Se alguém um dia perguntar para que serve o Oscar, podemos dizer que, pelo menos a categoria de Melhor Filme Estrangeiro nos permite ter acesso a produções que dificilmente chegariam ao circuito comercial. Claro, quando não são boicotados pelos próprios governos, como foi o caso do nosso “Aquarius”. Mas, se não estamos representados na competição, vale conferir os outros, e encontramos algumas joias raras, como é o caso de “Tanna”, representante da Austrália e Vanuatu.
O filme tem pouco a ver com a Austrália, onde seus habitantes originais foram massacrados ou marginalizados pelos colonizadores ingleses. Para ser franco, precisei recorrer à internet para descobrir onde acontecia a história, e descobri que Vanuatu é uma antiga colônia franco-inglesa, com pouquíssimo tempo de vida independente.
O país é um arquipélago no sul do Pacífico, e Tanna é uma das 83 ilhas que o compõem. Embora seja uma das ilhas mais povoadas, com vinte mil habitantes, Tanna tem uma área menor que o município de Carnaubais, com 550 km².
Embora esses dados geográficos pareçam ter pouco a ver com o filme, eles mostram um lugar onde a civilização moderna não conseguiu destruir os costumes locais, onde vivem habitantes que seguem suas tradições e crenças existentes desde tempos imemoriais.
É neste ambiente peculiar que vive Wawa (Marie Wawa) uma jovem mulher que está concluindo a transição entre a adolescência e a maturidade, situação que é comemorada por toda a tribo, embora com as cobranças costumeiras.
Wawa ama seu povo e sua família, em especial a endiabrada irmã caçula Selin (Marceline Rofit) que parece nunca parar quieta. Mas, Wawa também tem um sentimento todo especial por Dain (Mungau Dain), neto do chefe da tribo, que foi seu amigo por toda vida.
Os Yakel, o povo de Wawa, tem uma grande veneração por Yahul, um vulcão ativo de fácil acesso, que representa para eles a divindade que lhes traz sabedoria. Quando Selin e seu avô fazem uma visita ao vulcão, eles são atacados por dois guerreiros Imedin, uma das tribos da ilha.
A agressão traz muita ira e desejo de vingança ao Yakel, mas, o chefe da tribo recebe uma mensagem divina, através de uma música, que diz que a vingança não leva a nada, a não ser para a destruição. O caso é levado ao conselho de todas as tribos, e um acordo é selado, onde a jovem Wawa será oferecida em casamento para fortalecer os laços com a tribo Imedin.
O problema é que nem Wawa nem Dain aceitam este destino e decidem fugir para viver o seu amor. Mas o mundo de Tanna é pequeno, e parece não haver nele lugar para amantes inocentes. Não parece existir um desfecho que não seja uma tragédia.
Alguém poderia ser tentado a pensar nesse enredo como uma cópia aborígene de Tristão e Isolda, ou Romeu e Julieta. Mas, o fato retratado ocorreu mesmo, em 1987. E provocou uma mudança de pensamento nas tradições da ilha, algo impensável até então.
O filme é surpreendente em muitos aspectos, principalmente na atuação do elenco, a maioria moradores reais da ilha, sem conhecimentos cênicos, mas que trazem realismo e charme às cenas.
A fotografia é fantástica, explorando de maneira primorosa as belas e estranhas paisagens da ilha, que incluem o vulcão, a floresta, planícies desérticas e um litoral luxuriante.
O filme é falado em bislama, o dialeto da ilha, o que não impede de explorar os belos diálogos ricos de humor e de ensinamentos sobre a arte da convivência.
“Tanna” é um filme muito interessante, com muitas camadas para compreensão e discussão, e que mostram como a condição humana é rica e variada, mesmo neste mundo perturbadamente globalizado.
Título Original: “Tanna”