Artigo: Humor à francesa

 

Risada com biquinho

 

Fazer humor não é fácil, até porque, o que é engraçado para alguns, não o é para outros. Enquanto muitos se dobravam de rir com “Um Parto de Viagem”, eu detestei cada minuto que passei até abandonar a sala do cinema. Mas, ao fazer uma retrospectiva de algumas comédias francesas, pude comprovar como as coisas são diferentes do outro lado do Atlântico.

Embora não seja um especialista em comédias, francesas, americanas ou brasileiras, tenho uma boa ideia do que não gosto, os besteiróis americanos, e as cópias de programas globais que vão para as telas de cinema. Portanto, foi uma grata surpresa ao escolher três comédias francesas ao acaso, e gostar de todas.

Minha viagem ao mundo do humor francês começou com “Le Grand Bazar” (FRA, 1973), algo como “A Grande Loja”, com o grupo humorista Les Charlots. Curiosamente, a origem deles foi como grupo musical, em 1966, com um estilo cômico e de paródia, evoluindo dos palcos para as telas do cinema.

Formando inicialmente por  Gérard Rinaldi, Gérard Filippelli, Jean Sarrus, e Jean-Guy Fechner, o grupo alcançou um grande sucesso nos cinemas nos anos 1970, com filmes como “La Grande Java”, “Les Bidasses en Folie”, “Les Fous Du Stade”, “Les Bidasses s’en Vont en Guerre” e “Le Grand Bazar”. Seu humor era cênico, quase ingênuo, lembrando muito os Trapalhões no início da carreira.

Em “Le Grand Bazar” o grupo quer ajudar um amigo cuja mercearia é ameaçada com a chegada de um grande supermercado ao bairro. Os quatro amigos usam muita criatividade para trazer os clientes para a loja do amigo, enquanto o gerente do supermercado toma a batalha como coisa pessoal. O filme é muito divertido, com poucos diálogos e muitas piadas bizarras, mas sem o mau gosto de seus similares americanos.

O segundo filme de minha lista é “A Verdadeira Vida dos Professores” (“La vrai vie des profs”, FRA, 2013). O filme foi dirigido por Emmanuel Klotz e Albert Pereira-Lazaro, dois profissionais do mundo do cinema infantil.

A história é protagonizada por cinco crianças de Marselha, Albert (Emir Seghir), Jean-Mohamed (Sami Bouzid), Juju (Maëva Arnoux), Mousse (Enzo Vallejos-Celotto) e Sissi (Victoire Poupon). Colegas de colégio, eles são os responsáveis pelo jornal interno, o que parece ser uma tarefa bem tediosa.

Depois que descobrem que uma das mestres mais conservadoras namorava um motoqueiro, Albert convence os outros a fazer um blog sobre a verdadeira vida dos professores. Para isso eles chegam a revirar o lixo, invadir escritórios e até bisbilhotar pela janela, buscando situações íntimas.

O blog faz um tremendo sucesso, mas a coisa passa dos limites, ocasionando a demissão da professora de francês Madame Oufkir (Audrey Fleurot), quando é revelado que ela tinha um caso com o diretor (Lucien Jean-Baptiste). Ao mesmo tempo, os meninos passam pelos problemas comuns do início da adolescência, o que prejudica a relação do grupo.

Embora seja um filme voltado para o público infanto-juvenil, o seu humor leve torna o resultado final muito agradável para todos os públicos. Além da história simples e divertida, também são mostrados paisagens diferentes de Marselha, e o seu multiculturalismo, algo bem estranho para a maioria dos brasileiros.

O terceiro filme desta minha seleção é “Fim de Semana à Beira-Mar” (“Ni à vendre ni à louer”, FRA, 2011), dirigido por Pascal Rabaté. Uma curiosidade sobre este filme é que ele ficou muito tempo no meu estoque de coisas para ver, pois faltava a legenda. Uma noite, resolvi dar uma olhada no filme, e quando percebi, já tinha assistido quase todo. A legenda? Não precisa, pois o filme praticamente não tem diálogos.

O título original não diz muito, mas realmente o filme trata de um fim de semana na praia, envolvendo campistas e hóspedes de um hotel à beira-mar. O filme é no melhor estilo Jaques Tati, com quase nenhum diálogo e muitas cenas non sense que tornam o filme repleto de um humor sutil e bem divertido.

O elenco é composto por atores muito conhecidos do cinema francês, como Jacques Gamblin, François Damiens, François Morel, Dominique Pinon, Stéphanie Pillonca, Catherine Hosmalin, e muitos outros. Um destaque é a portuguesa Maria de Medeiros, que ficou conhecida mundialmente ao viver a escritora Anaïs Nin em “Henry & June: Delírios Eróticos”.

As gags são variadas entrecruzando todos os personagens. Um homem persegue uma pipa fugitiva e é ajudado por uma mulher pois o colar dela foi junto. Entre os lugares que deverão percorrer está um campo de nudismo.

Um executivo tem a carteira roubada por dois malandros, e ainda fica algemado na cama por uma dominatrix, que leva o carro dele e ainda joga suas roupas no lixo. Um casal de hippies viaja com dois cachorros, enquanto um casal plus size se diverte comodamente em uma minúscula cabana, que ainda abriga os vizinhos campistas durante uma forte tempestade.

Num dos papeis mais contidos de sua carreira, Dominique Pinon está bem à vontade neste filme louco, depois de ter participado de produções como “Delicatessen”, “ O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, “Micmacs – Um Plano Complicado”, “Ladrão de Sonhos” e “Alien, a Ressurreição”.

Nesta pequena amostragem da comédia francesa, o espectador pode apreciar um tipo diferenciado de humor, bem diferente de seus congêneres americanos, e, por incrível que pareça, de imitações destes filmes feitos na própria França!