Filme Recomendado: “A Queda! – As Últimas Horas de Hitler”
O triunfo do caos
O que existe de mais fascinante, no cinema, é a possibilidade de revisitar um tema, já muito explorado, e ainda conseguir mostrá-lo sob uma nova ótica. Já foram feitos mais de quinhentos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, mas a produção alemã “A Queda! – As Última Horas de Hitler” (“Der Untergang”,ALE,2004) ainda consegue surpreender. Numa época em que pululam candidatos a Hitler, sempre é bom lembrar do nada saudoso original.
Apesar de ser uma obra ficcional, e ter sido pesquisada de várias fontes, o filme baseia-se fortemente no testemunho de Gertraud Junge, na época, uma jovem de 24 anos, que, como secretária pessoal de Hitler, esteve presente no centro do poder nos momentos finais da guerra e da vida do líder alemão.
O filme inicia, em 1942, quando Gertraud, junto com outras jovens, submete-se ao teste para o cargo de secretária e conhece Hitler, para elas, o homem mais importante do mundo. Muito nervosa, ela mal consegue datilografar o que ele dita, mas termina conseguindo o emprego. Apesar da resistência da família, ela está feliz com o que parece ser o melhor trabalho da Alemanha.
Após este brevíssimo prólogo, a história avança para abril de 1945, quando o panorama já se apresenta totalmente diferente do início do filme. Após seis anos de luta com o resto do mundo, a Alemanha está totalmente acossada dentro de suas fronteiras, com a ocupação russa de um lado, e dos Aliados do outro. No dia 20 de abril, aniversário de Hitler, as tropas russas fecham o cerco à capital, Berlim, com ataques esmagadores.
A situação é de confusão e desespero totais. Nas ruas, crianças de dez anos e velhos octogenários são recrutados à força, para lutar contra os invasores. Quem se recusa ou foge do posto é caçado como desertor ou colaborador, e a única punição é a execução sumária, por enforcamento ou fuzilamento. Não há comida, água ou energia para a população civil, que fica acuada, sem saber para onde ir. Os improvisados soldados matam mais alemães do que soldados inimigos.
No bunker, o abrigo subterrâneo da Chancelaria, de Hitler, de onde são comandadas todas as ações, a confusão não é menor. Enquanto escutam o impacto das bombas e da artilharia inimiga, Hitler, entre os espasmos do Mal de Parkinson e delírios de grandeza, vocifera ordens e blasfêmias contra os generais, acusando-os de incompetência, exigindo movimentos de tropas imaginárias, e prometendo vitórias impossíveis.
Alguns dos generais, mais conscientes da realidade, tentam alertar contra os riscos à população civil, mas Hitler e Goebbels, o poderoso Chanceler e Ministro da Propaganda, além de não dar importância a isto, consideram que se o Nazismo se acabar, o povo alemão deve morrer com ele. É como se o povo, e não ele, Hitler, tivesse decidido guerrear contra o resto do mundo…
Em meio às notícias nervosas sobre a guerra, o bunker, conhecido como a Toca do Lobo, vive os seus momentos de frivolidade. Jantares suntuosos, festas e muita bebida continuam rolando, enquanto a cidade é destruída pelas bombas, e os feridos amontoam-se nos hospitais.
Tudo é visto através do olhar inocente de Gertraud, que, como a maioria do povo alemão, crescera envolvida pela propaganda nazista, e não tinha ideia das atrocidades cometidas nos campos de concentração, contra os judeus, comunistas, homossexuais, ciganos e outras minorias.
À medida que os últimos dias de abril se arrastam, mais mortes e destruições acontecem, principalmente pela recusa de Hitler em admitir a derrota. Na sua concepção, a única saída é a morte. No dia 29 de abril, ele se casa com a companheira Eva Brown, e no dia seguinte, quando os russos invadem a cidade, os dois suicidam-se. Em obediência a suas ordens, os dois corpos foram encharcados com gasolina, queimados e enterrados nos jardins do quartel-general nazista.
Fiéis seguidores, Goebbels e sua mulher o imitam, não sem antes matar os próprios filhos, “para que não crescessem em um mundo sem o nazismo”, segundo as suas palavras. Esta cena, aliás, é uma das mais impressionantes do filme.
Muita gente criticou o filme, por “humanizar” Hitler, já que mostra o ditador com os sintomas do Mal de Parkinson, trocando gentilezas com pessoas mais próximas, etc.. Mas, o filme não deixa de mostrar os rompantes de cólera, e os valores absurdos, que o tornaram um dos maiores flagelos da Humanidade. Todo tirano ou benfeitor, não deixa de ser um homem, o que o torna diferente é a conjuntura que o conduz ao poder, e o que ele faz com o mesmo. No caso de Hitler, a destroçada Alemanha pós-Primeira Guerra foi a massa ideal para trabalhar o nazismo, e por em prática as suas ideias expansionistas e de expurgo racial.
Se há um pecado no filme, é o de não contextualizar o que acontece ali, a guerra, o momento histórico. Este não é um filme para não-iniciados na história da Segunda Guerra Mundial. Os principais nomes do nazismo, Himmler, Goebbels, Goering, desfilam, ao longo do filme, sem que haja qualquer apresentação sobre os mesmos. O autor presume que os espectadores já os conhecem bem.
Mas, o que há de mais poderoso no filme é a apresentação, de uma maneira crua, sem os heroísmos hollywoodianos, da face suja da guerra, sob a ótica de quem está no meio do fogo cruzado, impotente quanto ao seu próprio destino, que é decidido por pessoas com mentes totalmente corrompidas.
A jovem Gertraud, como a maioria do povo alemão, era ignorante sobre o que era feito nos campos de extermínio de judeus, e fora criada sob uma fortíssima propaganda estatal, que endeusava Hitler e pregava a superioridade da raça ariana. Para se ter uma boa ideia dessa propaganda, sugiro o filme “O Triunfo da Vontade” (“Triumph des Willens”,ALE,1935), onde o Congresso do Partido Nazista Alemão de 1934, é documentado, de maneira impressionante, pela cineasta Leni Riefenstahl. Apesar de ser considerado infame por muitos, este filme é um importante documento histórico, e está disponível em mídia física e online.
Quanto à edição de “A Queda! – As Últimas Horas de Hitler”, em DVD e Blu-Ray, é de lamentar a pobreza da edição. O filme foi mantido com seu corte integral de 152 minutos, o áudio está disponível em alemão, francês e português DTS-HD MA 5.1, e legendas em inglês e português. Extras, infelizmente, nenhum. Faz falta, por exemplo, o documentário “Eu Fui a Secretária de Hitler” (“Im Toten Winkel – Hitlers Sekretärin”,ALE, 2002), onde a própria Gertraud Junge narra as suas experiências ao lado do ditador.
“A Queda! – As Últimas Horas de Hitler” foi o representante da Alemanha para concorrer à categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2005. Ganhou 22 premiações e 33 indicações em festivais de cinema ao longo do mundo. Apesar dos pontos negativos apresentados, este é um filme muito interessante, seja do ponto de vista histórico, seja para comprovar, mais uma vez, a inutilidade e a estupidez das guerras, e dos pretensos líderes míticos. Confira e forme a sua própria opinião.