Coluna Claquete – 21 de novembro de 2016 – Filme da Semana: “Capitão Fantástico”
Filme da Semana: “Capitão Fantástico”
Uma das coisas mais difíceis na vida certamente é como educar corretamente seus filhos. A verdade é que, além de cada indivíduo ser único, as condições que os permeiam também o são, e cada um tenta fazer o que é certo baseado nas suas próprias convicções. Este é o tema implícito no interessante filme “Capitão Fantástico”, do diretor e roteirista Matt Ross.
Ben Cash (Viggo Mortensen) havia feito a sua escolha. Ele vivia com os seis filhos em uma região montanhosa do estado de Washington, nas florestas de pinheiros do noroeste americano, próximo do Canadá. Ali eles viviam uma vida espartana, dividindo-se entre caçadas, intensos treinamentos físicos, escaladas, defesa pessoal, etc., e ainda estudos nas mais diversas áreas do conhecimento, línguas estrangeiras, filosofia, política e muito mais.
Em meio a essa intensa vida, uma coisa estava fazendo falta à família, a mãe, Leslie (Trin Miller), ausente para tratamento de saúde. Mas, quando procura saber notícias da mulher, Ben é surpreendido pela notícia de que ela se suicidara. Ao entrar em contato com o sogro, Jack (Frank Langella), este ameaça mandar prendê-lo se ele aparecer no funeral.
Ainda triste pela perda da mulher, Ben verifica que o último desejo da esposa era ser cremada, o que, após alguma indecisão, o leva a empreender com os filhos a longa viagem até o Novo México, para satisfazer o desejo dela.
A viagem é uma grande novidade para as crianças, que só conheciam uma pequena vila próximo de seu refúgio. A visão de milhares de carros entulhando as rodovias, imensos supermercados e outros ícones do capitalismo surpreende as crianças, sempre com a visão crítica de Ben sobre este mundo.
O primeiro choque entre os mundos é na casa de Harper (Kathryn Hahn), a irmã de Ben, que com o marido Dave (Steve Zahn) e os dois filhos adolescentes formam a típica família americana, alienada e consumista. Enquanto Harper e Dave fazem mil rodeios para explicar a morte de Leslie, Ben vai direto ao ponto, explicando com clareza o que aconteceu.
Mas, o esperado escândalo acontece no funeral de Leslie, uma cerimônia elegante em uma igreja tradicional, com dezenas de convidados. Por mais que Ben tente mostrar que está tentando cumprir o último desejo de Leslie, o sogro é inflexível e ameaça prendê-lo se continuar a insistir.
Este choque de mundos afeta a todos, inclusive às crianças. Bo (George Mackay), o mais velho, aplicara para as melhores universidades do país, sendo aceito por várias delas. Rellian (Nicholas Hamilton), quer ficar com os avós. O próprio Ben começa a se questionar se suas escolhas foram acertadas ou não.
O filme de Matt Ross traz uma crítica feroz sobre o modo de vida americano, e sua maneira alienada de educar os filhos. Embora o modo de vida waldeniano de Ben também seja fora da realidade, não resta dúvida sobre o que o diretor considera o caminho mais correto.
Algumas das cenas mais divertidas do filme acontecem quando os filhos questionam Ben sobre sexo, situações que normalmente são embaraçosas para os pais, principalmente numa sociedade conservadora como a americana. Mas, a lição do filme é: não deixe nenhuma pergunta sem resposta.
Um ponto que gera polêmica entre os espectadores é a forma como a religião é mostrada no filme. Leslie se considerava budista mais pela filosofia que a organização religiosa. Mas o que choca mais é quando Ben substitui o Natal pelo dia de Noam Chomsky, por considerar um humanista mais importante que “um elfo mágico fictício”.
A grande mensagem do filme não é dizer o que é correto ou não, mas sim, de levantar as discussões sobre a educação e relacionamento familiar, questionando o modo de vida alienado da sociedade em que vivemos, num mundo cada vez mais consumista.
O filme, que foi exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2016, é tecnicamente muito bem feito, e além das lindas crianças do elenco, traz a excepcional atuação de Viggo Mortensen e do veterano Frank Langella. Recomendo a todos, mesmo que seja só para ver onde Leslie queria que suas cinzas fossem depositadas.
Título original: “Captain Fantastic”