Frankenweenie
Pet de retalhos
Confesso que já ao ler a sinopse de “Frankenweenie” (EUA, 2012) fiquei intrigado, ao ver que o filme era dos Estúdios Disney, o grande baluarte das produções infantis, mas que a direção era de Tim Burton, mais conhecido por suas obras, digamos, pouco convencionais.
De fato, já podemos sentir algo estranho nos segundos iniciais do filme, quando a tradicional introdução da Disney, com o castelo da Bela Adormecida, perde as cores e tudo passa a ser sombriamente exibido em tons de cinza.
A história se passa em uma cidadezinha americana, New Holland, numa época não muito definida, que lembra os anos 50. Nela o garoto Victor Frankenstein (voz de Charlie Tahan) vive com os seus pais numa confortável casa de subúrbio.
Muito arredio, o garoto não tem amigos além do cão Sparky, companheiro de todas as horas, e até ator dos filminhos que ele faz com uma câmera amadora, usando as técnicas de stop-motion.
Os pais, porém, preocupam-se com a sanidade do garoto, e insistem para que ele faça novos amigos. Ao participar de um jogo de beisebol, Sparky é atropelado por um automóvel, deixando o menino desolado.
Inconsolável, Victor fica impressionado quando o professor de ciências, Mr Rzykruski (voz de Martin Landau), demonstra que choques elétricos fazem os músculos se moverem, mesmo em um animal morto.
Victor, então, desenterra o corpo de Sparky, costura os pedaços grosseiramente, e o submete à poderosa descarga elétrica de raios capturados durante uma tempestade. O animal volta à vida, embora passe a alimentar-se de eletricidade.
Mas os problemas de Victor começam quando outros garotos descobrem o que ele fez. Copiando o seu procedimento, cada um tenta refazer o processo com os seus próprios animais de estimação mortos.
O resultado, porém, é desastroso e a cidade se vê invadida por monstros dos mais diversos tipos, de tartaruga gigante a um híbrido de gato com morcego. Enquanto procura uma forma de resolver toda essa confusão, Victor preocupa-se com Sparky, que fugiu assustado.
Esse filme teve uma fraca bilheteria de estreia nos cinemas americanos, mesmo sendo da Disney, e em 3D. Mas, isso explica-se primeiramente por ser em preto-e-branco, coisa que americano só não detesta mais do que filme com legenda. Além disso, como mencionei no início, é difícil entender para qual público o filme é direcionado.
Claro, se é animação, e é da Disney, é para crianças, certo? Errado. O filme é sombrio, trata de morte despudoradamente, mostra cemitérios e outros ícones assustadores, e tem alguns momentos de muita tensão.
Na verdade, este filme é uma grande homenagem aos filmes de terror, além de trazer uma imensa carga nostálgica do próprio diretor Tim Burton, de quem partiu a ideia original, roteirizada por John August. Essa mesma ideia foi utilizada por Burton em um curta-metragem nos anos 80. O curioso é que ele fizera o curta para a Disney, que o despediu ao ver como era sombrio…
Todos os personagens de apoio são muito divertidos, embora tenham exagerado no que parece uma versão reduzida do Corcunda de Notre Dame. Todos lembram algum personagem de filme de terror ou velhos seriados. Christopher Lee aparece rapidamente, quando os pais de Victor assistem TV, no filme “Drácula, Pai e Filho” (“Dracula père et fils”, FRA, 1976).
O estranho professor Rzykruski é claramente inspirado na figura de Vincent Price, outra figura muito frequente nos filmes de terror do século passado. Algumas referências são mais próximas, como os bichinhos endiabrados que lembram os “Gremlins”.
Burton também faz muitas referências às suas próprias obras, como “Edward Mãos de Tesoura” (“Edward Scissorhands”, EUA, 1990), que também era um ser artificial construído com pedaços, até a cena final, da luta em um moinho em chamas, inspirada em “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (“Sleepy Hollow”, EUA, 1999).
Não foram esquecidas as homenagens aos grandes autores de livros de terror, como Mary Shelley, a criadora de “Frankenstein”, cujo nome foi usado na tartaruga Shelley, ou Elsa Van Helsing (voz de Winona Ryder), cujo sobrenome evoca o grande inimigo de Drácula, do livro original de Bram Stoker.
Tecnicamente, “Frankenweenie” é extremamente bem feito, unindo as técnicas de stop-motion, quando modelos são filmados com pequenas variações de posição, com as de computação gráfica, resultando em uma festa para os olhos, principalmente por conta da exibição em 3D. O filme foi indicado para o Oscar 2013 na categoria Melhor Animação.
Se há alguém que irá gostar de “Frankenweenie” certamente serão os cinéfilos que vivenciaram esse gênero de filme antes que entrasse em decadência com os sanguinários explícitos tipo “Sexta-feira 13”, “Pânico”, até os mais recentes “Jogos Mortais”. Durante a sessão que assisti, vi várias pessoas arriscando um palpite sobre os personagens na tela, embora houvesse quem confundisse Christopher Lee com Bela Lugosi!
Este filme está disponível na plataforma Disney Plus.