Lucy
A mulher que virou cérebro
Embora tivesse assistido vários filmes dirigidos por Luc Besson, nunca havia dado uma atenção maior ao nome do diretor, até ver “O Profissional” (“Léon”, FRA/EUA, 1994), onde o franco-marroquino Jean Reno vive um assassino de aluguel. Passei a ser um fã do diretor francês, que nos brindou com títulos como “Imensidão Azul” (“Le Grand Bleu”, FRA, 1988), “Nikita – Criada Para Matar” (“Nikita”, FRA, 1990), “O Quinto Elemento” (“The Fifth Element”, FRA/UK, 1997), e o surpreendente “Lucy” (FRA/EUA, 2014), estrelado por Scarlett Johansson, que os espectadores irão amar ou odiar.
Curiosamente, a maioria dos colegas críticos de cinema gostaram de “Lucy”, mas reclamaram da irregularidade do diretor, que consideram especialista em filmes de ação. Bem, não apenas os filmes dele são repletos de cenas de tiros, explosões, lutas e perseguições, como ele tem roteirizado alguns dos grandes sucessos do gênero, como a série francesa “Táxi”, “O Beijo do Dragão” (“Kiss of the Dragon”, FRA/EUA, 2001), “Cão de Briga” (“Unleashed”, UK/EUA, 2005), “Carga Explosiva” (“The Transporter”, FRA/EUA, 2002), “Busca Implacável” (“Taken”, FRA/EUA, 2008), “B13 – 13º Distrito” (“Banlieue 13”, FAR, 2004) e vários outros.
Mas, o surpreendente realisateur também nos brindou com a deliciosa comédia “As Múmias do Faraó” (“Les aventures extraordinaires d’Adèle Blanc-Sec”, FRA, 2010) e a série “Arthur e os Minimoys” (“Arthur et les Minimoys”, FRA, 2006-2017), onde incursiona no universo infantil. Esta facilidade com que permeia os diversos gêneros também lhe permitiu dirigir tanto o épico “Joana d’Arc” (“Joan of Arc”, FRA/EUA, 1999) quanto o drama oriental “Além da Liberdade” (“The Lady”, FRA/UK, 2011).
“Lucy” gira em torno do personagem-título, Lucy (Scarlett Johansson), que vai – literalmente – virar pelo avesso o mundo tal qual o conhecemos. Quem lê a sinopse pode ser levado a imaginar que há uma repetição da personagem Leeloo (Milla Jovovich), de “O Quinto Elemento”.
Mas, essa comparação é bem distante. Enquanto Leeloo nasceu especial – afinal, ela era o próprio Quinto Elemento do título – Lucy era uma simples estudante americana na China, mais interessada nas farras e boates que nos livros.
Convencida por um colega de farra a entregar uma pasta a um misterioso coreano, Sr Jang (Min-sik Choi), Lucy é aprisionada, dopada, e quando acorda, descobre que tivera o abdômen aberto, e alguma coisa fora escondida lá. Ela e mais três outros ocidentais deverão voltar para os seus países de origem, onde terão a droga extraída e receberão uma recompensa. Se revelassem a verdade para alguém, todos os seus parentes seriam mortos.
Mas, ainda enquanto estava na prisão, Lucy é agredida e o invólucro da droga se rompe, espalhando-se em seu organismo. A droga é um forte estimulante cerebral, e Lucy tem a sua capacidade cerebral progressivamente aumentada.
Se esta nova capacidade permite-lhe fugir da prisão e entender o que está acontecendo com seu corpo, ela descobre também que não lhe resta muito tempo de vida. Assim, ela decide encontrar o resto da droga nos outros transportadores, e manter contato com o maior especialista na área, o professor Norman (Morgan Freeman), que está em Paris. Isto tudo em menos de 24 horas.
O restante do filme mostra o embate de Lucy contra a gangue de Jang, que usará todas as armas possíveis contra a moça, que conta com o apoio do atônito policial francês Pierre Del Rio (Amr Waked), e sua imensa capacidade cerebral.
Embora não faltem tiros, explosões e perseguições desenfreadas pelas ruas de Paris – afinal, o filme é um Besson puro-sangue – a construção da história fica muito interessante pela alternância da história de Lucy com fragmentos de explicações acadêmicas do professor Norman. Mais surpreendente ainda é a “viagem” que a moça faz ao alcançar o ápice de sua capacidade cerebral – um estágio que a leva praticamente à divindade.
Não faltam, aliás, alguns indícios deste estágio, como o interessante momento em que a Lucy do presente encontra a sua homônima pré-histórica, que lembra muito o toque divino retratado na Capela Sistina.
O filme trabalha em cima do conhecido, porém, controvertido conceito de que os seres humanos utilizam apenas dez por cento de sua capacidade cerebral. Pensando bem, nos últimos anos tenho visto muita gente que não deve utilizar nem uma fração disso…
“Lucy” é todo Scarlett Johansson. A moça prova que, além de bonita e sexy, é uma excelente atriz, capaz de encarar os papéis mais diversos com o mesmo profissionalismo. Morgan Freeman não é muito exigido, mas é sempre um contraponto interessante, quando sua simpática imagem aparece na tela.
Obviamente este é um filme para se assistir com a mente aberta, sem apegar-se a fundamentações científicas ou princípios religiosos. Mais que lançar alguma proposição científica, o filme é uma grande brincadeira sobre uma heroína relutante e sem muita preocupação ética, pelo menos não em um plano inferior ao do próprio Universo.
“Lucy” pode ser assistido no serviço de streaming Netflix.