Coluna Claquete – 20 de fevereiro de 2017 – Filmes da Semana: “Um Homem Chamado Ove” e “Terra de Minas”
Filmes da Semana: “Um Homem Chamado Ove” e “Terra de Minas”
Já vão longe os tempos em que o cinema sueco era reconhecido apenas pelos herméticos filmes de Ingmar Bergman. Nos últimos anos, filmes e séries produzidos nos países escandinavos tem alcançado um nível de excelência técnica e de conteúdo que ultrapassa mesmo a tradicional indústria de Hollywood. Prova disso são dois excelentes filmes finalistas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2017, o sueco “Um Homem Chamado Ove” e o dinamarquês “Terra de Minas”.
Apesar de terem temas bem diferentes, os dois filmes escandinavos contém um aspecto em comum, que veremos adiante. Obviamente, a qualidade técnica cinematográfica e cênica também são excepcionais, mesmo com atores pouco conhecidos do grande público.
“Um Homem Chamado Ove” (“En Man Som Heter Ove”, Suécia 2015) é baseado em um livro de mesmo nome, escrito por Fredrik Backman. Na história somos apresentados ao personagem Ove (Rolf Lassgård), um velho resmungão, irascível e extremamente metódico, que briga com qualquer coisa que se mexa, principalmente com os vizinhos do condomínio em que mora.
Uma coisa que ninguém percebe é que Ove já tentou o suicídio várias vezes, e sempre é atrapalhado por seus novos vizinhos, a imigrante iraniana Parvaneh (Bahar Pars), que está grávida, seu marido Patrick (Tobias Almborg) e as duas filhas do casal.
Enquanto a insistente Parvaneh começa a quebrar a couraça de autoisolamento de Ove, o espectador toma conhecimento da história dele, como a perda da mãe ainda na infância, e a relação estreita com o pai, um homem de poucas palavras mas de valores inabaláveis.
Além do pai, outra pessoa foi de uma importância extraordinária na vida de Ove, a mulher Sonja (Ida Engvoll), o grande amor de sua vida, a impulsionadora de seus sucessos e principal vítima da tragédia que mudou a história do casal.
A relação de Ove com Parvaneh e sua família faz o rabugento viúvo mudar a sua atitude com relação ao mundo, ao mesmo tempo em que lembra aos outros a pessoa correta, prestativa e companheira que sempre foi.
O filme “Terra de Minas” (“Under Sandet”, Dinamarca 2015) traz como tema um assunto pouco conhecido, mas que é considerado um crime de guerra tão grave quanto os cometidos pelos nazistas durante a ocupação na Segunda Guerra Mundial.
Após o final da guerra na Europa, em maio de 1945, as tropas alemãs na Dinamarca foram aprisionadas pelos Aliados. Naquela altura do conflito, boa parte das tropas alemãs eram constituídas por jovens, muitos deles ainda na adolescência, situação muito diferente das tropas profissionais do início do conflito.
Parte desses jovens é obrigada a treinar em desarmamento de minas, pois temendo um desembarque dos Aliados na costa da Dinamarca, os alemães haviam instalado mais de dois milhões de minas nas praias do país. Estima-se que dos dois mil prisioneiros submetidos a esta tarefa, pelo menos a metade morreu ou ficou gravemente ferida.
Sem nunca ter trabalhado com isso antes, sem comida ou equipamentos, um grupo de prisioneiros ficou sob o comando do Sargento Rasmussen (Roland Moller), que os tratava com dureza e os obrigava a trabalhar nas praias, desarmando e recolhendo os artefatos.
A convivência, as dificuldades, os acidentes e mesmo os conflitos com os superiores faz com que Rasmussen aos poucos mude a sua visão embrutecida pela guerra, e comece a enxergar nos rapazes não somente os inimigos, mas seres humanos.
Curiosamente, este é o ponto em comum entre estes filmes tão distintos. Enquanto Ove constrói uma máscara de irascibilidade para esconder a própria dor, o Sargento Rasmussen e todos à sua volta só enxergavam o inimigo nazista, mesmo naqueles jovens imberbes, que só desejavam voltar para casa.
Em ambos, só a convivência, a quebra de paradigmas, e a percepção da humanidade em si e no outro faz com os personagens entendam que somos todos companheiros da mesma condição humana.
Independente da premiação, estes dois filmes já valem o ingresso pela belíssima provocação que fazem, principalmente na época em que vivemos, onde a intolerância alcança níveis inimagináveis, e a cada dia mais e mais pessoas destilam o seu ódio contra estereótipos de uma maneira totalmente irracional.
Títulos Originais: “En Man Som Heter Ove” e “Under Sandet”