Filme da Semana: “O Guardião Invisível”
Muitas vezes sou questionado pelos meus leitores sobre o porquê de um filme fazer sucesso e outro não. Sempre tenho a resposta na ponta da língua: para fazer um bom filme, mais importante que gastar milhões em efeitos especiais é ter uma boa história, bom roteiro, boa direção e boa atuação. Este é o caso de “O Guardião Invisível” (“El guardián invisible”, ESP/ALE, 2017), baseado no livro homônimo de Dolores Redondo.
“O Guardião Invisível” é uma história policial do subgênero serial killer, mas com toques de fantasia e um frescor de novidade, ao mostrar uma parte da Espanha pouco conhecida, o País Basco, de cultura e tradições próprias, que tornam o livro e o filme muito interessantes.
Numa região remota e montanhosa do nordeste da Espanha, no vale dominado pelo rio Baztán, é encontrado o corpo de uma jovem assassinada. A vítima, uma adolescente, é encontrada na floresta, à margem do rio, nua, com o púbis raspado, com as mãos imitando as imagens de Nossa Senhora, e com um doce comum na região depositado sobre o sexo.
É esta a situação que encontra Amaia Salazar (Marta Etura),a inspetora da seção de homicídios da polícia foral, que é encarregada de investigar o caso. A inspetora era originária da cidade de Elizondo, onde ocorrera o crime, mas saíra dali muito jovem, e nunca mais voltara até então.
Ao chegar, Amaia descobre que um crime semelhante ocorrera um mês antes, tendo a culpa sido atribuída ao namorado da vítima. Como as características são muito semelhantes, a polícia logo conclui que se trata de um assassino serial, e que outras pessoas estão em perigo.
Efetivamente, outro assassinato ocorre logo depois, com outra adolescente e com o mesmo ritual mórbido de apresentação do corpo. Por uma distorção da imprensa, o criminoso é apelidado de basajaun, que é um ser misterioso da mitologia basca, uma mistura de Pé-Grande com Curupira, e que seria um protetor da floresta.
Enquanto lida com a investigação dos assassinatos, Amaia também tem que administrar a relação familiar, já que a sua própria história pessoal contém uma horrível tragédia ligada com a mãe, fato este nunca totalmente resolvido.
A trama é densa e complexa, e as pistas dos crimes permeiam o meio familiar de Amaia, envolvendo a rígida e áspera irmã Flora (Elvira Minguez), a sofrida irmã do meio Rosaura (Patricia López), os cunhados Freddy (Mikel Losada) e Victor (Quique Gago), além da doce tia Engrasi (Itziar Aizpuru).
Alguns parecem atrapalhar as investigações, como o subinspetor Fermín Montés (Francesc Orella), enquanto o fiel auxiliar de Amaia, Jonan Extaide (Carlos Librado) usa todos os seus conhecimentos acadêmicos para ajudar a desvendar o caso.
Embora tenha poucas cenas de ação, como as que estamos acostumados nos filmes de Hollywood, “O Guardião Invisível” traz sua dose de emoções, mas, acima de tudo, tem a trama enriquecida por toques de misticismos e sobrenatural, sem nunca resvalar para o lugar-comum.
A fotografia do filme, que é fantástica, com muitas cenas noturnas ou sob a chuva, realça a exótica paisagem da região, e a bela trilha sonora de Fernando Velázquez completa a ambientação para este filme tão diferente do que estamos habituados a assistir.
O livro original é igualmente complexo e envolvente, mas foi maravilhosamente adaptado para a linguagem cinematográfica, com a história convertida em um roteiro fluido e completo. Duas novas histórias com a mesma heroína, que compõem a Trilogia do Baztán, “Legado nos Ossos” e “Oferenda à Tormenta” deverão ser adaptados para o cinema em 2019.
“O Guardião Invisível” é um filme diferente, direcionado para que gosta do gênero policial, mas, ao mesmo tempo traz características de drama, num produto bem diverso dos enlatados hollywoodianos. E, o melhor é que pode ser encontrado no Netflix, já que não foi lançado em cinema no Brasil.