Filme recomendado: “Encontrando Forrester”
O primeiro segredo para escrever é…escrever.
O que poderia haver em comum entre um adolescente bom de bola e um escritor desiludido, além do fato de ambos morarem num bairro mal afamado? Esse pequeno exercício de imaginação é para dar uma ideia do tema central do filme “Encontrando Forrester” (“Finding Forrester”,EUA,2000), que mostra a inimaginável relação de amizade entre um negro de dezesseis anos, muito habilidoso no basquete, e um escritor genial, que vive enclausurado por mais de quarenta anos após a publicação do seu único livro.
Moradores do Bronx, o bairro mais violento de Nova York, Jamal (Rob Brown) e Forrester (Sean Connery) só vem a se conhecer por conta de uma aposta de adolescentes. Sem que ninguém soubesse sua real identidade, o escritor vivia recluso em seu apartamento, não saindo nem para fazer compras. O mistério sobre ele era tanto, que a vizinhança só o conhecia por “Janela”, correndo mil e um boatos sobre a pessoa estranha e violenta que morava ali.
Por conta de um desafio dos amigos, Jamal invade o apartamento de “Janela”, mas é flagrado pelo proprietário. Na fuga, perde a mochila onde estão seus cadernos de anotações. Na escola, Jamal recebe o resultado de um teste nacional, onde conseguiu notas num nível muito alto, o que chamou a atenção da direção. Por conta desse resultado, e de sua habilidade nas quadras, foi convidado para estudar numa sofisticada escola particular, em Manhatan.
Nesse mesmo dia, recebe sua mochila de volta – literalmente caindo do céu – com os seus queridos manuscritos cheios de correções e apontamentos. Curioso, o jovem procura “Janela”, sendo recebido com aspereza pelo mesmo. Após alguma insistência, o jovem recebe permissão para entrar no apartamento, pois descobriram o que tinham em comum: o talento para escrever.
Enquanto melhorava o seu relacionamento com o estranho eremita, Jamal inicia seus estudos na nova escola, sendo recebido com carinho por Claire (Anna Paquin, a garotinha de “O Piano”), e com desconfiança por Crawford (F. Murray Abraham, o Salieri de “Amadeus”), professor de literatura, que não admite a ideia de que um jogador de basquete vindo do Bronx possa ter talento como escritor.
A rivalidade entre os dois atinge o máximo quando Jamal inscreve um texto no concurso literário do colégio. Por azar, o jovem usara o mesmo título de um artigo publicado numa revista por Forrester, muitos anos antes. Acusado de plágio por Crawford, fica entre deixar a escola, ou admitir por escrito a acusação.
Mais do que uma simples disputa entre professor e aluno, o filme tem o seu maior valor na construção delicada da amizade entre Jamal e Forrester, que provoca mudanças em ambos. Enquanto Forrester consegue mostrar para o jovem que ele pode ser muito mais do um simples garoto do Bronx, Jamal esforça-se para tirar o eremita de seu esconderijo, levando-o a exorcizar seus fantasmas do passado.
Sem nenhum efeito especial, nem cenários grandiosos, o filme apoia-se num elenco de primeira linha. No papel de Forrester, Sean Connery, monstro sagrado do cinema que só os mais maduros associam ao primeiro 007. Connery cria com perfeição seu personagem, variando entre a irascibilidade de um solitário à fraqueza inválida de uma criança perdida.
F. Murray Abraham consolida sua carreira em papéis de vilões, lembrando muito o implacável Salieri de “Amadeus”. Anna Paquin, a garotinha de “O Piano”, agora uma linda jovem, mostra que a indicação para o Oscar aos onze anos de idade não foi por acaso. E, como protagonista, o estreante Rob Brown, um jovem novaiorquino que interpretou Jamal sem nunca ter feito teatro ou cinema antes, partiria deste filme para uma sólida carreira na televisão.
O filme foi lançado em DVD com formato de tela widescreen, legendas em inglês, português e espanhol, e áudio Dolby Digital 5.1, em inglês, espanhol e português. Como extras, um especial “Por trás das câmeras”, produzido pela HBO, com quinze minutos, o documentário “Encontrado: Rob Brown”, com doze minutos, cenas deletadas, trailers de cinema, e filmografias. Detalhe: todos os extras são legendados.
Nestes tempos, onde os efeitos de computador reinam com absolutismo, é interessante ver um filme inteligente e sensível, onde as relações entre as pessoas mostram que o mundo é apenas o palco. Percebe-se o trabalho seguro de direção de Gus Van Sant, em cujo currículo estão “Gênio Indomável” (“Good Will Hunting”,EUA,1997), “Elefante” (“Elephant”,EUA,2003), “Milk: A Voz da Igualdade” (“Milk”,EUA,2008) e “Terra Prometida” (“Promised Land”,EUA,2012).