Coluna Claquete – 05 de dezembro de 2016 – Filme da Semana: “Uma Turma Difícil”


Filme da Semana: “Uma Turma Difícil”
O acervo cinematográfico tem muitos filmes baseados na educação, e turmas de adolescentes mal comportados, que são “salvos” por um professor genial já fizeram sucesso desde “Ao Mestre, Com Carinho”, estrelado por Sidney Poitier. Mas, é sempre bom ver casos de sucesso como o que mostrado no excelente filme francês “Uma Turma Difícil” (“Les Heritiers”, 2014).
O Liceu Léon Blum é um colégio publico francês como tantos outros, situado no banlieue, o subúrbio, região mais pobre, habitada predominantemente por imigrantes e descendentes. Diferente de países como o Canadá, onde a imigração é muito seletiva, a França historicamente tem abrigado incontáveis grupos de imigrantes de muitos lugares, notadamente suas antigas colônias africanas e asiáticas.
Assim é o pequeno universo de uma das salas do penúltimo ano do liceu, formado por jovens de diferentes etnias, origens e religiões. A turma, uma das mais problemáticas da escola está sob a direção da Sra. Guéguen (Ariane Ascaride), que também dá aulas de História, Geografia e História da Arte.
O convívio não é fácil, principalmente pelo choque de culturas. A França, muito ciosa da separação entre a religião e estado advinda da Revolução de 1789, tem leis que impedem qualquer manifestação religiosa dentro de escolas e prédios públicos, incluindo aí simples crucifixos e os véus usados pelas muçulmanas, o que é ilustrado em uma das cenas iniciais do filme.
A insatisfação dos jovens é agravada pela própria idade, onde os últimos traços infantis ainda se chocam com a perspectiva da chegada da vida adulta.
É neste clima de tensão permanente que a Sra. Guéguen chega com uma proposta que a princípio soa como uma tarefa impossível. Ela propõe aos alunos a participação no Concurso Nacional de Resistência e Deportação, explorando o tema “crianças e adolescentes nos campos de concentração nazistas”.
A primeira reação dos alunos é de estupefação. Todos sabiam vagamente que a Segunda Guerra Mundial tinha sido contra os nazistas, uns poucos sabiam do Holocausto, mas ninguém imaginava o real envolvimento da França, principalmente no que dizia respeito ao tema.
Aceitando o trabalho com relutância, eles vão pesquisando como fazem os jovens da internet, copiando páginas da Wikipédia e figuras do Google. Estimulados pela Sra. Guéguen e pela bibliotecária (Geneviève Mnich), que sempre respondem suas perguntas com mais perguntas, eles vão aos poucos mergulhando no universo do tema, descobrindo as vítimas, seus testemunhos, e seus destinos.
Algumas cenas do filme são antológicas, como o testemunho de Léon Zyguel, um sobrevivente do Holocausto, que morreu pouco depois do lançamento do filme. Alguns conceitos são colocados em destaque, como a ideia de que toda figura tem um objetivo, e de que nenhuma piada é inocente, principalmente quando explora uma raça, religião ou opção sexual.
É possível que, a esta altura do texto, o leitor esteja pensando que já viu este filme antes. Se pensou em “Escritores da Liberdade”, estrelado por Hillary Swank, não deixa de ter razão, embora os pontos em comum sejam escolas pobres, turmas difíceis e pesquisas relacionadas à Segunda Guerra – além de professoras criativas e estimulantes.
No caso do colégio francês, além do caso ter sido real e ser retratado com notável fidelidade, os resultados foram surpreendentes, pois eles não apenas conseguiram o prêmio, como também a maioria da turma terminou o liceu com distinção. Um dos alunos, Ahmed Dramé, que sonhava fazer cinema, foi quem procurou a diretora Marie-Castille Mention-Schaar com a ideia do filme e os dois escreveram o roteiro do mesmo. Ahmed e sua irmã Koro também atuaram nos papéis de Malik e Léa.
Quando vemos estes casos de sucesso estudantil, é inevitável a pergunta: será que conseguiríamos o mesmo no Brasil? É difícil dizer, pois a realidade de ensino do Brasil é totalmente diferente da França ou Estados Unidos, lugares onde o ensino público é quase a totalidade em se tratando de fundamental e secundário.
Embora os problemas dos jovens seja universal, ainda mais em um mundo globalizado, no Brasil o ensino público é para pobres, e é igualmente pobre, com a exceção os institutos federais de educação.
Mas, independente de pobre ou rico, falta aos jovens o estímulo para o pensamento crítico, para perguntas que não tem respostas fáceis, para necessidades que vão além do ENEM e de um lugar numa universidade pública.
Como disse em entrevista a professora Anne Anglès, a verdadeira mestre que foi vivida nas telas por Ariane Ascaride, “Para mim, o objetivo era que aqueles alunos passassem do ter ao ser. Eu queria que eles aprendessem a ser e estar juntos, coletivamente, que eles se apropriassem dos valores daqueles que tiveram a sorte de sobreviver a este crime de massa, este genocídio, porque isso mexe com as pessoas, mesmo sendo extremamente pesado”.
“Uma Turma Difícil” é um filme muito interessante, totalmente diferente destes filmes bobos de colégio americano, mostrando como a intolerância que nos cerca e sufoca dia a dia pode ser aliviada com a simples e boa ideia de que estamos juntos no mesmo barco e que a união e a compreensão ainda são a melhor forma de resolver os problemas.
Título original: “Les Heritiers”