Coluna Claquete – 08 de agosto de 2016 – Filme da Semana: “Omar Me Matou”


 

 

Newton Ramalho

 

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Filme da Semana: “Omar Me Matou”
Sempre imaginamos que ações arbitrárias da polícia e da justiça são coisa do terceiro mundo – como aliás, está acontecendo neste exato momento no Brasil. Talvez por isso cause espanto quando acontece em algum país civilizado, como a França. Este é o fato retratado em “Omar Me Matou” (“Omar m’a tuer”, 2011), infelizmente baseado em eventos reais.
Em 23 de junho de 1991, um crime chocou a França. Na pequena cidade de Mougins, no departamento Alpes-Maritimes, a rica viúva Ghislaine Marchal foi encontrada morta na adega de sua casa, com inúmeras perfurações no corpo e pancadas na cabeça que a levaram à morte. No local, foram encontradas na porta, escritas com o próprio sangue da vítima as palavras “Omar m’a tuer”, que foram interpretadas como “Omar me matou”.
A polícia imediatamente fez a conexão com Omar Raddad, que trabalhava como jardineiro da vítima. Omar era de origem marroquina, pobre, gostava de jogar em máquinas caça-níqueis nos cassinos da região, e constantemente pedia adiantamentos do salário. Ou seja, o suspeito perfeito.
Por sua vez, Ghislaine Marchal era uma mulher importante (mesmo para os padrões europeus), já que era filha de um industrial de autopeças, e cunhada de Bernard de Bigault du Granrut, que tinha sido advogado do Ministério de Assuntos Estrangeiros e fora delegado interministerial na época dos primeiros-ministros Jacques Chirac e Michel Rocard.
No filme, que começa já após a condenação de Omar Raddad (Samir Bouajila), mostra as investigações do escritor Pierre-Emmanuel Vaugrenard (Denis Podalydès), que está escrevendo um livro sobre o assunto.
Vaugrenard fica surpreso ao constatar as contradições e erros no inquérito policial, e todas as intervenções que parecem atrapalhar e sempre conduzir à condenação do acusado.
O filme é muito bem construído, mostrando em flashback as etapas do processo, e a dolorosa caminhada de Omar em seu calvário. Para ele, pior que a prisão e o afastamento da família era ser acusado por um crime que ele sempre negou, e todas as evidências a seu favor foram desconsideradas.
O leitor pode indagar como é possível que isto aconteça em um país que sempre foi aberto para os imigrantes, e que a igualdade está presente até no lema nacional. O fato é que ele era o suspeito perfeito, mal falava o francês, era analfabeto, e nunca houve muito esforço para buscar outros possíveis culpados.
O calvário de Omar continua até hoje, pois nem a profissão de jardineiro lhe é permitido exercer. Mesmo os pedidos de revisão do processo foram negados, não por falta de elementos duvidosos, mas por absoluta má vontade na conservação de provas e evidências. Para se ter ideia, o corpo da vítima foi cremado poucos dias após o crime, mesmo ela tendo comprado um túmulo no cemitério.
A principal prova considerada, as palavras escritas na porta ainda contém um erro crasso, que seria pouco provável de ser cometido por uma pessoa culta como Ghislaine Fachal.
O filme é de 2011 e os eventos da década de 1990, muito antes dos atuais ataques terroristas em Paris e Cannes, e quando a crise da imigração ainda não estava tão aguda. Contudo, vê-se que a xenofobia já estava em acelerado processo de crescimento.
No início do filme há uma referência ao famoso caso Dreyfus, onde um oficial do exército francês foi condenado por traição, mesmo com um processo falho e deturpado. Ele era um suspeito perfeito, por ser judeu, assim como Omar é africano.
 Título original: “Omar m’a tuer”