Filme da Semana: “A Grande Jogada”

 

A princesa do pôquer

 

É curioso como para Hollywood, o valor mais importante parece ser o dinheiro. Pelo menos é assim, onde os heróis não são apenas os que fazem bem para a Humanidade, mas os que ficam ricos de maneira pouco ortodoxa. Às vezes, os heróis não se dão muito bem, mas a história deles ainda parece atraente, como é o caso de Molly Bloom em “A Grande Jogada” (“Molly’s Game”, EUA, 2017).

Molly (Jessica Chastain) é uma garota do Colorado, de uma família de classe média alta, onde todos pareciam ser dotados de qualidades especiais. Um dos irmãos formou-se em medicina e fez residência em Harvard, tornando-se um brilhante cirurgião. O outro, um prodígio no esqui, foi durante muito tempo o número um da América.

Impulsionada pelo pai (Kevin Costner), que exigia muito desempenho dos filhos, tanto nos estudos quanto nos esportes, Molly também teve seus quinze minutos de fama, mesmo passando por uma delicada cirurgia de correção da coluna, ainda adolescente. Ela ainda conseguiu bons resultados na equipe nacional de esqui, mas teve que largar ao perceber que na teria futuro no esporte.

Como fazem muitos jovens americanos, ela resolveu tirar um ano sabático antes de prosseguir na universidade, e foi viver esse tempo na Califórnia. Como lá ninguém precisa de vestibular ou ENEM, é possível fazer essas façanhas, pois o que importa é o dinheiro para pagar a universidade – e que não é pouco.

 Mesmo contra a vontade dos pais, Molly foi viver o seu sonho californiano, e um emprego de garçonete a levou a trabalhar com um empresário que organizava jogos de pôquer. Isso não seria novidade num país onde existem cassinos de monte – e jogos clandestinos em cada esquina. Mas, o diferencial desse jogo eram os participantes, todos ricos e famosos.

Molly fica deslumbrada com o que vê, não apenas atores famosos como Tobey Maguire, Leonardo DiCaprio (que jogava sempre com fones de ouvido), Ben Affleck, mas também a quantidade inimaginável de dinheiro trocando de mãos como se fosse a coisa mais natural do mundo. Só de gorjeta, ela ganhara muito mais do que o seu salário.

É nesse momento que ela decide fazer parte desse mundo, mesmo não sendo milionária, mas organizando e orquestrando esses jogos à sua maneira, com todos os requintes que essas pessoas estavam acostumadas.

Depois de algum tempo ela assume o jogo dos milhões, tendo que lidar tanto com os egos superinflados dos famosos, quanto de cobrar e pagar as apostas, ao mesmo tempo em que se afasta cada vez mais da família e dos amigos. Ela passa a ser conhecida como a Princesa do Pôquer, entre os inúmeros apelidos, nem sempre tão lisonjeiros.

Não demora muito para que o jogo desperte a atenção de todos, e um dos “novos amigos” decida afastá-la da jogada. Impotente, Molly decide mudar de ares, e volta os olhos para Nova York, onde um mercado latente a espera.

Muito mais experiente e com uma rede impressionante de contatos, Molly aproxima-se de novos jogadores muito mais poderosos do que os que lidava antes. Como ela diz em seu livro, em Las Vegas estão os atores e diretores de filmes, mas, em Nova York estão as pessoas que financiam estes filmes.

O problema é que, quanto mais altas as apostas, mais perigoso fica sustentar o jogo, principalmente se a pessoa não quer envolver-se com o crime. Mas, nem sempre querer é poder, e a máfia russa logo “propõe” fazer parte do esquema de Molly. Não demora muito para Molly ser presa, junto com mais uma centena de pessoas acusadas de participar de um sistema de jogos ilegais em conluio com a máfia russa.

O livro termina neste ponto, mas o filme avança um pouco mais, explorando o processo que ela sofreu e a decisão surpreendente do juiz. Curiosamente, ela é mostrada como uma eficiente empresária, que construiu do nada e quase sem ajuda um negócio que movimentava milhões de dólares.

Em seu livro Molly foi bem mais sincera, nomeando os personagens com os quais ela convivia em seu “negócio”, e as atitudes e reações de cada um. Segundo ela, o que a motivou a permanecer com o jogo foi a oportunidade de vivenciar, mesmo que de carona, de uma vida de prazeres requintados reservados aos bilionários. Isso, mesmo à custa do afastamento da família, namorados e amigos.

O filme é extremamente bem feito, e o diretor Aaron Sorkin, um veterano roteirista, foi também o responsável pela adaptação do livro de Molly para as telas, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar 2018 na categoria Roteiro Adaptado. O ritmo é ágil, e o elenco muito bom. Claro que muitos nomes foram trocados, pois estava se tratando de pessoas de Hollywood.

Talvez para o espectador essa história pertença a um universo muito distante, o estratosférico mundo dos ricos e famosos, mas a ambição, cobiça, e o amor da família são valores que transcendem as classes sociais, e fazem parte da natureza humana. Esta, ao final, é a mensagem que Molly nos transmite.

Título original: “Molly’s Game”