Coluna Claquete – 29 de Agosto de 2016 – Filme da Semana: “Guernica”


Filme da Semana: “Guernica”
A história da Humanidade é repleta de conflitos, tantos que a maioria das pessoas tem conhecimento apenas dos mais importantes. Mas, um destes conflitos, a Guerra Civil Espanhola, foi marcada por um acontecimento tão brutal e covarde que foi imortalizado por Pablo Picasso em uma pintura excepcional. O quadro, a cidade e o filme inspirado nesta trágica história tem o mesmo nome: “Guernica” (“Gernika”, 2016).
Para ajudar o leitor, farei uma brevíssima contextualização. Após a o fim da monarquia no início da década de 1930, foi instalado o sistema republicano na Espanha. Ao longo da década, os embates entre a esquerda e direita culminaram com um golpe militar liderado pelo general Franco, que desencadeou uma guerra sangrenta que se arrastaria até 1939.
Os nacionalistas, de Franco, tinham o apoio de Hitler e Mussolini, enquanto os republicanos eram suportados pela União Soviética. A situação mundial era de muita tensão, pois todos sabiam que logo aconteceria uma nova guerra mundial.
O mundo naquele momento era muito diferente de hoje. A Alemanha e Itália, sob o domínio de Hitler e Mussolini, haviam ressurgido dos escombros da Primeira Grande Guerra, e eram de novo potências militares cada vez mais agressivas.
A Inglaterra ainda detinha tantas colônias, incluídas a Índia e Paquistão, que tinha o apelido “o império onde o sol nunca se põe”. A África, com poucas exceções, era formada por colônias europeias.
Em boa parte do mundo, inclusive no Brasil de Vargas, os governos eram ditaduras de extrema direita. O Japão saíra de um isolamento milenar para um expansionismo belicoso, já tendo invadido a Manchúria e boa parte da China.
Neste nível de tensão, era natural que Estados Unidos, Inglaterra e França evitassem se envolver no conflito espanhol, pois já previam uma guerra muito maior à sua frente.
É neste momento que encontramos em Bilbao, no norte da Espanha, um grupo de jornalistas que tenta cobrir a guerra. Entre eles está o americano Henry Howell (James D’Arcy), um jornalista veterano na cobertura de outras guerras. Cínico e desiludido, Howell irrita-se com a censura do departamento de comunicação dos republicanos, que impede que ele comunique qualquer notícia que pareça ser negativa.
Os censores do departamento são Teresa (Maria Valverde) e o russo Vasyl (Jack Davenport), este último cumprindo instruções recebidas diretamente de Moscou.
Howell é obrigado a confrontar os seus próprios demônios quando entende que é preciso que o mundo saiba o que realmente está acontecendo ali. O momento de ruptura será o covarde bombardeio da pequena cidade de Guernica, feito por aviões alemães e italianos, testando com sucesso uma nova tática de guerra, a blitzkrieg.
É curioso como Hollywood se apropria dos fatos históricos para recontá-los com sua versão. O personagem de Howell é inspirado em George Steer, um jornalista britânico nascido na África do Sul. Embora ele não estivesse na cidade na hora do bombardeio, ele chegou lá pouco depois e pode construir a história baseado no que via e no relato dos sobreviventes. O telegrama que enviou para o seu jornal, o Times de Londres, é considerado um marco na história do jornalismo. Curiosamente, ele terminou perdendo o emprego, pois o editor simpatizava com o general Franco.
Embora o filme tenha primado pela reconstituição de época, algumas liberdades poéticas ficaram destoantes, como o uso de telefonema intercontinental com grande facilidade. Lembro que na década de 1960, conseguir uma ligação para outro estado já era uma complicação, imagine-se nos anos 30 e em meio a uma guerra…
O famoso pintor espanhol Pablo Picasso inspirou-se na trágica história do bombardeio para fazer o que seria o seu quadro mais famoso. Contudo, ele impôs uma condição: o quadro só poderia vir para a Espanha quando a democracia fosse restabelecida. Esse desejo demorou muito para ser realizado, pois o general Franco ainda governaria a Espanha com mão de ferro até a sua morte, em 1975.
Para quem se interessar por este assunto, recomendo, além de “Guernica”, também os filmes “Terra e Liberdade”, “Libertárias” e “Hemingway & Martha”. E, em livros, “Homenagem a Catalunha”, de George Orwell, “Por Quem os Sinos Dobram?”, de Ernest Hemingway, e “Saga”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo.