Coluna Claquete – 10 de maio de 2016 – Filmes da Semana: “Amor em Tempos de Guerra” e “Bem-Vindo”


Filmes da Semana: “Amor em Tempos de Guerra” e “Bem-Vindo”

Embora tenha nuances de todos os tipos, acredito que a raiz de todos os problemas da Humanidade reside simplesmente na intolerância, este sentimento que provoca tudo de ruim que nos cerca desde sempre. Por coincidência, neste final de semana assisti dois filmes franceses que comprovam essa teoria, embora tratem de assuntos diferentes. Os filmes são “Amor em Tempos de Guerra” e “Bem-Vindo”.

O título em português “Amor em Tempos de Guerra” não reflete bem o conteúdo do filme, embora a Segunda Guerra Mundial seja o cenário, com todas as suas mazelas. O título original, “Un Amour à Taire”, que poderíamos traduzir como “um amor a esconder”, mostra este drama controvertido, que gira em torno de uma judia e seus amigos homossexuais, duas condições perigosas e mortais em qualquer lugar sob a dominação nazista.

Sarah (Louise Monot) é uma jovem judia francesa, cuja família foi assassinada por um homem que se dispunha a ajudá-los a fugir. A moça consegue abrigo com o amigo de infância Jean Lavandier (Jérémie Renier), com quem tivera um amor adolescente. Jean, por sua vez, vivia um romance secreto com Phillipe (Bruno Todeschini), em cuja casa dá abrigo para Sarah.
O trio vive bem, apesar da ocupação nazista e da fervorosa colaboração de muitos franceses, que não se furtam em denunciar judeus e roubar os bens dos que fugiram. Entre estes está Jacques (Nicolas Gob), o irmão mais novo de Jean, que causa uma tragédia ao denunciar o irmão, por estar apaixonado por Sarah.

O filme mostra este lado da guerra que muitos preferem esquecer, da colaboração de muitos franceses com os inimigos, e da forma cruel como foram tratados os homossexuais da Alemanha e dos países ocupados, sendo enviados para os campos de concentração, onde eram submetidos a experimentos, lobotomias e execuções.

Estima-se que foram aprisionados entre 90 e 100 mil homossexuais, dos quais 15 foram executados. A lei francesa de 1942 que criminalizava a homossexualidade só foi revogada em 1981.
O segundo filme, “Bem-Vindo”, trata de um problema mais recente, os imigrantes ilegais que tentam chegar à Inglaterra, mas que esbarram na França nas difíceis opções para chegar ao seu destino final.
É estranho saber que a França, um país com tradição para acolher refugiados e perseguidos políticos, mantinha em seu Código de Entrada e Estadia de Estrangeiros alguns artigos que penalizavam com prisão e multa de 30 mil euros o cidadão que ajudar, transportar ou abrigar qualquer imigrante ilegal. Mas, as questões relativas aos imigrantes não se limitam às leis e autoridades, mas também às atitudes dos próprios franceses.

No filme encontramos o jovem curdo-iraquiano Kalil (Firat Ayverdi) na última etapa da longa viagem que o trouxe do Iraque rumo à Inglaterra, onde espera reencontrar a namorada Mina (Derya Ayverdi).

Em Calais, cidade francesa mais próxima da Inglaterra, apenas 32 quilômetros separam os dois países, no ponto mais estreito do Canal da Mancha. O problema é que todos os meios de transporte são altamente vigiados, sendo o mais frequente o contrabando de pessoas nos caminhões de carga.
Para evitar a fiscalização, que detecta a presença de pessoas através do nível de CO2, os clandestinos colocam sacos de plástico na cabeça. Isso termina sendo um problema para Kalil, que ficou traumatizado após passar oito dias amarrado e com um saco na cabeça na fronteira da Turquia. Eles são descobertos, julgados e marcados com uma tinta indelével na mão, o que lembra as tatuagens dos campos de concentração nazistas.
As semelhanças não param por aí, eles são impedidos de fazer compras em mercados, são espancados pela polícia, e qualquer francês que os ajude é denunciado pelos próprios vizinhos.
Simon Calmat (Vincent Lindon) é um professor de natação que vive alheio a estes dramas, mergulhado em sua própria vida, abalada pela separação de Marion (Audrey Dana), por quem ainda é apaixonado.

O acaso o faz encontrar Kalil, que está decidido a usar outra maneira de chegar à Inglaterra: cruzar o canal da Mancha a nado. Simon tenta convencê-lo a desistir da ideia, pois apenas nadadores profissionais, com uma boa equipe de suporte conseguiram realizar a façanha, mas o jovem está mesmo decidido.

Embora o filme seja de 2009, as condições dos imigrantes em Calais só pioraram com o tempo, embora os esforços humanitários continuem tentando melhorar as condições de vida daquelas pessoas que simplesmente perderam tudo, são hostilizadas diuturnamente, e ainda são acusadas de serem terroristas.
Estes dois filmes mostram a força do cinema francês que continua sendo um dos melhores do mundo, não só pela quantidade de filmes produzidos, mas também pela ousadia na forma como temas importantes são apresentados ao público.