Filme da Semana: “Órbita 9”
O que você faria se descobrisse que a sua vida inteira é uma mentira, que os pais que acredita estarem mortos fazem parte da farsa, e que nada de bom lhe aguarda no futuro? Esta é a trama do filme “Órbita 9”, uma interessante ficção-científica hispano-colombiana, produto bem diferente do padrão hollywoodiano.
Helena (Clara Lago) é uma jovem de vinte anos que vive reclusa em uma espaçonave que faz uma longa viagem que tem como destino uma colônia terrestre em um sistema remoto. Ela iniciou a viagem com os pais quando era bebê, e estes precisaram sacrificar-se para que ela sobrevivesse, devido a um problema de geração de oxigênio.
A jovem cumpre sua solitária rotina diária trabalhando na nave, exercitando-se e assistindo filmes românticos, que para ela são uma ficção total, já que as únicas pessoas que conheceu foram os seus pais. Por causa disso, ela fica numa grande expectativa com a visita de Álex ( Álex González), um jovem engenheiro que fará a manutenção necessária para que ela possa seguir viagem.
A visita provoca em Helena reações inesperadas. A tenra idade, o contato com o primeiro ser humano diferente dos pais, e um romantismo latente levam a jovem a tomar a iniciativa de fazer amor com ele, apesar da relutância do rapaz. No outro dia ele vai embora, e ela prossegue o que acredita ser uma viagem de mais duas décadas.
No entanto, quando Álex sai da nave, o espectador é informado da verdade. O que se pensava ser uma espaçonave é uma imensa instalação subterrânea em algum lugar da Colômbia. Tudo aquilo é uma simulação de viagem espacial, e Helena é apenas uma de dez pessoas que são estudadas sem que tenham consciência de que aquilo tudo é uma farsa.
Mas, enquanto Helena continua na inocência da ignorância, Álex sente cada vez mais a consciência pesada. Além do envolvimento afetivo, ele questiona o aspecto ético do experimento, onde dez pessoas são submetidas a uma prisão perpétua sem a menor perspectiva de liberdade.
Depois de muito pensar, ele decide agir, e invade o local do experimento para retirar Helena de lá. A moça não acredita no que ele diz, até que ele a convence a sair, e descobre que ao invés do espaço sideral, ela está na Terra.
Obviamente, a adaptação não é fácil, mesmo que ela esteja vivendo uma tão sonhada relação amorosa, e descobrindo uma enxurrada de coisas com as quais nunca imaginara. Algumas destas descobertas, entretanto, a levam a questionar tudo, inclusive o próprio Álex.
Embora a sinopse leve a crer que se trata de uma ficção-científica banal, igual a tantas outras de Hollywood, “Órbita 9” mostra que, com inteligência e criatividade, é possível fazer um filme de qualidade com poucos recursos. O orçamento deste filme foi quatro milhões de euros, que em Hollywood seria apenas o cachê de um ator famoso. Sem grandes apelos de efeitos especiais, mas aproveitando algumas interessantes locações, não é difícil acreditar na história mostrada na tela. O filme foi escrito e dirigido pelo espanhol Hatem Khraiche, que já havia despertado a atenção com “O Quarto Secreto” (“La Cara Oculta”) em 2011.
“Órbita 9” levanta alguns pontos interessantes para discussão, como a utilização de seres humanos em experimentos sem sua consciência ou permissão. E se o leitor achar que isso é fantasia, que tal pensar nas dezenas de planos econômicos e sistemas de governos que tivemos no Brasil nas últimas décadas. Será que o fato de serem milhões de pessoas torna o experimento menos danoso?
Não é sem razão que o experimento mostrado no filme é realizado na Colômbia, com proteção do exército nacional, mas quem dá as ordens é uma personagem que fala inglês, e que sempre fala em questões de dinheiro. Alguma novidade?
Este é um filme que recomendo, não apenas pela história interessante, mas também pelas discussões que pode suscitar.