Claquete 29 de outubro de 2004

Newton Ramalho – colunaclaquete@gmail.com

O que está em cartaz

Adeus, mula-sem-cabeça, boitatá, curupira e saci pererê. Distantes de nossas raízes, adotamos o dia do terror dos gringos, o Halloween. Paciência, é a globalização. E, para curtir bem este dia, está estreando no Brasil “Exorcista: O Início”, com o que seria a origem da famosa história do filme original. A outra estréia é “O Enviado”, filme de suspense, que brinca com o tema de clonagem humana. Continuam em cartaz “A Nova Cinderela”, a velha história da gata borralheira, trazida para os dias atuais, “Meu Vizinho Mafioso 2”, seqüência da divertida história do dentista (Matthew Perry) e do assassino mafioso (Bruce Willys), “Mar Aberto”, drama e suspense em alto mar, e, “Menina dos Olhos”, sensível história do diretor Kevin Smith, com Ben Affleck, Jennifer Lopez e Liv Tyler, “Chamas da Vingança”, policial com Denzel Washington, “A Dona da História”, drama nacional, com Marieta Severo e grande elenco, e, o divertido desenho animado “Espanta Tubarões, da Dreamworks. No Filme de Arte, do Cine Natal 2, a comédia inglesa “Garotas do Calendário”.

Exorcista: O Início

Em 1973, o mundo foi supreendido por um estranho filme de terror, que, ao invés de mostrar vampiros em uma antiga mansão, mostrava uma menina possuída pelo demônio num ambiente moderno, e, estranhamente familiar. O filme, “O Exorcista”, foi sucesso no mundo inteiro, arrecadando milhões de dólares, e, gerando inúmeras seqüências, embora muitos nunca mais quisessem tomar vitamina de abacate… Agora, o tema é revisitado, para mostrar a origem da história. Cairo, Egito, 1949. O arqueólogo Lankester Merrin (Stellan Skarsgard), um ex-padre, recebe a missão de ir a uma escavação, promovida pelo governo inglês, numa região do Quênia, para recuperar um objeto, que estaria soterrado junto a uma igreja cristã bizantina do século V. Chegando ao local, Merrin constata que a igreja está inexplicavelmente intacta, como se tivesse sido soterrada no dia em que foi concluída. Quando entram na igreja, os arqueólogos deparam-se com esculturas de soldados, com as armas voltadas para baixo, e, um crucifixo, com o Cristo também com a cabeça para baixo, o que é uma profanação. Fatos mórbidos começam a acontecer, e,. Merrin fica sabendo que os nativos crêem que aquele lugar é amaldiçoado. Conversando com o padre Gionetti (David Bradley), Merrin descobre que, onde a igreja fora erguida, havia um templo de sacrifícios humanos, e, que houvera, 1500 anos antes, um massacre liderado por um padre. Gionetti pede a Merrin para fazer um exorcismo, mas, ele nega, dizendo não ser mais padre. Mesmo assim ele lhe dá um livro de exorcismo, sendo que Merrin não imaginaria como este presente lhe seria útil. “Exorcista: O Início” estréia, nesta sexta-feira, no Cine Natal 2, e, no Cine 6, do Moviecom. Para maiores de 16 anos.

O Enviado

O casal Paul (Greg Kinnear) e Jessie (Rebecca Romijn-Stamos) vive uma tragédia, após Adam (Cameron Bright), seu filho de apenas oito anos, falecer em um acidente. Desesperados, eles partem à procura do Dr. Richard Wells (Robert De Niro), um perito em genética, pedindo que ele crie um clone do filho morto. A experiência é ilegal e experimental, mas, ainda assim, Paul e Jessie estão dispostos a correr o risco. Wells consegue criar o clone, mas, aos poucos, os pais percebem que as atitudes do novo Adam são diferentes do original. Antes do lançamento de “O Enviado”, nos cinemas, a Lions Gate lançou dois sites para divulgar o filme: um convencional, com dados do filme, e, um outro, promovendo o Instituto Godsend, a empresa que realiza a clonagem de Adam no filme, como se este fosse real. Várias pessoas entraram em contato, através do e-mail e do telefone, disponibilizados no site (www.godsendinstitute.org), com a intenção de reconstituir geneticamente seus filhos mortos. “O Enviado” estréia, nesta sexta-feira, no Cine 1, do Moviecom. Para maiores de 14 anos.

Filme de Arte: “Garotas do Calendário”

O Filme de Arte do Cine Natal 2, desta semana, é a produção inglesa “Garotas do Calendário”, dirigida por Nigel Cole. “Garotas” conta a história real de Chris (Helen Mirren) e Annie (Julie Walters), duas amigas, diferentes, mas, inseparáveis, que vivem em uma cidadezinha inglesa. Chris é integrante do Women’s Institute, uma associação nacional, que congrega senhoras em torno de atividades, como feitura de doces e geléias, jardinagem ou tricô. Quando o marido de Annie morre de leucemia, ela resolve se juntar ao grupo, em um movimento para ajudar o hospital local. A campanha, idealizada por Chris, consiste em fazer um calendário com uma integrante do Women’s Institute para cada mês, cada uma mostrando uma prenda de seus dotes domésticos. Uma idéia muito tradicional e familiar, não fosse por um pequeno detalhe: as mulheres devem aparecer nas fotos completamente nuas! O Filme de Arte terá sessão única, às 21h10, no dia 2, terça-feira, no Cine Natal 2. Para maiores de 12 anos.

O Exorcista, em DVD

Apesar de ser uma produção do início dos anos 70, “O Exorcista” nunca saiu do imaginário dos cinéfilos, e, sempre esteve presente nas locadoras. Em DVD, além do filme ter vindo com onze minutos a mais, foi mantido o formato de tela widescreen, trilha sonora remasterizada em Dolby Digital, comentários do diretor, trailers de cinema e comerciais de rádio e televisão. Pena que não tenha vindo também o excelente documentário da edição comemorativa do 25° aniversário, onde os atores e equipe técnica analisavam, além do filme, os estranhos fatos que ocorreram ao longo das filmagens, e, que deram fama de maldito para “O Exorcista”. Com o lançamento de “O Exorcista: O Início”, que, na verdade, é o quarto filme da série, é bom dar uma revisitada no original, até para comparar as histórias.

Terror bem brasileiro: Zé do Caixão, em DVD

Nada do terror psicológico de “O Bebê de Rosemary”, ou, a sofisticada maquiagem dos filmes de Hollywood. Os filmes de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, representaram o mais genuíno do terror brasileiro, entre os anos 60 e 70. Desprezado pela crítica, e, ausente das locadoras, o cineasta tem a sua obra renovada, graças ao formato DVD. A coleção “Zé do Caixão”, da Cinemagia, traz seis discos, com os filmes “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, “Ritual dos Sádicos/O Despertar da Besta”, “Finis Hominis (O Fim do Homem)”, e, “Delírios de um Anormal”.

Para curtir o Halloween

Quer curtir o Halloween com uma sessão de filmes? Tem para todos os gostos e idades. Para os amantes dos clássicos, “O Gabinete do Doutor Caligari” e “Nosferatu” evocam os anos vinte, no auge do expressionismo alemão. Dessa época, menos sutil, “King Kong” trazia o enorme gorila aterrorizando Nova York. Mais para a frente, Bela Lugosi e Boris Karloff espantaram as platéias, com suas versões de Drácula e Frankenstein. Nos anos 70, com “O Exorcista”, surgiram os filmes de possessões, destacando-se a série “A Profecia”. Foi desta época “O Massacre da Serra Elétrica”, que inaugurou os filmes mata-mata de adolescentes, que fez tanto sucesso na década de 80, com “A Hora do Pesadelo”, “Sexta-feira 13”, “Evil Dead”, etc.. Recentemente, o gênero ressurgiu das cinzas com a série “Pânico”, abrindo espaço para “Lenda Urbana”, “Eu Sei o que Vocês Fizeram Verão Passado”, e, outras pérolas. Mas, se é para se divertir mesmo, o melhor é ir para o terrir, com a série “Todo Mundo em Pânico”, que literalmente mata todo mundo de rir. Bons sustos, e, boa diversão!

Vem aí o FestNatal

Evento que já faz parte do calendário nacional de cinema, o FestNatal chega, agora, à sua décima-quarta edição. O festival ocorrerá de 5 a 11 de novembro, com a exibição de quinze longas-metragens. Entre os filmes que estarão na mostra competitiva, “Lost Zweig”, “Uma Vida em Segredo”, “Contra Todos”, “Onde Anda Você”, “As Tranças de Maria”, e, “Durval Discos”. Todos os filmes, convidados e da mostra competitiva, serão exibidos no Cine Natal 2. Não deixe de prestigiar o evento!

Filme recomendado: “O Centro do Mundo”

Vidas virtuais, dores reais

Não é de hoje, que, sexo, e, fantasia, estão associados. Para que Herodes pudesse satisfazer sua fantasia, de ver Salomé dançar, João Batista perdeu – literalmente – a cabeça. Isso se torna muito mais verdadeiro, nos dias de hoje, quando a internet propicia o sexo virtual nas suas mais diversas variações. Agora, coisas muito mais estranhas acontecem, quando a fantasia se mistura à realidade, como mostra o diretor Wayne Wang, no seu intrigante filme “O Centro do Mundo”.

A fita em questão trata do relacionamento de um empresário da internet, e, de uma dublê de baterista e stripper, que só têm em comum o restaurante, onde tomam café pela manhã. Nada, além disso.

Richard Longman não tem muito de que reclamar na vida. Bem sucedido, financeiramente, é sócio de uma empresa, que atua na economia virtual. O problema é que, não é só o trabalho de Richard que é ligado à internet. Tudo em sua vida, sexo inclusive, está, de alguma maneira, associado à rede mundial de computadores. Assim, enquanto bate papo em um chat, controla valores no mercado de ações, dá consultoria pelo celular, e, ainda espia uma página pornográfica.

Florence, por sua vez, pertence a um outro universo, longe do virtual, mas não menos fantasioso. Enquanto alimenta o sonho de tornar-se baterista profissional, trabalha como dançarina de strip-tease à noite. Embora afirme não vender seu corpo, o expõe, em danças sensuais, e, fazendo lap dancing para os fregueses. Lap dancing é uma sessão de dança, erótica e privada, onde a garota faz o seu show, mas, o cliente não pode tocá-la. Acho que essa moda não pegaria, no Brasil.

Apenas o acaso, leva os dois a freqüentarem o mesmo restaurante, mas, algo fez Richard vencer sua introspecção, e, aproximar-se dela. Saber de sua pouco usual ocupação não o afastou. Visitá-la na boate, foi o passo seguinte. Convidá-la a viajar com ele foi o próximo.

Inquieta com a situação, Florence aceita ser companheira de viagem do rapaz, mas, com algumas condições. Além de cobrar uma pequena fortuna, não poderia haver nem beijo na boca, nem penetrações. Em compensação, ela proporcionaria algumas horas de fantasia, como ele jamais sonhara.

Para Richard, cujo prazer estava nas fantasias, que garimpava na internet, foi uma surpresa descobrir que as fantasias, ao vivo, eram muito mais interessantes. Contudo, o que ambos não esperavam, era que acontecesse um envolvimento, além do físico. Fica, então, difícil, estabelecer um limite, entre a fantasia e a realidade.

O grande questionamento, proposto pelo filme, é a alienação do mundo atual, seja pelo sexo, pelo isolamento físico, pela internet, ou, coisas do gênero. Muitos acreditam, como Richard, que a internet é a única forma de se comunicar com o universo, e, por isso, o computador é o centro do mundo. Outros, como Florence, criam personagens para sobreviver, e, acreditam que o seu próprio corpo é o centro do mundo. Algumas vezes, esses centros se confundem, principalmente nos dias de hoje.

Onde termina o real, e, começa o virtual? A maior livraria do mundo não tem uma única estante, e, nela pode-se comprar qualquer coisa e mandar entregá-la em qualquer lugar do planeta. Podemos acessar livros, documentos, imagens de praticamente tudo, em frações de segundos. Contudo, os maiores problemas continuam sendo o das relações interpessoais. É mais fácil falar com alguém no Japão do que com o nosso vizinho de casa, ou, até mesmo o nosso companheiro de lar.

Como, na internet ninguém tem rosto, tudo é muito mais fácil. Todos podem ser príncipes dinamarqueses, ou, sósias de Gisele Bünchen. É possível que nas salas de lésbicas só haja homens conversando, mas ninguém sabe disso. Ou, faz de conta que não sabe, pois é muito mais interessante a fantasia. Não há problema com a fantasia, o problema, é não saber até onde ir – e quando parar.

Casos estranhos tem acontecido, como o da adolescente americana, que foi assassinada por um jovem clandestino brasileiro. Os dois conheceram-se pela internet, e, ao se encontrar frente a frente, descobriram que ela tinha treze anos, e, ele, vinte e seis. Mesmo assim, mantiveram o relacionamento, que culminou com o estrangulamento da garota, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas. Esse é o mais trágico dos inúmeros casos, de pessoas que assumem uma vida virtual, e, tentam realizar as suas fantasias mais íntimas.

“O Centro do Mundo” foi uma grande viagem do diretor Wayne Wang, que também participou do roteiro. Esse chinês de Hong-Kong já brindou o mundo com o magnífico “Ultimo entardecer”. Desta vez, Wang entrou numa incursão na feérica Las Vegas, com um nerd e uma stripper. Não poderia ser uma história mais americana. Entre os infindáveis neons e cintilantes caça-níqueis, o diretor ousa, ao utilizar câmeras digitais, cujo resultado lembra as filmagens caseiras em VHS, ou, as inovações de “A Bruxa de Blair”. O elenco está muito bom, em especial o par central, Peter Sarsgaard (“Meninos não choram”), e, Molly Parker (“Os cinco sentidos”). Curiosidade: Pat Morita, da série Karate Kid, faz uma ponta, como motorista de táxi.

Como um filme assim dificilmente seria distribuido por um grande estúdio, a edição latina, em DVD, saiu com o selo da Europa Filmes, com formato de tela cheia, som estéreo, apenas em inglês, e, legendas em inglês e português. Até aí não tem diferença de uma fita VHS. Nos extras, além de notas sobre elenco e diretor, trailer de cinema e teaser, apareceram duas novidades. Uma foi finais alternativos, que não mudam muita coisa mas deixam o espectador com mais raiva da distribuidora, pois a imagem está magnífica em widescreen. A outra é um documentário sobre a construção do site oficial do filme, que simula um clube de strip-tease. De acordo com o documentário, o próprio diretor do filme dirigiu as cenas que constam do site. Para quem curte coisas exóticas, o site é www.center-of-world.com.

Esta fita é uma curiosa fábula sobre os valores do mundo atual. Longe de ser um filme erótico, é um filme sobre o erotismo, e, sua importância para as pessoas, seja como válvula de escape, ou, como meio de sobrevivência. Apesar de parecer uma versão às avessas de “Uma Linda Mulher”, esta história tem seu desenrolar próprio, e, passa uma visão aparentemente pessimista de que, é melhor viver numa fantasia, do que enfrentar a realidade. Assista, reflita e discorde.