Afinal, o que é ficção-científica?
É possível que, depois do “politicamente correto”, a combinação mais estranha de palavras seja ficção-científica. Afinal de contas, ficção remete ao conceito de algo que não é verdadeiro, enquanto ciência baseia-se em ideias bem fundamentadas e passíveis de comprovação. Então, o que significa este gênero tão abrangente, que não por mero acaso, é o tema desta coluna?
A coisa realmente é difusa. Uma história de ficção-científica pode tratar de viagens espaciais com ou sem alienígenas, de alienígenas com ou sem viagens espaciais, robôs, viagens no tempo, monstros pré-históricos, universos paralelos, inteligências artificiais, sociedades utópicas ou distópicas, etc.. A abrangência do gênero é tão ampla quanto a imaginação o permite.
Talvez, para simplificar, possamos assumir que uma história de ficção-científica é uma trama que envolve algum tema que pareça científico – ou seja, algo diferente do nosso dia a dia. Claro que, para isso é necessário a cumplicidade do leitor ou espectador, bem como o seu repertório de vida. Afinal de contas, o videofone imaginado por Arthur C. Clarke em “2001, Uma Odisseia no Espaço” hoje pode ser replicada por qualquer pessoa com um celular e um aplicativo de comunicação. Ainda estou aguardando os carros voadores.
Meu interesse pela ficção-científica foi herdado e alimentado por meus pais, que adoravam o gênero. Tenho lembrança de pedir ao meu pai para desenhar um foguete quando Yuri Gagarin ainda treinava para tornar-se o primeiro homem a ir ao espaço. Mas nossas imaginações já haviam visitado muitos planetas e estrelas antes dele.
É difícil dizer quando a ficção-científica nasceu, até porque a ciência veio muito depois da ficção e mesmo das histórias de tradição oral que versavam sobre o desconhecido num misto de folclore e religião. Em 1634 veio a público o livro Somnium, escrito pelo eminente astrônomo e matemático Johannes Kepler, onde um personagem vindo da Lua descreve a Terra vista de lá. Grandes autores como Carl Sagan e Isaac Asimov consideram esta obra a precursora da ficção-científica.
Ao longo do Século 19, com a popularização das descobertas científicas, a imaginação dos autores e do público também foi alimentada. Sem muitos problemas, podemos considerar “Frankenstein” de Mary Shelley (1818), “Da Terra à Lua”, de Júlio Verne (1865) e “Guerra dos Mundos” de H.G. Wells (1898) como precursores do gênero.
O cinema, nascido em 1895, não ficaria indiferente ao gênero. O genial francês Georges Méliès, ao contrário dos irmãos Lumière, percebeu o poder de entretenimento da nova arte, e logo saiu dos pequenos documentários para obras de ficção. Entre elas está o que pode ser considerado o primeiro filme de ficção-científica, “Viagem à Lua” (“Le Voyage dans la Lune”,FRA,1902). Infelizmente, ele nunca recebeu os créditos reais pelo filme, descaradamente copiado e exibido como se fosse obra de Thomas Alva Edison.
A ficção-científica, especialmente no cinema, não se baseia só em conceitos científicos. Na verdade, na maioria dos casos, a viagem no tempo, o alien, o robô, a espaçonave, são apenas o pano de fundo para a trama principal. Não é para menos que a saga mais bem sucedida do gênero, Star Wars, nada tenha de científico, com sabres de luz que se chocam e emitem sons, explosões no espaço, comunicação instantânea, e outros conceitos malucos que se perdem em meio à história.
Isso não quer dizer que não possa haver ciência séria nesses filmes. Clássicos como o já citado “2001, Uma Odisseia no Espaço” (“2001: A Space Odissey”,EUA,1968), e o recente “Interestelar” (“Interestellar,EUA,2014) são bons exemplos de conceitos científicos perfeitamente integrados à história. Curiosamente, não são os que mais agradam o público em geral. Afinal de contas, dizem a maioria dos espectadores, cinema é entretenimento, se quisesse aprender física estudaria nos livros, não é? Bem, tenho minhas reservas quanto a isso, mas gosto é pessoal e ponto final.
A evolução do cinema e do gênero ficção-científica seguiu um caminho comum. A partir do sucesso do primeiro filme de “Guerra nas Estrelas”, em 1977, houve um enorme desenvolvimento na utilização da computação gráfica, e hoje em dia há filmes em que a maior parte do tempo os atores humanos atuam em cenários vazios, posteriormente complementados com efeitos gráficos. Alguns chegam a exagerar, no caso dos Transformers, deixando o espectador sem tempo para compreender o que se passa na tela.
Mas, embora a simples menção de ficção-científica nos leve a imaginar mundos fabulosos e máquinas estranhas, muitas vezes isso á apenas um “gatilho” para justificar uma história que se passa no nosso mundo atual. Um exemplo simples é “O Exterminador do Futuro” (“The Terminator”,EUA,1984), onde apenas um breve prólogo acontece no futuro, e o resto é no tempo presente.
E só para ter ideia da amplidão do gênero, o site IMDB lista mais de quinze mil filmes e cinco mil séries ligadas à ficção-científica. O lado bom é que por ter um espectro tão amplo, é possível encontrar o subgênero com o qual o espectador se identifica mais. Alguns exemplos seriam os seguintes:
– Viagens no tempo: “De Volta ao Futuro” (“Back to the Future”,EUA,1985), “A Máquina do Tempo” (“The Time Machine”,EUA,1960), “Efeito Borboleta” (“The Butterfly Effect”,EUA,2004), “Looper: Assassinos do Futuro” (“Looper”,EUA,2012), “Em Algum Lugar do Passado” (“Somewhere in Time”,EUA,1980);
– Alienígenas: “Alien – O 8º Passageiro” (“Alien”,EUA,1979), “A Chegada” (“Arrival”,EUA,2016), “E.T.: O Extraterrestre” (“E.T. the Extra-Terrestrial”,EUA,1982), “Distrito 9” (“District 9”,ZA,2009)
– Robôs, mutantes, androides: “O Exterminador do Futuro” (“The Terminator”,EUA,1984), “X-Men: O Filme” (“X-Men”,EUA,2000), “Blade Runner: O Caçador de Androides” (“Blade Runner”EUA,1982), “WALL-E” (“WALL-E,EUA,2008), “O Homem Bicentenário” (“Bicentennial Man”,EUA,1999);
– Universos paralelos, portais dimensionais: “A Origem” (“Inception”,EUA,2010), “Contra o Tempo” (“Source Code”,EUA,2011), “O Planeta dos Macacos” (“The Planet of the Apes”,EUA,1968), “Stargate, a Chave para o Futuro da Humanidade” (“Stargate”,EUA,1994), “O Confronto” (“The One,EUA,2001);
– Histórias no espaço ou interior da terra: “Jornada nas Estrelas: Voyager” (“Star Trek: Voyager”,EUA,1995), “Perdido em Marte” (“The Martian”,EUA,2015), “Interestelar” (“Interestellar,EUA,2014), “Cowboys do Espaço” (“Space Cowboys”,EUA,2000), “Passageiros” (“Passengers”,EUA,2016), “O Núcleo – Missão ao Centro da Terra” (“The Core”,EUA,2003);
– Computadores, inteligência artificial: “Chappie” (“Chappie”,ZA,2015), “Ela” (“Her”,EUA,2013), “A.I.: Inteligência Artificial” (“A.I. Artificial Intelligence”,EUA,2001), “Agente do Futuro” (“Autómata”,ESP,2014), “Lucy” (“Lucy”,FRA,2014), “Transcedence: A Revolução” (“Transcedence”,EUA,2014);
– Sociedades utópicas, distópicas, pós-apocalípticas: “Divergente” (“Divergent”,EUA,2014), “Maze Runner: Correr ou Morrer” (“The Maze Runner”,EUA,2014), “1984” (“Nineteen Eighty-Four,UK,1984), ”Farenheit 451” (“Farenheit 451,UK,1966), “Laranja Mecânica” (“A Clockwork Orange”,UK,1971), “Minority Report – A Nova Lei” (“Minority Report”,EUA,2002).
Como é possível ver, as possibilidades são inumeráveis. Embora a pandemia tenha fechado os cinemas, os diversos serviços de streaming disponíveis trazem muitas opções para os espectadores escolherem na segurança de seus lares. O tema favorito, o quão bem feito é, se tem verossimilhança, tudo isso ficará sujeito ao julgamento do espectador, para quem, afinal de contas, o filme se destina.