Filme da Semana: “Treze Dias Que Abalaram o Mundo”
Treze dias em Camelot
Muita gente não entende o porquê do mundo inteiro acompanhar, com preocupação, os resultados das eleições presidenciais americanas. Como eles são a nação mais rica, e a mais poderosa, militarmente falando, é natural que a escolha do governante deles afete as relações com o resto do planeta. Enquanto eles levam semanas para contar todos os votos (sete a um pra nós!), vale à pena lembrar do que pode acontecer ao mundo, em função das decisões deles. Cinquenta e cinco anos atrás, o então presidente John Fitzgerald Kennedy lançou o mundo em estado de alerta, num episódio obscuro, que colocou Estados Unidos e União Soviética à beira de uma guerra nuclear. Um dos primeiros filmes a explorar um pouco mais criticamente o caso foi “Treze Dias Que Abalaram o Mundo”, do diretor Roger Donaldson.
Bem diverso do que o mito estabelece, Kennedy era um incorrigível mulherengo, extremamente ambicioso, que prosseguia o projeto do pai para dominar o poder na América. Junto com o irmão Bob (Robert Kennedy, que também seria assassinado em 1968), conduzia a presidência como uma forma de alcançar as suas metas pessoais. Os dois acreditavam que eram pessoas especiais, não sujeitas às regras que se impunham aos demais mortais.
A corrupção e o uso do Estado para fins pessoais, era uma longa tradição na família de JFK desde os avós. O pai, Joseph Kennedy, chegou a ser embaixador na Inglaterra, graças à amizade com o filho do então presidente Roosevelt. Terminou perdendo o cargo, e a chance de concorrer à presidência, por conspirar contra o próprio chefe da nação. Hoje, sabe-se que esteve envolvido até com contrabando de bebidas, durante a Lei Seca, usando inclusive o cargo de embaixador para conseguir espaço nos navios para suas cargas ilegais.
Através de um projeto muito bem definido, John Kennedy iniciou sua carreira rumo à presidência. O candidato natural era Joe, o filho mais velho, que desapareceu durante a Segunda Guerra. Usando todos os meios, possíveis e imagináveis, JFK passou pelo senado, e, finalmente, alcançou o cargo máximo do executivo americano. Para chegar lá, utilizou os serviços de um velho amigo da família, Sam Giancana, mafioso de Chicago. Depois das eleições, muitas acusações de fraude eleitoral em Illinois chegaram ao Departamento de Justiça – que era chefiado por Bob Kennedy. Nenhuma das acusações, obviamente, chegou a ser investigada.
As relações de Kennedy com o gângster Giancana incluíram planos para o assassinato de Fidel Castro, e, uma amante comum, Judith Exner. Segundo a própria, bolsas cheias de dinheiros eram enviadas, através dela, do presidente para o mafioso, ou, de empresários californianos para JFK.
Todas as atividades da família Kennedy eram acompanhadas desde a década de quarenta por Edgar Hoover, diretor do FBI. Por acreditar que a instituição da presidência era mais importante que o homem que a ocupava, Hoover não impediu que Kennedy se elegesse. Em compensação, a sua recondução como diretor do birô foi um dos primeiros atos do jovem presidente.
Assim como Hoover, o Serviço Secreto também acreditava que tinha que preservar a imagem do presidente – coisa que ele próprio não se preocupava. Algumas vezes, os agentes que guardavam o presidente tinham que fazer milagres, para impedir que a primeira-dama, Jackie, entrasse na área de lazer da Casa Branca, onde John e Bob faziam animadas festinhas, com prostitutas de todos os níveis.
A crise dos mísseis de Cuba foi o grande evento do governo Kennedy. A pequena ilha do Caribe estava atravessada na garganta de JFK desde abril de 1961. Nessa data, uma brigada de 1400 refugiados cubanos, apoiados pela CIA, desembarcou na Baía dos Porcos, para tentar derrubar Fidel Castro. A desorganização do golpe, aliado à retirada de apoio aéreo – ordenada pelo próprio JFK – resultou na morte de 112 invasores, e, na prisão do restante. Foi um fiasco completo.
Em meio a planos mirabolantes para assassinar o líder cubano, os americanos descobriram, através dos vôos do avião de espionagem U-2, que, bases para lançamento de mísseis balísticos estavam sendo montadas, em Cuba. Os “treze dias”, que deram o título ao filme, referem-se ao período entre a descoberta, e o tempo em que ficariam operacionais. Pela versão oficial, Kennedy impôs um bloqueio naval em Cuba, que forçou os russos a retirarem os mísseis. Aplausos homéricos.
A história por baixo dos panos é um pouco diferente. Mesmo numa época de corrida armamentista, o poderio militar soviético era muito inferior ao americano. Para se ter uma idéia, enquanto os Estados Unidos tinham trezentos lançadores de mísseis, os russos teriam no máximo quarenta e quatro – já contando com os de Cuba.
No seu ódio irracional para com os cubanos, Kennedy bravateava numa posição de valentão, enquanto corria desesperadamente, junto com o irmão Bob, para uma solução negociada. Para isso, utilizaram até os serviços de um agente da KGB, bypassando os canais diplomáticos formais.
Ninguém queria uma guerra nuclear, mas, acima de tudo, Kennedy queria a reeleição. Por isso, mesmo tendo feito um acordo com Khrushchev, o líder da União Soviética, manteve a propaganda de valentão do mundo. Pelo acordo, os mísseis soviéticos seriam retirados de Cuba, em troca de mísseis americanos na Turquia e – o mais importante – a garantia de que a ilha de Fidel jamais sofreria uma invasão dos Estados Unidos. Os cubanos é que foram os grandes vencedores da crise dos mísseis.
Para o mundo, o que se via era a véspera de um holocausto nuclear. A frota do Comando Aéreo Estratégico, com mais de 1400 bombardeiros B-52 e B-47, além de 174 mísseis balísticos intercontinentais, entrou em DEFCON 2, que é o último estágio antes da guerra total. Um oitavo de todos os aviões bombardeiros americanos ficou no ar, durante trinta dias. Mais de cem mil homens foram posicionados na Costa Leste, enquanto que uma força naval, com quarenta mil fuzileiros, navegava no Caribe e Atlântico Sul. Enquanto isso, do lado soviético, não havia nenhuma atividade que não fosse de rotina.
Como os Kennedy pretendiam se manter pelo menos mais dez anos no poder (com uma reeleição de John, e, depois, a dobradinha Bob-John), é possível que os soviéticos tenham preferido deixar os americanos saboreando uma vitória falsa, e, ficar com informações que praticamente manteriam os Kennedy em suas mãos. Só a morte de John desfez tanto as ambições dos Kennedy como essa hipotética ameaça russa.
O filme “Treze Dias Que Abalaram o Mundo” toca em vários desses pontos delicados, inclusive nas negociatas conduzidas pelos irmãos, mas, evita mostrar o lado mais pessoal (e desarrumado) de JFK. A história é mostrada pelo ponto de vista do principal assessor de Kennedy, Kenneth O’ Donnell, sobre quem pesaram acusações de desvio de dinheiro da campanha de 1964, para uso próprio. Quem vive o papel é Kevin Costner, que já estrelou um outro filme sobre Kennedy, “JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar” onde interpretava o promotor que investigou a morte do presidente. É uma pena que Bruce Greenwood, ator escolhido para o papel de Kennedy, não fosse mais parecido com o próprio. Afinal de contas, é incontestável o charme e o magnetismo pessoal de JFK.
Apesar de não ter ido mais a fundo na personalidade de JFK, o filme “Treze Dias Que Abalaram o Mundo” é um exercício muito bem feito de cinema. Nele há uma mistura de filme de ação, relato histórico, drama político e reconstituição de época. Afinal de contas, não existe uma verdade absoluta, é preciso que formemos a nossa própria crença a partir do máximo de informações disponíveis. Este filme é apenas uma destas fontes.
Título Original: “Thirteen Days”