Claquete 10 de dezembro de 2004

Newton Ramalho – colunaclaquete@gmail.com

O que está em cartaz

Clima natalino, correria para as compras, e, início das férias escolares. Como presente de Natal antecipado, as crianças ganham a estréia de “Os Incríveis”, parceria da Disney com a Pixar, campeão de audiência nos cinemas americanos. Os adultos ficam com “Lutero”, filme sobre o padre que enfrentou a igreja medieval e provocou a Reforma. Nas continuações, as comédias “Bridget Jones, No Limite da Razão”, com Renée Zellweger, “As Branquelas”, dos irmãos Wayans, “Um Natal Muito Louco”, com Tim Allen e Jamie Lee Curtis, “A Sétima Vítima”, suspense espanhol, estrelado por Anna Paquin, “O Expresso Polar”, interessante fantasia em animação gráfica, onde o veterano Tom Hanks serviu de modelo para nada menos do que seis personagens, o suspense “Os Esquecidos”, com a talentosa Julianne Moore, o documentário “Edifício Master”, a comédia romântica “Como Fazer um Filme de Amor”, e, o filme independente “Anjo de Vidro”, de Chazz Palmintieri. No Filme de Arte, do Cine Natal 1, uma produção irlandesa, “Todas as Cores do Amor”.

Estréia 1: “Os Incríveis”

Roberto Pêra já foi o maior herói do planeta, salvando vidas, e, combatendo o mal todos os dias, sob o codinome Sr. Incrível. Porém, após salvar um homem de se suicidar, ele é processado, e, condenado na Justiça. Uma série de processos seguintes faz com que o Governo tenha que desembolsar uma alta quantia, para pagar as indenizações, o que faz com que a opinião pública se volte contra os super-heróis. Em reconhecimento aos serviços prestados, o Governo faz a eles uma oferta: que levem suas vidas como pessoas normais, sem demonstrar que possuem superpoderes, recebendo em troca uma pensão anual. Quinze anos depois, Roberto leva uma vida pacata, ao lado de sua esposa Helen, que foi a super-heroína Mulher-Elástica, e, seus três filhos. Roberto agora trabalha em uma seguradora, e, luta para combater o tédio da vida de casado, além do peso extra. Com vontade de retomar a vida de herói, ele tem a grande chance, quando surge um comunicado misterioso, que o convida para uma missão secreta, em uma ilha remota. Lamentavelmente, todas as cópias serão dubladas. “Os Incríveis” estréia, nesta sexta-feira, no Cine Natal 2, e, nos Cine 6 e 7, do Moviecom. Censura livre.

Estréia 2: “Lutero”

Cinebiografia de um dos maiores nomes da história mundial, Martinho Lutero, que liderou o movimento da Reforma. Após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero (Joseph Fiennes) acredita ter recebido um chamado. Ele se junta ao monastério, mas, logo fica atormentado, com as práticas adotadas pela Igreja Católica, na época. Após pregar, em uma igreja, as suas 95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado para que se redima publicamente, Lutero se recusa a negar suas teses, e, desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam erradas e contradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge, e, inicia sua batalha, para mostrar que seus ideais estão corretos e que eles permitem o acesso de todas as pessoas a Deus. Com direção de Eric Till, este foi o último filme de Peter Ustinov. “Lutero” estréia, nesta sexta-feira, no Cine 2 do Moviecom. Para maiores de 14 anos.

Xuxa vem aí

Xuxa ataca de Indiana Jones. Bárbara (Xuxa) é uma bióloga tímida, que mora em Beirada D´Oeste, cidade fictícia que beira a floresta Amazônica. Ela lidera uma turma de heróis, que vai parar em Igdrasil, uma cidade subterrânea lendária, povoada por descendentes de vikings, que atravessaram o Atlântico, e, se embrenharam Amazonas adentro. Bárbara enfrenta, ao lado dos pequenos Riacho (Peter Brandão) e Manhã (Bruna Marquezine ), provas perigosas para chegar a Igdrasil, em tempo de salvar a vida de outra criança, e, descobrir quem é a reencarnação de Blomma, uma deusa viking, “padroeira” da cidade perdida. Nesse meio-tempo, Bárbara ainda reencontra Igor (Marcos Pasquim), seu ex-marido, com quem reata o romance interrompido. “Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida” estréia na próxima semana, dia 17, no Cine 4 do Moviecom. Censura livre.

Filme de Arte: “Todas as Cores do Amor”

O Filme de Arte desta semana traz a produção irlandesa “Todas as Cores do Amor”. Uma visão leve, sobre os perigos e prazeres, dos relacionamentos na Dublin contemporânea. Quando Clara (Fiona O’Shaughnessy) vê seu namorado Tom (Sean Campion) beijando Isolde (Fiona Gascott), desencadeia-se uma série de reações, de romances, e, corações partidos, até que o ciclo inteiro se transforma num completo circo, cada personagem tentando resolver a questão do que é um relacionamento perfeito. A sessão Filme de Arte será no Cine Natal 1, no dia 14, terça-feira, às 21h30.

Pearl Harbor, em DVD

Apesar de ninguém gostar muito de lembrar, no dia 7 de dezembro, ocorre o triste aniversário do ataque japonês a Pearl Harbor, fato que provocou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em 1941. Para saber mais sobre o assunto, existem duas opções, em DVD. Uma é recente, “Pearl Harbor”, estrelada por Bem Affleck, misturando melodrama romântico com efeitos especiais de primeira linha. O outro, mais detalhado, “Tora! Tora! Tora!”, de 1970, mostra os acontecimentos dos dois lados da batalha, levantando, inclusive, alguns questionamentos se realmente o ataque foi de surpresa. Vale uma olhada, nas locadoras.

Filme recomendado: “O Tigre e o Dragão”

Guerreiros-borboletas no Pantanal chinês

Dizer que os chineses sabem das coisas, seria, como se diz popularmente, chover no molhado, já que o Celeste Império funcionava muito bem, enquanto a Europa vivia num regime tribal. Ao longo dos séculos, foram mostrando ao mundo as suas qualidades e produtos, do macarrão, pólvora, e, papel, até a proverbial paciência chinesa. Nos últimos anos, os chineses têm marcado presença no mundo do cinema, com pérolas como “Caminho Para Casa”, “As Coisas Simples da Vida”, além das estrepolias de Jackie Chan. Mas, o filme que realmente chamou a atenção do mundo, foi o premiado “O Tigre e o Dragão”, do diretor Ang Lee. Seria fácil dizer que havia o suporte da divisão asiática da Columbia Pictures, mas, só isso não faria justiça ao filme.

Para os que cresceram assistindo filmes de kung fu, no cinema, fica fácil reconhecer, em “O Tigre e o Dragão”, todos os elementos que povoavam aquelas produções. Mas, se formos olhar pelo ângulo do consumidor ocidental, certamente este filme não estaria dentro dos padrões a que estamos habituados.

Ora, ora, caro Newton, é só mais um filme de ação, dirão todos. Certamente é um filme de ação – e dos bons! – e, mais razão teríamos, para esperar algo como mocinho-bom-de-briga-que-mata-bandidos-e-fica-com-a-mocinha-no-final. Ao invés disso, o que tivemos? Um casal de guerreiros maduros, que vivem um amor nunca declarado, sufocado pelos sentimentos de honra e dever. Uma jovem nobre, insatisfeita com seu destino. Uma vilã maligna, que nutre um ódio profundo a tudo e a todos.

Quando o veterano guerreiro Li Um Bai decide aposentar-se, decide entregar para um senhor feudal, por intermédio da grande amiga Yu Shu Lien, a legendária espada que usa. Mas, a espada é roubada, por uma misteriosa mulher mascarada, que usa as técnicas Wugan, de uma secretíssima escola de artes marciais, só permitidas para homens. A mulher é Jen Yu, jovem filha de um nobre. A moça foi criada por Jade Fox, uma perigosa criminosa, que lhe ensinou técnicas Wugan usando um manual roubado. Rebelando-se contra todos, inclusive contra o marido, com quem acabara de se casar, Jen foge, para viver uma vida de aventuras como guerreira.

Mais adiante, todos tornam a encontrar-se, no que será o embate final, onde estão à mostra os sentimentos de ódio, frustração, vingança e aceitação.

Para transformar isso em realidade, Ang Lee criou cenas oníricas, onde pessoas viram borboletas, voando sobre telhados, andando sobre as águas, e, equilibrando-se em finos ramos de bambú, enquanto lutam com as mais variadas armas. As lutas são verdadeiros balés, preciosamente coreografados, onde os movimentos dos atores parecem fundir-se à música. As mais perfeitas são exatamente as lutas entre as duas atrizes principais, num pátio e num dojo.

A fotografia do filme, assim como a trilha sonora, são belíssimas, e, estão perfeitamente integradas. Vale aqui um lembrete, para quem assistiu a novela “Pantanal”, na finada Rede Manchete. Essa novela revolucionou a linguagem televisiva, ao mostrar grandes panorâmicas do Pantanal, com um fundo musical suave, quase sempre instrumental. Se Ang Lee não viu a novela, usou a mesmíssima técnica, com as belas paisagens dos desertos e montanhas da China, embaladas pela premiada trilha sonora de Tan Dun.

“O Tigre e o Dragão” quebra paradigmas fortíssimos do cinema ocidental. O herói do filme, vivido por Chow Yun-Fat (“Assassinos substitutos”, “Anna e o rei”), é uma figura contida, que nunca agride, e, só se defende. Nem ao menos consegue expressar seu amor por Yu Shu Lien, vivida por Michelle Yeoh, ex-miss Malasia. Aqui outro tabu quebrado: uma personagem principal, madura, e, descuidada, o que deve ter causado um trabalho de maquiagem grande, pois Michelle é aquela chinesa gatíssima, que roubou a cena do 007, em “O Amanhã Nunca Morre”.

O final de “O Tigre e o Dragão” não é hollywoodiano, mas, proporciona uma das cenas mais belas do filme. Não posso falar mais para não tirar o prazer de quem vai assistir. O filme foi muito premiado, destacando-se os quatro Oscars (Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia (Peter Pau), Melhor Direção de Arte (Tim Yip) e Melhor Trilha Sonora (Tan Dun)), e, dois Globos de Ouro (Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Direção (Ang Lee)).

A versão latina em DVD é uma das melhores produções já feitas, neste tipo de mídia, por aqui. O formato da tela é widescreen, o som Dolby Digital 5.1 em mandarim (também tem português e espanhol), e, diversos extras. Entre estes, estão um documentário com um Making Of de dezoito minutos, uma entrevista de treze minutos com Michelle Yeoh (onde sabemos que ela se machucou na filmagem da luta do pátio, tendo que ser operada, e, ficando um mês fora das filmagens), uma fotomontagem com seis minutos, e, o comentário em áudio, do diretor e do roteirista, tudo legendado. Aliás, pela primeira vez eu gostei de ver esses comentários, ao longo do filme, que não se limitam só ao conteúdo do mesmo. São comentados traços culturais chineses, e, sua relação com os personagens.

“O Tigre e o Dragão” pode frustrar um pouco a turma mais acostumada com o cinema de ação descartável. Como outras produções orientais que tem chegado às nossas telas, é um produto extremamente elaborado, e, que mostra a sua visão de mundo. Que, não necessariamente, é aquela que estamos habituados a ver. A melhor lição que este filme nos traz, é de que não é preciso abrir mão da sua cultura própria, para impor-se no mercado mundial.