Círculo vicioso
“O Círculo”
O que você acharia de trabalhar em uma empresa gigante de tecnologia, uma mistura de Google, Facebook, Pixar, Sony e Apple? E não apenas ter um ótimo salário, plano de saúde, mil e uma atividades de lazer e até um apartamento na própria sede da empresa? Para isso, basta candidatar-se para a empresa que dá nome ao filme, “O Círculo” (“The Circle”, EUA, 2017).
Mae (Emma Watson) é uma jovem no início da vida profissional, que sonha ter um emprego mais interessante, enquanto sofre com a situação familiar, com um pai portador de esclerose múltipla. Sua vida é uma rotina entediante, que se divide entre a burocracia de teleatendimento em uma companhia de água, e a tristeza da condição do pai, que se deteriora a cada dia.
Tudo isso muda quando ela recebe uma ligação da amiga Annie (Karen Gillan), informando-a que ela foi selecionada para uma entrevista na empresa O Círculo, a maior empresa de tecnologia e mídia social do mundo. Mae sai-se bem na entrevista, e é contratada para um cargo de atendimento ao cliente.
Logo ela percebe que tudo na empresa é diferente. Constituída em sua maior parte por jovens, a empresa une todo tipo de informações das redes sociais, e seu último lançamento é uma prodigiosa minicâmera, capaz de transmitir som e imagem com ótima qualidade sem qualquer tipo de fios.
Mae fica aliviada quando recebe o suporte da empresa para a saúde do pai, ao mesmo tempo em que são estimulados pelo messiânico fundador da empresa Eamon Bailey (Tom Hanks), que percebe na moça um grande potencial como garota propaganda, tanto para o mercado, quanto para o mundo externo.
As propostas da empresa sempre conduzem para um total compartilhamento de informações de todos os tipos, e Mae adere a esse projeto passando a utilizar uma câmera pessoal que a acompanha 24 horas por dia.
Alguma coisa, entretanto, incomoda a jovem, principalmente quando ela descobre que não existe mais privacidade para ninguém, e que esta invasão leva a uma tragédia anunciada. Ela terá que tomar decisões que afetarão não apenas a sua vida, mas até de toda a Humanidade.
Talvez o leitor ache o tema futurista, mas nós já vivemos tempos em que a nossa privacidade é descaradamente devassada, muitas vezes com a nossa ajuda involuntária. Além da vontade das pessoas em expor a própria vida, tudo o que pesquisamos, compramos ou visitamos na internet é coletado e vendido para empresas com objetivos nem sempre nobres.
Mais perigoso ainda é o uso da exposição midiática para atingir alguém, usando a indignação das pessoas sem que elas tenham ideia de que estão sendo maliciosamente manipuladas. Isso acontece na política, no comércio e até nas relações interpessoais, como o ex que expõe fotos íntimas do companheiro, por exemplo.
“O Círculo” é um grito de alerta transvestido de entretenimento, mostrando que caminhamos para um mundo de escravidão midiática, onde quem tem a informação tem o poder – isso no sentido literal.
O filme traz algumas curiosidades que causam estranheza para nós brasileiros, como o fato de ter que se inscrever para votar numa eleição. Como a nossa eleição é obrigatória, não precisamos dessa etapa, que acontece em países de voto facultativo.
Como se poderia esperar, os efeitos gráficos são fascinantes, e as locações na Art Center College of Design, em Pasadena, California, realmente remetem a um ambiente futurista.
Emma Watson consegue se libertar de vez da Hermione Granger da saga Harry Potter, firmando-se cada vez mais como atriz profissional e competente. Tom Hanks também foge do padrão “bom rapaz”, num misto de empresário e pastor evangélico que representa o perfeito vilão dos dias atuais – e claramente inspirado em Steve Jobs. É notável também a atuação de Bill Paxton como portador de esclerose múltipla.
“O Círculo” é um filme interessante, que foge do lugar comum, e que desperta uma reflexão sobre o mundo em que vivemos e onde queremos – ou somos induzidos a – chegar.
Título Original: “The Circle”
Perfeito sua sintese deste filme. Gostei muito tambem.
Obrigado, minha cara.