A Odisseia de Jacques
É curioso como a imagem de um ídolo termina sendo tão sólida que fica difícil imaginar que existe uma pessoa real por trás dela, e como todos os seres humanos, sujeita a defeitos e qualidades, pontos fortes e fracos, sucessos e decepções. É disso que trata o filme “A Odisseia de Jacques” (“L’Odyssée”, França,2016), que retrata o inesquecível Jacques-Yves Cousteau.
Sendo um dos pioneiros no mergulho autônomo, e após uma brilhante atuação na Segunda Guerra, Jacques-Yves Cousteau (Lambert Wilson) percebeu o interesse das pessoas em lugares desconhecidos, e iniciou uma série de filmagens no mar, com o objetivo de mostrar esse ambiente tão próximo, e ao mesmo tempo tão misterioso.
Incentivado pela mulher, Simone (Audrey Tautou), que chegou a vender as joias da família para cobrir as despesas, Cousteau alugou um velho navio que batizou Calypso, para aventurar-se nos vários cantos do mundo, sempre com a intenção de filmar ambientes subaquáticos.
O aventureiro obteve um grande sucesso de público, em uma época onde o fundo do mar atraía tanto a curiosidade das pessoas quanto as viagens espaciais, que estavam em plena ascensão. Esta nova vida, contudo, teve um lado ruim para a família Cousteau, já que os dois filhos do casal foram obrigados a estudar em colégio interno.
Anos depois, a família voltou a reunir-se, e os filhos Philippe (Pierre Niney) e Jea-Michel (Benjamim Lavernhe) passaram a assumir atividades nas empresas Cousteau. Philippe, que sempre fora muito ligado ao pai, queria fazer cinema, e passou a dedicar-se intensamente nos filmes e documentários da família.
Mas, nem tudo era fácil para a família. Com todas as atividades fortemente centradas em Jacques Cousteau, tanto Simone quanto os filhos passaram a se sentir à margem de tudo. Não ajudavam também os frequentes casos do aventureiro, embora esse sempre afirmasse que Simone seria sempre sua mulher.
Além do narcisismo do pai, também incomodava a Philippe a falta de preocupação de Jacques em relação à conservação da natureza. No início dos anos 1970 o jovem foi um dos primeiros a observar a degradação dos mares e o consequente efeito para o meio-ambiente. Essa diferença de visão levou-o a abandonar Cousteau e criar a sua própria empresa, fazendo filmes de educação ambiental.
Cousteau começou a ter problemas sérios com as várias empresas que criara, pois como o interesse do público já não era o mesmo, e as dificuldades financeiras o levaram à demissão de grande parte dos empregados, e abandono de inúmeros projetos extremamente fantasiosos.
Posteriormente, ele e Philippe uniram forças para lutar pela preservação da natureza. Sem recursos oficiais ou grandes patrocinadores, eles se desdobraram em palestras onde alertavam para a degradação dos mares e pediam a ajuda das pessoas. Paulatinamente, a adesão foi aumentando, e eles puderam fazer vários documentários importantes. Uma tragédia pessoal, porém, ameaçou destruir tudo o que haviam batalhado tanto.
Esse filme está longe de ser uma biografia oficial de Jacques Cousteau, e foi o resultado de um grande número de entrevistas e documentos de toda natureza. Certamente esse lado egocêntrico, exibicionista, megalomaníaco e mulherengo de Cousteau são aspectos que nenhum familiar ou amigo ia querer que fossem expostos. Contudo, são características humanas que certamente contribuíram para consolidar a imagem de um dos maiores ídolos do século XX.
A atuação do elenco é excepcional, não apenas Lambert Wilson, que caracterizou muito bem Cousteau, mas também Audrey Tautou, que interpretou magnificamente a sofrida Simone. Excepcional também foi a atuação do jovem Pierre Niney como Philippe. Niney já havia brilhado anteriormente em “Frantz” (2016), “Yves Saint Laurent” (2014) e “As Neves de Kilimandjaro” (2011).
Tecnicamente o filme é muito bem feito, com uma edição impecável, trilha sonora com várias canções dos anos 1950, 60 e 70 (a versão de “Califórnia Dreaming” é deliciosa), e uma fotografia excepcional. Aliás, como não poderia deixar de ser, grande parte do filme é composta de cenas submarinas fantásticas. O filme ganhou o César (o Oscar francês) de Melhor Som, na premiação de 2017.
“A Odisseia de Jacques” é um filme importante sobre a face humana de um mito, além de trazer uma bela mensagem de esperança e alerta sobre a conservação do mundo em que vivemos.
Título Original: “L’Odyssée”