Filme da Semana: “Eu, Tonya”

 

Glória no gelo, desastre na vida

 

É difícil que alguém que tivesse mais de dez anos em 1994 não tenha tomado conhecimento, ou pelo menos ouvido falar em Tonya Harding. Este foi um caso onde a esmagadora maioria da opinião pública conheceu, julgou e condenou, mesmo antes de qualquer decisão dos tribunais. E é essa a história que o diretor Craig Gillespie trouxe às telas em “Eu, Tonya” (“I, Tonya”, EUA, 2017).

Poucas vezes na história um crime envolvendo um esportista foi tão divulgado quanto o ataque à patinadora Nancy Kerrigan, em 1994, e onde todas as suspeitas apontavam diretamente a Tonya Harding, sua colega na equipe olímpica americana e principal rival na patinação artística no gelo.

Mesmo aqui no Brasil, a milhares de quilômetros de distância, ficamos indignados com o ataque, e com uma grande ansiedade para a prenderem a culpada, pois em nossas cabeças, Tonya já tinha sido condenada. Esse foi o primórdio dos dias atuais, quando uma postagem no Facebook já tem mais peso que a sentença de um juiz.

Tonya, vivida no filme pela australiana Margot Robbie, teve uma infância pobre e infeliz, marcada pelo abandono do pai e a disciplina severa da mãe, que a fez praticar patinação artística desde uma idade em que estaria brincando de bonecas.

A relação entre elas continuou ruim o resto da vida, e quando a moça casou com Jeff Gillooly (Sebastian Stan), em 1990, recebeu da mãe a observação de que “a gente transa com idiotas, não casa com eles”.

Tonya era desbocada, briguenta, competitiva e sexualmente ativa desde cedo, aspectos que não combinavam com um dos esportes mais tradicionais, que primavam pela imagem da mulher fina e delicada. Por outro lado, era uma patinadora extremamente talentosa e aguerrida, conquistando marcas impressionantes. Ela foi a segunda mulher no mundo, e a primeira americana a executar a difícil manobra triple axel.

Os problemas de Tonya ficaram maiores após o casamento com Jeff, um parasita violento e irresponsável, que terminou levando-a ao fundo do poço, mesmo já estando separados.

Em 1994, quando Tonya e Nancy Kerrigan (Caitlin Carver) disputavam para ser a patinadora número um dos Estados Unidos, esta última foi atacada por um agressor com um bastão telescópico no joelho, e embora tivesse ficado bastante machucada, não sofreu fraturas ou lesões incapacitantes.

A investigação conduziu ao atacante Shane Stant (Ricky Russert), ao guarda-costas de Tonya, Shawn (Paul Walter Hauser), e ao próprio Jeff Gillooly. Embora até hoje Tonya afirme desconhecer o plano, ela também foi implicada no caso, e graças às peculiaridades da justiça americana, declarou-se culpada para livrar-se da prisão.

O filme conta toda essa história intercalando arquivos de época com os personagens reais, entrevistas com vários deles, e a história romanceada vivida pelos atores. Mas, o que chama a atenção no filme é a montagem excepcional, que traz um senso de humor impensável para uma história tão séria. Não é para menos que o filme está concorrendo ao Oscar nesta categoria.

O outro ponto forte do filme é a interpretação do elenco, principalmente Margot Robbie e Allison Janney, vivendo os papéis principais. As duas também estão concorrendo ao Oscar, nas categorias Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente. As duas atrizes já ganharam oito premiações cada, além de dezenas de indicações pelos papéis.

Embora bastante criticado por jornalistas que acompanharam o caso na época, “Eu Tonya” traz uma perspectiva diferente, e mostra que muitas vezes o massacre da mídia pode ser extremamente cruel, independente de alguém ser ou não culpado.

O filme merece ser visto até pela interessante mistura de ficção e documentário, além de instigar a curiosidade para saber mais sobre o que teria sido um dos maiores escândalos da história do esporte – pelo menos, naquela época.

 

Título original: “I, Tonya”