Como era gostoso o meu DVD

 

Sempre que procuro algo para presentear alguém, lembro dos tempos em que bastava ir a uma loja de discos e comprar o último lançamento do artista preferido do agraciado. Nós passamos por tantas evoluções nessa área que simplesmente a mídia física não interessa para a maioria das pessoas.

Eu sempre gostei de tecnologia, e só depois de muitos anos descobri o termo para isso, early adopter. É aquela pessoa que gosta tanto de inovações tecnológicas que quase sempre é um dos primeiros a usá-la.

Na verdade, nas últimas seis décadas, a tecnologia avançou com uma rapidez estonteante, e sinto-me privilegiado de ter sido testemunha ocular de tudo isso. Uma criança que manipula com facilidade um smartphone hoje não tem ideia de que algo assim era considerado ficção-científica não muito tempo atrás.

Até o final da década de 1960, o mundo era muito diferente. O cinema tinha como slogan ser “a melhor diversão” e era verdade, pois cada cidadezinha tinha pelo menos uma sala. As estreias levavam anos percorrendo o país, das capitais até os rincões mais isolados.

A televisão, ainda num estágio inicial, era de má qualidade, tanto de programação quanto no alcance, muito limitado às grandes cidades. O rádio, por sua vez, tinha um alcance enorme, e além da programação musical, tinha um público cativo das radionovelas, que iam de “O direito de nascer” até as aventuras de “Jerônimo, o herói do sertão”.

Se alguém gostava de uma música e queria tê-la em casa, o jeito era ir a uma loja de discos e comprar um LP (long-playing) ou um compacto. Diferente apenas no tamanho, ambos eram bolachas de plástico com sulcos que eram reproduzidos em vitrolas. A evolução do disco foi a fita cassete, que podia ser reproduzido no toca-fitas do carro.

Para conseguir uma foto, era necessário ter uma câmera fotográfica, comprar o filme, “bater” as fotos e depois levar num laboratório, torcendo para não ter “queimado” o filme. Os livros seguiam imbatíveis em papel, e também eram onipresentes, seja em livrarias ou bibliotecas.

Computador era literalmente tema de ficção-científica. A primeira vez que entrei em contato com um foi em 1975, ao entrar na universidade. Na época, todos estavam exultantes, pois tinham dobrado a memória RAM do sistema, passando de 8 Kbytes para 16! Nós tínhamos que elaborar nossos programas, em Fortran ou Cobol, que eram alimentados através de cartões perfurados e tinham os resultados em listagens de formulários contínuos.

A evolução da televisão, com a transmissão via satélite e posteriormente a cores, foi um dos fatores que provocou a decadência do cinema. A censura da ditadura também cerceou muito o cinema nacional e até produções famosas do exterior. A chegada do videocassete foi a pá de cal que esvaziou os cinemas, que foram sendo transformados em estacionamentos ou templos evangélicos.

Desde criança eu fui educado para gostar de cinema e literatura, duas paixões que conservo até hoje. A chegada do videocassete para mim foi uma revelação, pois o cinema cada vez mais decadente, e a programação incerta dos filmes na TV me deixavam muito aborrecido.

O meu primeiro videocassete foi comprado em 1982, adquirido por uma pessoa que trazia de Manaus já transcodificado, pois o sistema de cores brasileiro era PAL/M, totalmente diferente tanto do americano NTSC quanto do europeu PAL.

O videocassete reinou soberanamente durante duas décadas, graças à profusão de locadoras que pululavam em todos os bairros, a maioria delas com fitas piratas, copiadas de uma original. Como havia perda na gravação de uma fita para outra, em algumas a imagem era muito ruim.

A chegada do DVD foi a grande evolução no cinema doméstico. Antes, o melhor que se conseguia era o som estéreo em dois canais, e uma imagem semelhante à da televisão. Sempre precisávamos rebobinar a fita ao final do filme, e de vez em quando uma fita com fungo sujava o cabeçote do videocassete, o que era um grande transtorno!

O DVD, por sua vez, trazia uma imagem gravada digitalmente em um disco do tamanho de um CD (primeira grande evolução da música). Além de uma imagem incomparavelmente melhor, também podia ter o som em seis canais, múltiplas opções de áudio e legendas – além de não precisar rebobinar. A desvantagem era que, para desfrutar dessas características era necessário não apenas um bom televisor, mas também um sistema de som apropriado, denominado hometheater.

Meu primeiro leitor de DVD foi comprado em 2000 – novamente com a ajuda do contrabando. Os primeiros discos tinham sido comprados da Amazon americana, nada menos que “Matrix” (“The Matrix”,EUA,1999) e “A Múmia” (“The Mummy”,EUA,1999).

 O salto seguinte na evolução dos filmes perdeu o momento certo. Devido a uma guerra de formatos, o Blu-Ray demorou a ser lançado. Apesar de ter uma imagem ainda melhor que o DVD, esse incremento em imagem precisava de uma televisão Full-HD, um luxo nos primeiros momentos. Hoje os modelos Full-HD e 4K já são o normal e a novidade são as TVs em 8K.

Com o atraso no lançamento, um mercado abarrotado de DVDs piratas e a necessidade de equipamento especial tornaram o Blu-Ray um acessório para os aficionados como eu.

Hoje chegamos a um ponto onde a mídia física se tornou dispensável. O mercado dispõe de vários serviços de streaming de filmes, músicas e até livros, onde através de uma taxa mensal o cliente tem acesso a um grande catálogo através da internet. Quase todos esses serviços podem ser acessados de qualquer plataforma, televisor smart, computadores, tablets e até smartphones.

Curiosamente, esse novo cenário praticamente eliminou a pirataria, pois quem vai comprar um DVD pirata se tem acesso a uma imensa quantidade de filmes num piscar de olhos?

Por outro lado, esse modelo de negócio transformou milhões de pessoas em clientes cativos de vários serviços de streaming. Para se ter ideia, durante a pandemia, a Netflix conseguiu um significativo aumento de assinantes. Outros players se juntaram ao mercado, como a Amazon Prime e Disney+, entre outros.

Todos esses serviços se tornaram extremamente cômodos para o usuário, embora tenha algumas desvantagens que muita gente não percebe. O primeiro é uma dependência da internet – com planos melhores, pois as transmissões de melhor qualidade assim o exigem. A segunda é em relação ao conteúdo. O assinante é obrigado a escolher o que vai assistir dentro de um catálogo escolhido pelo fornecedor – que pode retirá-lo sem nenhuma explicação no momento que lhe convier.

Resumindo, hoje tudo é digital. Filmes, músicas, fotos, livros, jogos. Ninguém precisa ter um aparelho exclusivo para uma finalidade, e quase tudo é multi-plataforma. Temos à disposição equipamentos sofisticados a preços acessíveis, e capazes de coisas inimagináveis mesmo num passado recente. Por outro lado, ficamos dependentes da internet a um ponto em que um simples apagão pode causar um grande desamparo.

Como disse acima, sinto-me feliz por ter testemunhado toda essa evolução. Mas, como nordestino desconfiado, ainda conservo meus filmes favoritos em DVD e Blu-Ray, só por prevenção. Vai que?

2 Replies to “Como era gostoso o meu DVD”

  1. Edson Moura

    Boa, Newton.
    Em meio a uma mar de notícias carregadas, pesadas e bipolarizadas, vc nos apresenta um texto leve e descontraído, demonstrando paixão pelo seu hobby, além de prover para os “novos aficionados” um resgate histórico de como tudo aconteceu ! Parabéns e Forte abraço!

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