11/9

 

O dia em que o mundo parou

 

No próximo sábado terão se passado vinte anos desde o atentado de 11 de setembro de 2001, quando o mundo inteiro assistiu pela televisão a destruição das torres gêmeas do World Trade Center em Nova York. Muita coisa aconteceu, de lá para cá, até mesmo a morte de Bin Laden, a invasão de dois países mulçumanos, a queda de vários ditadores e ascensão de outros, e agora mesmo o retorno do Taliban ao poder no Afeganistão.

Infelizmente, nada parece ter mudado muito, e só o que se constata é a contínua insanidade dos líderes mundiais, que parecem fingir não entender que as guerras e a violência apenas consomem vidas, recursos naturais e não trazem nada de bom. Depois de um trilhão de dólares gastos no Afeganistão, milhares de vidas perdidas, e tudo volta ao ponto de partida. A diferença do 11 de setembro foi que, pela primeira vez, um ato terrorista por agente externo aconteceu em solo americano.

Desde então, muitos especiais e documentários foram produzidos, sobre o assunto, explorando o tema à exaustão. Será? Se você pensa desta maneira, então procure assistir “11/9” (“9/11”, EUA/FRA, 2002).

(Photo by Patrick PIEL/Gamma-Rapho via Getty Images)

Quando os dois irmãos franceses, Jules e Gédéon Naudet, procuraram o Corpo de Bombeiros de Nova York, foi para produzir um documentário sobre um bombeiro iniciante e seu primeiro contato com um incêndio real. Jamais passaria pela cabeça deles ou a de qualquer cidadão do mundo ocidental que o que eles iriam documentar ultrapassaria qualquer produção de Hollywood.

Procurando entre os inúmeros recrutas, os irmãos Naudet selecionaram o jovem Tony Benetatos para ser a sua “estrela”, mais pelo entusiasmo e idealismo do rapaz, do que qualquer outra razão. No melhor estilo “Big Brother”, a equipe acompanhou o jovem desde o início do período probatório de nove meses, pelo qual todo neófito tem que passar antes de ser efetivado como bombeiro.

Durante os primeiros minutos do filme são registrados os treinamentos, as rotinas e até as brincadeiras a que o estagiário é submetido. Num momento premonitório, Tony recebe a incumbência de colocar a bandeira a meio-pau, devido à morte de um bombeiro novato, durante um incêndio. Nervoso, o rapaz resmunga esperar ser esta a última vez que faria isso em sua vida.

As semanas se passam e nada de acontecer o batismo de fogo de Tony. Ansioso por participar de um incêndio real, o máximo que lhe acontece é um carro pegando fogo. Por gozação, já estava sendo apelidado de “nuvem branca”, que é como chamam o bombeiro que dificilmente vê um incêndio.

No dia 11 de setembro de 2001, os bombeiros recebem um chamado, comunicando um vazamento de gás. Operação de rotina, um grupo de bombeiros vai verificar o caso, indo com eles o chefe do posto, Joseph Pfeifer e Jules Naudet com sua câmera. Quando estavam examinando o vazamento, presenciam o primeiro avião chocando-se com a Torre Um do World Trade Center (este, de fato, é o único registro do primeiro choque). Mais que depressa, Pfeifer reúne a equipe e dispara para o local do que achava ser um acidente, enquanto alarmava os demais grupos de bombeiros através do rádio.

Em pouco tempo eles chegam ao prédio e encontram um quadro desolador: vidros arrebentados, pessoas queimadas ou desfiguradas pela violência do choque. Outros grupos de bombeiros vão chegando e subindo as escadas, enquanto os chefes organizam um posto de comando no saguão do edifício. De vez em quando escuta-se o som de corpos chocando-se no solo. São as pessoas que estão acima do 80º andar e que sem mais esperança de salvamento, preferiam abreviar o sofrimento.

Enquanto isso, ao novato Tony coubera a incumbência de permanecer no quartel, recebendo as ligações. Com ele, havia ficado o outro irmão Naudet, Gédéon, que ainda não tinha ideia do que acontecia de verdade. Como o jovem recruta não podia sair, Naudet pegou a câmera e foi andando, em direção ao WTC, registrando a reação das pessoas. Foi aí que o segundo avião atingiu a outra torre.

Nessas alturas, centenas de bombeiros subiam as escadas, pois nenhum dos elevadores funcionava. Devido ao seu projeto peculiar, todos os elevadores e escadas ficavam agrupados no centro do edifício. Quando o avião se chocou com a torre, bloqueou a única via de escape dos que estavam acima e ainda, despejou milhões de litros de combustível incandescente pelos poços dos elevadores.

Quando ocorreu o segundo choque, o alerta foi dado aos bombeiros para abandonar o conjunto do WTC. Aos poucos, os que podiam procuravam as suas rotas de fuga, embora a maior parte ainda estivesse muitos andares acima. Em pouco tempo, ruía a primeira torre e logo depois, a segunda.

Conseguindo, a muito custo, escapar do edifício, o chefe Pfeifer e o cinegrafista francês correram com os demais sobreviventes para longe do acidente, mas a queda da primeira torre pegou-os no caminho. Praticamente às cegas, conseguiram sair da imensa nuvem de poeira e detritos que se formou. Finalmente conseguiram chegar no quartel e contar as baixas. Pouco a pouco, todos foram retornando, faltando somente o novato, Tony, que saíra com um velho comandante aposentado que se apresentara, ao saber do acidente. Quer saber o que houve com ele? Assista ao filme.

“11/9” recebeu algumas críticas, por não ter analisado mais profundamente o que ocorreu naquele dia em Nova York. Mas, paradoxalmente, esta é sua maior qualidade. O documentário mostra exatamente o ponto de vista dos bombeiros e habitantes da cidade que vivenciaram os fatos. O nome Osama Bin Laden não fazia sentido para ninguém e não faz falta no filme. Contudo, o registro dos fatos ocorridos foi feito com um realismo inédito, sem nunca escorregar para o escatológico ou sensacionalista. Até porque, seria impossível ser mais sensacionalista do que o próprio ataque.

Outro ponto altamente positivo do documentário é a ausência de julgamento de valor. Não se questiona a crueldade dos terroristas ou as suas motivações. O que se mostra é a reação das pessoas perante os fatos e suas consequências. Voltando a seus propósitos originais, os irmãos Naudet registraram o encontro de Tony Benetatos com o seu primeiro incêndio, mas também brindaram a História com um testemunho fiel de um dos dias mais aterradores da América.

Tecnicamente, “11/9” é primoroso. Os editores conseguiram transformar um documentário real em uma apresentação que prende a atenção do espectador, levando-o a momentos de suspense, comparáveis aos de uma ficção hollywoodiana. Os minutos iniciais contextualizam o espectador no ambiente dos bombeiros, fazendo-o criar uma empatia com o jovem Tony e o seu destino. Quem for assistir deve preferir a versão em DVD, pois além das duas horas do documentário, ainda tem mais 42 minutos de entrevistas, que ajudam a preencher lacunas e completar a visão de inferno que foi o 11 de setembro.