Filme da Semana: “Chappaquiddick”

 

A sombra obscura do leão

 

Quando se trata de políticos patéticos, mal intencionados e corruptos, acreditamos que também neste campo somos campeões mundiais. Mas, a verdade é que parece ser um pré-requisito para a carreira política ter alguma distorção de caráter ou personalidade. Um exemplo disso é mostrado no filme “Chappaquiddick”, dirigido por John Curran.

É difícil que exista alguém no mundo que não tenha ouvido falar do presidente John Kennedy e seu trágico fim, assassinado em pleno mandato. Nem todos, porém, sabem sobre seu irmão, Bob, também assassinado enquanto fazia campanha para a presidência. Menos pessoas ainda ouviram falar no irmão mais velho, Joseph Jr, que vinha sendo preparado pelo pai para a carreira política, mas que desapareceu em ação na Segunda Guerra Mundial.

Com tantas tragédias na família, que ao mesmo tempo granjeavam uma grande admiração pelos Kennedy, era natural que o próximo a seguir o caminho político fosse Ted Kennedy, o mais novo dos nove filhos de Joseph Kennedy pai.

Mesmo jovem, Ted Kennedy já passara por problemas. Foi expulso de Harvard por fraudar exames, mas conseguiu voltar e se formar em direito. Se primeiro mandato como senador de Massachusetts foi ocupando a vaga de John, quando este foi eleito presidente.

No momento mostrado no filme, no ano de 1969, Ted Kennedy (Jason Clark) estava num momento especial de sua carreira. Com a lembrança da morte dos dois irmãos ainda muito recente na memória do eleitorado, não havia dúvida para ninguém que ele seria o ocupante da Casa Branca na eleição de 1972.

O clima era de otimismo geral entre os ex-apoiadores do finado Bob, e que já se preparavam para dar o suporte necessário para Ted. Foi nesse espírito que se reuniram para celebrar numa casa de praia na ilha de Chappaquiddick, em 18 de julho de 1969.

Entre as seis moças que participaram da festa estava Mary Jo Kopechne (Kate Mara), uma ex-professora de 28 anos, que participara ativamente da campanha de Bob Kennedy. Também estavam na festa o primo, advogado e “quebra-galhos” de Ted, Joe Gargan (Ed Helms) e o ex-procurador de Massachusets Paul Markham (Jim Gaffigan).

Em um momento, depois de ter bebido como todos, Ted saiu de carro com Mary Jo. Em torno de meia-noite, o carro com os dois caiu de uma ponte. Ted conseguiu sair, enquanto Mary Jo ficou presa no carro, e morreu afogada.

Ao invés de pedir ajuda das autoridades, Ted caminhou até a casa onde estava o grupo e contou o que tinha acontecido a Gargan e Markham. Percebendo a gravidade do ocorrido, os três foram até o local do acidente, mas não conseguiram tirar a jovem de dentro.

Gargan insistiu para que Ted comunicasse o fato à polícia, mas o político optou por sair da ilha sem fazer nada. O acidente foi descoberto horas depois por um pescador que chamou a polícia. Ted só se apresentou quase dez horas depois do acidente.

Embora os roteiristas Taylor Allen e Andrew Logan tenham dito que não queriam fazer um documentário sobre o incidente, o roteiro foi baseado no inquérito de quase mil páginas da Suprema Corte de Massachusets de 1970.

O filme, na verdade, levanta mais perguntas do que respostas. Porque o senador demorou tanto a comunicar o fato à polícia? O que ele e Mary Jo estavam fazendo? Porque não foi feito autópsia no corpo da jovem? Como é que a carteira de motorista de Ted, que estava expirada, miraculosamente ficou válida?

Talvez a pergunta mais forte seja porque a oposição e a imprensa não exploraram mais a fundo este estranho acontecimento? Pensando nos nossos próprios políticos, talvez a resposta seja a velha máxima de São Francisco aplicada à política, “é dando que se recebe”.

O fato é que após o incidente, o mais promissor candidato à Casa Branca cedeu a indicação do partido Democrata para George McGovern, que perdeu para Richard Nixon, que logo depois se envolveu no escândalo de Watergate.

Ted Kennedy foi eleito para sete mandatos como senador de Massachusets, e teve uma carreira tão brilhante que recebeu o apelido de Leão do Senado. Foi um defensor dos direitos humanos, causas liberais, direitos dos imigrantes e controle de armas. Contudo, apenas em 1980 ele tentou a indicação do partido para a presidência, perdendo a vaga para Jimmy Carter, que tentava a reeleição.

“Chappaquiddick” é um filme interessante por levantar um ponto obscuro da recente história americana, embora tenha pecado em não fazer uma contextualização inicial, presumindo talvez que todos os espectadores conheçam bem os fatos que envolvem a família Kennedy. Outro mérito do filme é mostrar que nem tudo é maravilhoso, romântico e perfeito na terra do tio Trump. Assista, discuta e forme sua própria opinião.

Título Original: “Chappaquiddick”