Coluna Claquete – 06 de fevereiro de 2017 – Filme da Semana: “Estrelas Além do Tempo”



 

Newton Ramalho

 

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Filme da Semana: “Estrelas Além do Tempo”
É uma infeliz coincidência que a estreia do filme “Estrelas Além do Tempo” (“Hidden Figures”, 2016), um relato da época de segregação de raças nos Estados Unidos, coincida com um retorno do mundo a um mar de intolerância que parece desafiar qualquer explicação racional.
No período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou dividido entre um grupo de países alinhados com os Estados Unidos, e outro liderado pela União Soviética. Esse estado de tensão constante era denominado de Guerra Fria, e embora tenham ocorrido alguns momentos de real perigo, nunca houve um confronto direto entre as duas potências.
A disputa, entretanto, acontecia em diversos outros campos, com a principal finalidade de vencer na guerra de propaganda. Uma das áreas onde aconteceu a disputa mais acirrada foi na corrida espacial. Os dois blocos gastavam fortunas com tecnologias incipientes para conseguir os louros da façanha de levar o homem ao espaço.
Por algum tempo os russos levaram vantagem, colocando no espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik, o primeiro ser vivo, a cadela Laika, e posteriormente o primeiro homem em um voo suborbital, o cosmonauta Yuri Gagarin.
Essas conquistas deixavam em polvorosa os americanos, que corriam atrás do prejuízo. Os Estados Unidos tinham outros problemas que começavam a ficar evidentes, sendo o mais grave a segregação racial.
É realmente estranho que o país que se intitulava o baluarte da democracia mantivesse internamente uma política onde o racismo era oficializado em leis que proibiam até o casamento interracial. Tudo era absolutamente separado, bibliotecas, banheiros, bebedouros, lugares em ônibus, moradias, etc..
A segregação também acontecia no trabalho. Em 1961, a recém-criada NASA, a agência espacial americana, era um retrato fiel do resto do país, com escritórios, refeitórios e banheiros diferentes para brancos e negros.
No centro administrativo da NASA, entre milhares de outros funcionários, trabalhavam as amigas Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe). As três eram contratadas como computadoras, profissionais que faziam os tediosos cálculos por trás de qualquer projeto de engenharia, usando apenas calculadoras mecânicas e seus próprios conhecimentos.
Cada uma destacava-se em uma área. Katherine, que desde criança surpreendia os professores com a facilidade que dominava a matemática, era uma matemática de grande visão. Dorothy comandava todo o grupo de computadoras negras sem ser reconhecido o seu trabalho de liderança. Mary, por sua vez, tinha grande facilidade para assuntos práticos de engenharia, embora nunca tivesse conseguido entrar na universidade.
Katherine tem a oportunidade de mostrar os seus talentos quando é convocada para trabalhar para a equipe comandada por Al Harrison (Kevin Costner), que calcula as trajetórias de lançamento e reentrada dos foguetes, um dos pontos mais delicados do programa espacial, e que já fora motivo para inúmeros fracassos de experimentos.
Além da dificuldade técnica e da falta de apoio dos colegas, Katherine ainda tinha que lidar com a classificação de segurança que a impedia de ter os dados básicos para os cálculos. Itens como massa, velocidade, locais de lançamento e resgate, tudo isso era considerado secreto, e negado aos seus olhos.
Dorothy tinha seus próprios problemas, pois a chegada de um computador da IBM ameaçava diretamente os empregos das computadoras, pois faria em segundos os cálculos que todas elas levam dias para completar. Contudo, nem mesmo os técnicos conseguiam fazer a máquina funcionar, e Dorothy, percebendo que o futuro residia naquela estranha máquina, procurou capacitar-se por conta própria.
Mary, por sua vez, queria a todo custo tornar-se engenheira da NASA. Porém, para isso precisaria fazer a universidade, que só aceitava brancos. Para vencer isso, precisou recorrer à justiça, num recurso considerado impossível para a época.
O filme mostra, de uma forma romântica, como o esforço para atingir um objetivo comum une as pessoas e supera as diferenças. Contudo, o reconhecimento as estas mulheres, que tiveram que vencer o duplo preconceito da raça e do gênero, demoraria décadas para ser feito.
“Estrelas Além do Tempo” procura mostrar não só o esforço gigantesco que foi feito para levar o homem ao espaço com tecnologias incipientes e grande risco para os astronautas, como também a cruel face da segregação, que era encarada como algo perfeitamente normal para os brancos.
O filme é tecnicamente muito bem feito, com boas atuações, em especial de Taraji P. Henson, ótima recriação de época, e uma trilha sonora envolvente. Algumas liberdades poéticas são mais curiosidades, como a personagem usar linguagem Fortran para funcionar o computador. Na verdade, a operação era feita em linguagem de máquina, enquanto o Fortran já era uma interface de usuário. O site imdb.com lista dezenas de erros factuais e de continuidade, a maioria ligados a carros, mas que não interferem no bom entendimento da história.
“Estrelas Além do Tempo” está concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer) e Roteiro Adaptado. O filme ganhou o prêmio de desenpenho extraordinário de um elenco do SAG Awards, o Sindicato dos Atores de Hollywood.
Esperemos que ao ver as coisas ruins do passado as pessoas caiam em si e percebam que a intolerância é o pior dos caminhos para a Humanidade, e que o fechamento de fronteiras e construção de muros jamais ajudaria o homem a chegar onde chegou, seja no espaço, ou na boa convivência com o outro.
Título Original: “Hidden Figures”