Jobs

O homem da maçã

Os meus queridos leitores certamente irão notar um toque saudosista nesta resenha, assim como ocorreu nas duas últimas semanas. Mas, ao invés das memórias da juventude, o tema desta semana é a cinebiografia “Jobs” (EUA, 2013), que retrata uma das figuras mais controvertidas do mundo, e que teve o seu nome perenemente associado à marca Apple, Steve Jobs.

É bem provável que, para a maioria das pessoas, o nome de Jobs esteja associado à presidência da Apple, o cara meio maluco que morreu de câncer e que legou ao mundo, entre outras coisas, o MacBook e o iPhone. Bem, essas afirmações não deixam de ser verdade, mas, o papel dele na indústria da informática e do entretenimento foi bem mais profundo, a começar das suas próprias origens.

É impossível um filme de hora e meia ser capaz de contar, não só a vida de uma das figuras mais multifacetadas da História recente, como também de descrever, aos olhos do usuário de hoje, a revolução que foi a chegada do computador pessoal.

Os meus leitores me permitirão, mais uma vez, tentar fazer uma contextualização, pois tive a rara oportunidade de vivenciar essa revolução – com certo atraso, claro, porque o mundo dos anos 70 não era esse da comunicação instantânea que existe hoje.

A informática nessa época era algo tão surreal que quando a Universidade Federal da Paraíba recebeu o seu primeiro computador, no final dos anos 60, isso foi motivo de matéria em uma revista de circulação nacional, com o sugestivo título “Paraíba entra na era da computação”.

Quando eu entrei naquela universidade, em 1975, a comunidade de informática estava exultante, pois haviam conseguido dobrar a memória RAM do computador, passando de 8k para 16k! Esse potente mainframe IBM 1130 ocupava uma sala enorme, que abrigava uma gigantesca CPU, leitora de cartões perfurados, unidade de fita magnética, impressora de linha e até um disco rígido de 30 mega bytes.

Mas, enquanto estávamos fazendo programas em FORTRAN e COBOL na universidade, uma verdadeira revolução estava acontecendo nos Estados Unidos. A fervilhante indústria eletrônica já ultrapassara as gerações da válvula e do transístor, oferecendo ao mundo o CI, ou circuito integrado. Isso empolgava o mundo dos hobbystas, em sua maioria jovens aficionados, que montavam circuitos sugeridos em revistas de eletrônica ou lojas especializadas.

Dois desses jovens que entraram de cabeça neste mundo foram os Steves, o Jobs (Ashton Kutcher) e o Wozniak (Josh Gad), lançando o Apple, na verdade uma placa-mãe para que o usuário final acrescentasse um teclado e uma TV para visualizar os comandos. Apesar de o gênio criativo ser Wozniak, foi Jobs quem percebeu que havia um mercado muito mais promissor do que os jovens aficionados. Eles deveriam oferecer um produto para as pessoas comuns, que não precisavam saber nada de eletrônica!

Foi daí que surgiu o mais bem sucedido projeto de um computador pessoal, o Apple-2, com o aspecto de uma máquina de datilografia portátil, que na verdade era um gabinete que abrigava fonte, placa-mãe e vários slots, para que o usuário configurasse a sua própria máquina.

O sucesso foi incrível, e fez a Apple virar uma grande empresa em pouquíssimo tempo, gerando um número imenso de imitações e assemelhados, inclusive aqui no Brasil, durante a época da Reserva de Mercado de Informática. Eu mesmo cheguei a possuir uma destas cópias “genéricas”, o modelo TK-2000.

Com o domínio do mercado de computadores pessoais, Jobs partiu para um projeto ambicioso, o Lisa, que consumiria muitos milhões e obrigaria a direção da empresa a retirar o projeto dele. Isso fez com que conhecesse o projeto do Macintosh, que se tornou sua nova obsessão. O Macintosh foi revolucionário por oferecer uma interface gráfica que nunca existira, com ícones e mouse, e que é a cara de todo computador atual.

Devido ao caráter obsessivo de Jobs, o Macintosh tornou-se um produto tão caro que precipitou sua saída, e quase leva a empresa à falência. Para se ter uma ideia, uma unidade custava dez mil dólares, um valor absurdo para a época.

O retorno de Jobs à Apple teve um valor simbólico, tanto para a empresa quanto para o mercado, e foi a oportunidade para que ele impusesse sua visão de produtos com design bonito, com boa qualidade, mas onde tudo, hardware e software, ficasse sob controle da empresa.

O filme “Jobs” é bem fiel a todo esse período da vida de Jobs e da Apple, embora tudo de forma bem sucinta. Ashton Kutcher se esforça para representar os maneirismos do verdadeiro Jobs, embora sejam mais importantes os traços de personalidade que foram retratados com razoável franqueza.

Egocêntrico e dominador, Jobs impunha sua vontade com mão de ferro, gritando com os subordinados sem a menor preocupação com regras de civilidade e boa convivência. Se fosse hoje, ele teria denúncias diárias por assédio moral, mas, as regras não se aplicavam para ele, que chegava descaradamente a estacionar na vaga de deficiente, fato que é mostrado no filme.

Outros lados obscuros dele também foram mostrados, como a rejeição à filha Lisa, o fato de apoderar-se sem a menor cerimônia das ideias dos outros, e a absoluta falta de lealdade com os primeiros colaboradores da Apple, que foram simplesmente abandonados sem nenhuma retribuição.

Mas, é inegável que sem o espírito visionário de Jobs, a Apple seria apenas mais um negócio de fundo de quintal, ao invés da empresa mais valiosa do mundo. Ao apropriar-se de uma ideia alheia, ele conseguia transformá-la em um produto final, mesmo que, para isso precisasse usar o que chamava de “distorção de realidade”.

Embora apresente fatos importantes e aspectos pessoais dessa figura conflitante, o filme peca ao não mostrar a grande revolução que ele produziu ao lançar o iPod, não somente pelo aparelhinho bonito que reproduzia músicas digitais, mas, a implantação de toda uma infraestrutura de vendas, que uniu as gravadoras através da poderosa loja de venda iTunes.

Outro detalhe que foi deixado de lado, mas que foi crítico para o mundo do entretenimento foi a Pixar. Originalmente uma divisão da Lucasfilm, de George Lucas, a empresa foi comprada por Jobs em 1986, que sabiamente deixou-a aos cuidados de Edwin E. Catmull, e que se tornou a mais importante produtora de filmes em computação gráfica, sendo comprada pela Disney em 2006.

Também foi deixado de lado a doença e morte de Jobs devido a um câncer pancreático, em 2011, talvez porque poderia trazer um tom dramático que não convergiria com os objetivos do filme. Seria difícil mostrar um sociopata egoísta virando um mártir bonzinho.

Na verdade, com suas qualidades e defeitos próprios, Jobs foi uma pessoa que mudou o curso da história do consumo de eletrônicos, revolucionando o uso do computador pessoal e transformando aparelhos simples em objetos de desejo, capazes de se tornarem símbolos de status social para seus possuidores.

Para uma análise mais profunda sobre o personagem, sugiro a leitura do livro “Steve Jobs” do autor e pesquisador Walter Isaacson.

O filme “Jobs” pode ser assistido no serviço de streaming Netflix.