Filme da Semana: “O Jovem Karl Marx”

Um dos filmes que promete levantar mais discussões este ano é a produção franco-alemã “O Jovem Karl Marx” (“Der junge Karl Marx”, ALE/BEL/FRA, 2017). O mais estranho nisso é que as discussões não nascem devido a aspectos técnicos do filme, ou mesmo de seu conteúdo, mas, simplesmente devido à intolerância e a desinformação das pessoas.

Como o título informa, a história do filme é focada no período da vida de Karl Marx em que ele estuda, interage, entra em choque com outros pensadores, e desenvolve junto com Friedrich Engels o “Manifesto Comunista”, publicado em 1848.

Em 1844, Karl Marx (August Diehl), com 28 anos, escrevia em um jornal artigos contundentes sobre a sociedade alemã, e em particular as condições de vida dos trabalhadores. Perseguido pela polícia e censurado pelo governo, ele é levado a exilar-se em Paris, para onde vai com a esposa Jenny (Vicky Krieps), uma jovem aristocrata que abandona sua família tradicional para viver o sonho de Marx.

A vida não é fácil no exílio, principalmente com uma criança, e muitas dificuldades financeiras. É quando Marx conhece o igualmente jovem Friedrich Engels (Stefan Konarske), filho de um rico industrial prussiano com várias tecelagens em Manchester, Inglaterra.

Engels vivia insatisfeito com as condições que viviam os seus próprios empregados, e com a sua impotência para fazer qualquer melhoria. Por isso ele fica impressionado com a ousada irlandesa Mary Burns (Hannah Steele), funcionária da fábrica do seu pai e que ousa enfrentá-lo. Através dela, que se tornaria sua mulher, ele tem acesso a depoimentos que servirão de base para o livro “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”.

Quando os dois começam a trabalhar juntos, a parceria é quase simbiótica. Marx, o pensador, prefere ficar na retaguarda, fornecendo as ideias, enquanto Engels assume o papel de expô-las e enfrentar as lideranças nas assembleias e congressos.

Embora durante as quase duas horas do filme inúmeras personagens apareçam na tela, não há um aprofundamento filosófico ou ideológico, mostrando que havia um grande conflito de interesse entre o poder econômico e a classe trabalhadora. As coisas não parecem ter mudado muito de lá para cá, não?

Na verdade, o maior problema do filme é exatamente uma falta de contextualização. Naquela época, 1843, existiam poucos países em que os sistemas de governos poderiam ser considerados democráticos. Os Estados Unidos eram uma jovem nação, com apenas setenta anos de independência, onde a indústria do Norte entraria em choque com a sociedade escravocrata do Sul em uma sangrenta guerra civil.

A maioria dos países europeus era constituído de monarquias absolutistas, com nobrezas muito distantes do povo, que vivia em condições muito ruins. O Império Britânico, na época a maior potência mundial, era tão extenso que tinha a denominação “o império onde o sol nunca se põe”. África e Ásia eram compartilhadas pelas potências europeias que as exploravam com grande crueldade e ganância.

Não é de se admirar que nessas condições o mundo estivesse propício para o surgimento de ideias que permitissem sonhar com melhores condições de vida. Nesse campo, fervilhavam ideologias como socialismo, anarquismo, liberalismo, comunismo e muitos outros, com mais ou menos seguidores. Junte-se a isso péssimas condições de trabalho, saúde, alimentação e de moradia, e a receita estava completa.

O curioso é que, embora o filme apenas mostre uma visão do que era o mundo naquela época, e de dois pensadores cujas ideias tiveram repercussão mundial, a reação das pessoas ao ler o título foi de um exagero que infelizmente se tornou comum nos dias de hoje.

Muitas pessoas queriam saber se o filme era doutrinador, como se, ao assisti-lo, a pessoa se tornasse comunista. Outros confundiram Marx com Stalin, afirmando que ele tinha mandado matar milhões de pessoas. Pior ainda foi os que misturaram as coisas, dizendo que Hitler era comunista, pois tinha a palavra socialismo no nome do partido nazista.

Essas pessoas, colocando em primeiro plano sua ignorância e preconceitos, perdem a oportunidade de aprender um pouco sobre a história universal, e as condições que propiciaram um movimento, que, queiram ou não, revolucionou grande parte do mundo.

“O Jovem Karl Marx” é um filme tecnicamente muito bem feito, com rigor histórico, e sem qualquer pretensão de “doutrinação”. Ao contrário do que se pensa, ninguém sonhava com ditaduras, gulags, Revolução Cultural, ou qualquer destas nefastas consequências, mas simplesmente melhores condições de vidas para as pessoas. Experimentem – sem preconceitos.

 

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