobres. “Redentor” estréia, nesta sexta-feira, no Cine 2, do Moviecom. Para maiores de 12 anos.
Pré-estréia: “Rios Vermelhos 2”
Em 2000, um interessante filme francês, “Rios Vermelhos”, quebrou a monotonia dos policiais hollywoodianos. Violento e politicamente incorreto, o filme trazia um veterano policial francês em busca de um misterioso serial killer. O comissário Niemans, volta às telas novamente, em “Rios Vermelhos 2”, através do ótimo Jean Reno. Um homem é encontrado morto no Mosteiro de Lorraine, mas não parece ser uma vitima comum. Os sinais esotéricos que o corpo ostenta, e, o ritual de sacrifício, fogem às características de um assassinato vulgar. Quando Reda (Benoît Magimel), um jovem capitão da policia, encontra um sósia de Jesus Cristo, meio-morto, à beira de uma igreja, julga ter salvo um iluminado. Mas, rapidamente, ele vai aperceber-se que este caso está ligado ao crime que Niemans investiga. Com a ajuda de Marie (Camille Natta), uma especialista em história religiosa, eles vão tentar desvendar o mistério dos Monges intitulados “Anjos do Apocalipse”, e, que semeiam o medo e o terror, desaparecendo sem deixar rastros. Um segredo, enterrado durante séculos, está prestes a ser desvendado. “Rios Vermelhos 2” tem pré-estréia, somente no sábado, em duas sessões, no Cine 5, do Moviecom, a partir das 21h35. Para maiores de 16 anos.
Filme de Arte: Monster – Desejo Assassino
Vítima de abusos durante a infância, Aileen Wuornos (Charlize Theron) tornou-se prostituta, ainda na adolescência. Prestes a acabar com a própria vida, ela conhece Selby (Christina Ricci), uma jovem lésbica, com quem acaba se envolvendo. Certa noite, depois de ser agredida por um cliente, Aileen acaba matando o sujeito. O incidente desencadeia uma série de outros assassinatos, que faz com que ela fique conhecida como a primeira serial killer dos Estados Unidos. Dirigido por Patty Jenkins, o filme ganhou o Oscar, Globo de Ouro e Urso de Prata de Melhor Atriz (Charlize Theron), além de dois prêmios no Independent Spirit Awards, Melhor Filme de Estréia e Melhor Atriz (Charlize Theron). O Filme de Arte terá sessão única, às 21h, no dia 28, terça-feira, no Cine Natal 2. Para maiores de 16 anos.
70 anos do Pato Donald
Em 1934, um pato malandro, vestido de marinheiro, apareceu no desenho “A Galinha Sábia”, e, fez um sucesso tão grande, que quase ofusca o comportado Mickey Mouse. Resmungão, bravo, sempre se metendo em encrencas, o Pato Donald, é adorado por gerações de adultos e crianças, talvez por ser o mais “humano” dos personagens Disney. Ao longo de seus 70 anos de vida, já foi identificado como símbolo do capitalismo selvagem, sendo até proibido em alguns países, por não usar calças, e, não resolver sua situação com Margarida. Sobrevivendo a tudo isto, o personagem chega às sete décadas com centenas de filmes, e, uma edição especial em quadrinhos, com 210 páginas, 22 divertidas histórias em quadrinhos, nove delas inéditas, que permitem acompanhar a trajetória de Donald, através dos tempos, e, pelas mãos de seus principais autores. Confira!
Mônica, em DVD, para quem não pode ouvir
Lançado nos cinemas, no ano passado, “Cinegibi” marcou o retorno da Turma da Mônica às telas de cinema. O filme está sendo lançado, agora, em DVD, em uma edição especial, com uma versão em Libras (Língua Brasileira de Sinais), que permitirá o seu entendimento por pessoas surdas. Esta iniciativa é pioneira no país, pois, até hoje, os filmes para surdos eram produzidos somente em VHS. Franjinha decide ler gibis de uma forma diferente, com os quadrinhos em movimento. Para tanto ele decide inventar um liquidificador gigante, que engole revistas em quadrinhos e as projeta na forma de filmes. Animados com a possibilidade de verem suas aventuras nos quadrinhos no cinema, os personagens da turma da Mônica convidam amigos da vida real, e, se preparam para a grande estréia. Já nas lojas.
Érico Veríssimo, em DVD
Duas produções nacionais, baseadas em obras do imortal gaúcho Érico Veríssimo, chegam ao grande público, em DVD. Os filmes vem em um box, denominado Coleção Ércio Veríssimo, com os títulos “O Sobrado” (Walter G. Burst e Cassiano Gabus Mendes, 1956) e “Um Certo Capitão Rodrigo” (Anselmo Duarte, 1971). O primeiro, foi produzido pelo Estúdio Vera Cruz, a tentativa brasileira de fazer cinema nos moldes de Hollywood. “O Sobrado” traz no elenco Lima Duarte, em meio à luta de dois caudilhos gaúchos, cuja família de um deles está em um sobrado, cercado de inimigos, sem água, comida ou munição. “Um Certo Capitão Rodrigo” é exemplar de outra fase de nosso cinema, já colorido, dirigido por Anselmo Duarte, com um elenco pouco conhecido. Um dos livros mais conhecidos de Veríssimo, “Um Certo Capitão Rodrigo” conta a história de um aventureiro, amante de mulheres e de guerras. Nas lojas online.
O polêmico “Cama de Gato”
“Cama de gato”, polêmico drama de humor negro, dirigido por Alexandre Stockler, conta a história de três jovens inconseqüentes de classe média, que só pensam em se divertir. No entanto, quando uma de suas ações resulta em desastre, mergulham numa série de erros, que vai sacudir seu universo perfeito. A grande polêmica sobre o filme gira em torno de uma longa cena de estupro, com violência para dar e vender. O filme ganhou vários prêmios em festivais, inclusive de melhor ator para Rodrigo Bolzan (Festival de Brasília em 2002) e foi eleito pelo público o melhor filme brasileiro na Mostra de Cinema de SP. Com direção de Alexandre Stockler, o filme traz no elenco, Caio Blat, Rodrigo Bolzan, Cainan Baladez, Rennata Airoldi. É bom lembrar que não é para qualquer estômago. Se for assistir, é por sua conta e risco.
Filme recomendado: “Três Homens em Conflito”
Hambúrguer com gosto de espaguete
Uma das figuras mais constantes no imaginário das pessoas, em qualquer canto do mundo, é o cowboy americano. O gênero inspirou filmes, tão díspares como os do acrobático Tom Mix, nos anos vinte, do cantor Roy Rogers, nos anos quarenta, ou, da lendária associação dos dois Johns ( Ford e Wayne). Curiosamente, a transfiguração para as telas, dos cowboys citados, sempre mostrou uma imagem romântica, com personagens sempre limpinhos, de cara lisa, que nunca trapaceavam, o perfeito herói “clean”.
Foi preciso aparecer um italiano atrevido, para materializar o faroeste numa escala de realidade muito maior, e, que provocou uma verdadeira revolução na indústria do cinema entre os anos sessenta e setenta: o spaghetti western. Apesar do termo meio pejorativo (faroeste espaguete), o movimento iniciado pelo genial diretor italiano Sérgio Leone desencadeou uma avalanche de cerca de duzentas produções semelhantes, revitalizando o gênero.
A trilogia que inaugurou o ciclo foi com os filmes “Por um punhado de dólares” (uma refilmagem de “Yojimbo” de Kurosawa), “Por uns dólares a mais”, e, “Três homens em conflito”, este último, o objeto desta resenha.
A pergunta óbvia é: que diferença estes filmes apresentaram, em relação a tantos outros feitos anteriormente? Basta imaginarmos qual seria a aparência real de um dos heróis do Velho Oeste Americano. Homem rude, acostumado a passar longos períodos de solidão nas campinas, florestas, ou, desertos, acostumado a enfrentar dificuldades tão diversas quanto picadas de cobra, ataques de índios, fome, sede, bandidos, xerifes truculentos, fazendeiros ambiciosos, etc.. Diversões? Bebidas, da pior qualidade possível, prostitutas, cheias de doenças, e, jogos de cartas ou dados. Ponto para Leone, disparado.
Mas, não é só na aparência que os personagens de Leone são mais verossímeis. As pessoas retratadas em seus filmes são repletas de defeitos e qualidades – como qualquer ser humano – e não aquela dicotomia tradicional de mocinho bonzinho, e, vilão malvado. Não existem arquétipos, os principais personagens são farinha do mesmo saco, embora tenham características diferentes.
O título em português segue o óbvio (“Três homens em conflito”), mas o original vai direto à caracterização dos personagens: “O Bom, o Mau e o Feio”. O Feio é Tuco (Eli Wallach), um mexicano saído da miséria para o banditismo, com uma ficha criminal que vai de assassinato a abandono de lar. É ambicioso, vingativo, mentiroso, e, cruel, embora tenha sentimentos de família e amizade, como todo ser humano. O Mau é Olhos-de-anjo (Sentenza, no original italiano, vivido por Lee Van Cleef), um assassino a preço fixo, que se gaba de sempre cumprir os “trabalhos” que assume. Diferente de Tuco, que é passional, Olhos-de-anjo mata por obrigação, tortura para obter o que precisa, e, coopta, quando vê que é necessário. Em nenhum momento perde a calma, ou, se desespera. O Bom é Blondie (Clint Eastwood), um pequeno vigarista, de boa pontaria, que vive em parceria com Tuco, arrancando dinheiro de xerifes de pequenas cidades.
O que estes homens tão diferentes tem em comum é o segredo de um tesouro confederado, enterrado num cemitério sulista. Ao longo do filme, alternam-se na dominação dos outros, com o objetivo de extrair a localização exata do tesouro.
Se a história é simples, na transformação em filme é que se nota a genialidade de Leone, que usou técnicas e movimentos de câmera ousados, aliado a uma trilha sonora de excepcional qualidade, de ninguém menos que Enio Morricone. Algumas seqüências do filme são antológicas, como o triplo duelo no cemitério. A passagem de imagem de rostos e mãos dos duelistas, aliado à atordoante música de fundo, é impressionante. Uma outra seqüência, estranha e fascinante, é quando Tuco percorre o cemitério, procurando a sepultura correta. O ritmo alucinante da câmera consegue traduzir toda a emoção e ansiedade do personagem.
Uma idéia que me passou pela cabeça (e que, pode, ou não, ter algum sentido) é que os três personagens, na verdade, são lados de um mesmo triângulo, faces diferentes de uma mesma condição humana. Todos nós temos o nosso lado Tuco, que se preocupa com as necessidades elementares (comer, dormir, aquecer-se, divertir-se, etc.). Por outro lado, a sociedade em que vivemos hoje estimula o lado Olhos-de-anjo, à medida que coloca a competitividade acima de tudo. É o nosso lado Gérson, que tem que tirar vantagem de tudo, cumprindo a velha máxima de que os fins justificam os meios. Por fim, existe o nosso lado idealista e ético, que contrabalança os outros dois, que é representado pela face Blondie.
Talvez a “viagem” tenha sido grande nessa leitura, mas Leone mostra a sua visão otimista, ao derrotar o lado mais negro do triângulo.
O filme tem o suporte dos atores, todos excelentes, ainda em início de carreira. Clint Eastwood, o que alcançou maior sucesso, vinha de alguns pequenos seriados na tv americana, e, aceitou participar de “Por um punhado de dólares” por quinze mil dólares. Esse filme foi a grande guinada em sua carreira, projetando-o como um dos grandes nomes do cinema americano. Lee Van Cleef repetiu a sua performance em inúmeros outros filmes do spaghetti western, mas não teve o mesmo sucesso de Eastwood. Eli Wallach, o Tuco, desenvolveu uma notável carreira na televisão americana. Uma curiosidade sobre este último foi a recusa de um papel em “A um passo da eternidade” com o qual Frank Sinatra ganharia um Oscar.
Uma atenção especial deve ser dada à trilha sonora deste filme, assinada por Enio Morricone. A música tema é praticamente a marca registrada do faroeste no cinema, mesmo que a maioria das pessoas não tenha nem idéia de qual filme foi. Morricone é o mais produtivo compositor do cinema, ao lado de Maurice Jarre. São dele as trilhas de “O Anticristo”, “1900”, “La Luna”, “Os Intocáveis”, “Áta-me”, e, o maravilhoso “Cinema Paradiso”, entre quase quatrocentos títulos que constam do site do IMDB.
A edição latina em DVD trouxe o filme na íntegra, e, nos extras, sete cenas deletadas, que elevam o tempo total do filme para 176 minutos. O formato de tela para este filme não poderia ser outro senão o widescreen. As panorâmicas constantes, os closes exagerados, e, o fantástico enquadramento de Leone, simplesmente desaparecem quando se faz o corte lateral para preencher a tela da tv. Este foi um dos poucos filmes que foi lançado em VHS com o formato de cinema, gerando muitas reclamações, semelhantes às dos iniciantes no DVD hoje, acostumados ao formato de videocassete. O som é mono, mas não compromete a excelente trilha sonora. Como extras, trailer de cinema, notas sobre produção e elenco, e, cenas deletadas (com legendas).
“Três homens em conflito” é um filme que interessa aos aficionados por faroeste, aos fãs de Eastwood, estudiosos de cinema, apreciadores de boa música, ou, simplesmente, quem quer curtir um bom filme de ação. Outras leituras podem ser feitas, a depender de como se olhe para o filme. Experimente, e, faça a sua.