Sputnik
O companheiro
Nos últimos anos, o cinema russo tem se destacado no cenário internacional graças a diversas produções muito elaboradas, a maioria delas no gênero ficção-científica. Podemos citar “Atração” (“Prityazhenie”,RUS,2017), “Invasão” (“Vtorzhenie”,RUS,2020) e “Avanpost” (RUS,2019) como exemplos mais próximos ao tipo de ficção que estamos acostumados. A estes se une “Sputnik” (RUS,2020), classificado injustamente como “Alien” russo.
O ano é 1983, a Guerra Fria está no auge, e entre os vários fronts, há uma feroz competição espacial entre União Soviética e Estados Unidos. Dois cosmonautas soviéticos, Kostya Veshnyakov (Pyotr Fyodorov) e Kirill Averchenko (Aleksey Demidov) estão regressando para a Terra após concluir sua missão na órbita terrestre.
O que parecia ser apenas rotina deixa os dois agitados ao perceber que alguma coisa estranha acontece fora da espaçonave. A cena seguinte já se passa no solo, quando um camponês encontra a nave pousada, com Averchenko morto e Veshnyakov muito abalado.
Alguns dias depois, a renomada psicóloga Tatyana Klimova (Oksana Akinshina) é convidada pelo coronel Semiradov (Fedor Bondarchuk) para acompanhá-lo até sua base, em algum lugar no Kazaquistão. Tudo o que ele lhe informa é que o cosmonauta sobrevivente de uma missão espacial sofre de amnésia e precisa da ajuda dela.
Não demora para que Tatyana perceba que a situação é muito mais complicada do que Semiradov lhe apresentara. Ela descobre que o cosmonauta voltou para a Terra com um parasita alienígena dentro do corpo, numa relação simbiótica onde a vida de um passa a depender da do outro. El fica mais chocada ainda ao descobrir que a pesquisa está sendo feita do modo mais antiético possível, e como sempre com o objetivo de criar uma arma poderosa.
Tatyana e Kostya tentam desesperadamente resolver os dois problemas que os afligem, fugir da base e separar o cosmonauta do alienígena. Mas, para isso precisarão enfrentar Semiradov, que não vai dar tréguas aos dois.
Este não é um filme de ficção-científica usual. Diferente de seus congêneres americanos ou mesmo os russos supracitados, não traz naves super avançadas, espadas laser e outras maravilhas produzidas digitalmente. Os efeitos especiais foram utilizados no alienígena, que parece o cruzamento de uma cobra naja com uma lontra albina. Mesmo assim, existe verossimilhança na história.
Este é um filme russo puro-sangue. A direção é de Egor Abramento, e o elenco, mesmo reduzido, tem um ótimo desempenho. A época reportada, início da década de 1980, traz uma União Soviética em sua plenitude, e o filme mostra muita das incongruências do modo como eram conduzidas as coisas. Esta é uma história russa, ambientada num passado recente que muitas pessoas viveram e ainda estão vivas para testemunhar.
Eu fiquei curioso com o título do filme, “Sputnik”, pois a única referência que eu tinha era do primeiro satélite lançado ao espaço em 1957. Na verdade, Sputnik foi uma denominação genérica utilizada em dez diferentes satélites lançados entre 1957 e 1961. Mas, a utilização do termo no título refere-se ao seu senso real, que tanto pode ser “satélite” quanto “companheiro viajante”, o que se adéqua totalmente ao tema do filme.
Embora o filme possa ser visto em sua narrativa literal, existem várias leituras que são feitas ao gosto do freguês. Uma delas é que a simbiose entre o cosmonauta e o alienígena seria a mesma entre a antiga União Soviética e o regime totalitário, de modo que um não conseguiria viver sem o outro – como realmente aconteceu no início da década de 1990!
Elucubrações à parte, “Sputnik” é um filme interessante, trilhando por uma ficção-científica mais sóbria, totalmente diversa da “space opera”. O filme tem pouca ou nenhuma semelhança a qualquer dos “Alien” a não ser a presença de uma protagonista mulher. Mas, o julgamento final fica por conta do espectador.