O Homem Duplicado
O duplo
Devido ao lado comercial da indústria do cinema, a maioria dos filmes, principalmente os que são feitos em Hollywood, obedecem a receitas simplistas, com histórias lineares, clímax impactante e finais felizes. Mesmo o cinema francês, famoso por seus filmes com finais abertos, tem se rendido à tentação das bilheterias fartas, seguindo o modelo hollywoodiano. Por isso, filmes como “O Homem Duplicado” (“Enemy”, CAN, 2013), do diretor canadense Denis Villeneuve, constituem-se em honrosas exceções no momento atual.
Villeneuve foi uma das grandes surpresas da indústria do cinema deste novo milênio. Ele já surpreendeu em 2009 com “Polytechnique” e logo consolidaria seu nome com “Incêndios” (“Incendies”, CAN/FRA, 2010). O primeiro versa sobre um massacre em uma universidade de Montreal em 1989, e o segundo mostra uma odisseia familiar que começa no Canadá e termina nos territórios palestinos, com uma história pra lá de surpreendente.
Posteriormente, Villeneuve dirigiria três dos mais icônicos filmes de ficção-científica desta década: “A Chegada” (“Arrival”, EUA/CAN, 2016), “Blade Runner 2049” (EUA/CAN, 2017) e “Duna” (“Dune: Part One”, CAN/EUA, 2021).
Mostrando gostar de histórias complicadas, o diretor enfrentou a dura tarefa de levar às telas o livro homônimo de José Saramago, produto fiel do escritor, conhecido por suas obras complexas e repletas de simbolismos. Longe de se tornar uma adaptação incompreensível, o filme ficou bem interessante, embora exija do espectador algo que normalmente não lhe é exigido: pensar e buscar a sua interpretação do filme.
O protagonista é Adam Bell (o ótimo Jake Gyllenhaal, que já trabalhou com o diretor em “Os Suspeitos”), um professor universitário que ensina Ciência Política ou algo parecido para alunos que não parecem muito interessados. Tediosa parece ser a palavra que descreve bem a vida de Adam, que obedece a um padrão bem repetitivo, sempre casa, aula, casa, sexo. Até a namorada de Adam, Mary (Mélanie Laurent) participa desta rotina imutável.
Um dia, um colega do trabalho sugere que Adam assista a um filme de que ele gostara. Aceitando a sugestão, ele aluga o filme e é surpreendido ao descobrir que um dos atores é um sósia perfeito dele.
Adam fica obcecado sobre esta pessoa, que parece ser uma cópia fiel dele, e passa a investigar pela internet e até fica de plantão na porta da agência do ator. Descobre que ele se chama Anthony St. Claire (Jake Gyllenhaal), é casado com Helen (Sarah Gadon), que está grávida, e fica intrigada com os telefonemas misteriosos do homem que tem a mesma voz do marido. Ela fica chocada quando o procura na universidade e descobre que é idêntico ao marido.
Os dois chegam a encontrar-se, mas, a coisa não flui bem, e há uma animosidade entre os dois homens, com suspeitas de parte à parte, e uma atitude mais agressiva de Anthony, que suspeita do outro, e quer passar-se por ele para sair com Mary.
Essa história poderia até ser contada como comédia, ou ficar perdida num drama vazio não fosse a impressionante construção do filme, com uma tensão sempre crescente, e uma trilha sonora por vezes angustiante.
Certamente cada um que assistir ao filme irá desenvolver a sua teoria sobre qual é a verdade por trás da história, se é um clone, se são gêmeos separados no berço, se são a mesma pessoa, se são delírios de um ou do outro. Para alimentar essas teorias, diversas pistas surgem ao longo da história, nos diálogos com as mulheres, e na breve, mas, importante aparição de Isabella Rossellini como a mãe de Adam.
Para dar mais sabor à história, existem diversas aparições surrealistas de aranhas, de minúsculas a monumentais, cujo lugar e sentido ficarão a cargo da imaginação do espectador.
“O Homem Duplicado” não é um blockbuster para ser assistido com pipoca e guaraná. É um filme que exige atenção e mente aberta, para desenvolver a sua própria teoria, e quem sabe dar lugar a uma saudável e prolongada discussão de mesa de bar.
Este filme está disponível nos serviços de streaming Now e Amazon Prime Vídeo.