Coluna Claquete – 24 de maio de 2016 – Filme da Semana: “Ninguém Quer a Noite”


  

 

Newton Ramalho

 

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Filme da Semana: “Ninguém Quer a Noite” 

 Lembro que quando era criança, costumávamos ver como heróis os exploradores que viajavam para lugares longínquos, excitando a imaginação das pessoas comuns. Embora realmente estes senhores tenham sido especiais, dificilmente eles teriam alcançado sucesso sem o suporte das pessoas comuns, que depois foram deliberadamente ignoradas e esquecidas. Um filme que nos ajuda a pensar a respeito é “Ninguém Quer a Noite”, dirigida pela cineasta catalã Isabel Coixet.

No filme acompanhamos a história de Josephine Peary, vivida pela magnífica atriz francesa Juliette Binoche. Josephine é mulher do famoso explorador Robert Peary, que fez diversas expedições ao Ártico, sempre em busca do Polo Norte geográfico.

Josephine era tão aventureira quanto o marido, e também dominada pela obsessão do marido para alcançar o Polo. Ela chegou a acompanhar o marido mesmo estando grávida, dando a luz em pleno Ártico, recebendo o apelido de “bebê da neve”.

No começo do século 20 ela vai em busca do marido, que se aventurara em mais uma expedição. Contrariando a opinião de todos os amigos que viviam na região, ela insiste em seguir em frente, mesmo estando próximo do inverno.

Com muita dificuldade e perda de vida e suprimentos, ela consegue chegar em um posto avançado, onde decide aguardar a chegada de Peary – mais uma vez contrariando o conselho do guia local. A única pessoa que permanece no local é Allaka (Rinko Kikuchi), uma jovem inuit. Para os desavisados, embora sempre tenham sido tratados de “esquimós”, os habitantes do norte do Canadá preferem ser chamados de inuit.

Intrigada com a jovem, ela descobre que a moça tem algo em comum com ela, pois era a companheira local do explorador! A convivência a princípio é difícil, mas com a chegada do inverno, elas são obrigadas a ajudar-se mutuamente. Mais do que isso, elas terão que alimentar e proteger outra pessoa, pois a jovem estava grávida.

A vida torna-se impossível, pois o inverno rigoroso, no qual o sol se esconde por seis meses, cobrará o seu tributo.

A dramatização dos fatos teve algumas liberdades poéticas, mas traz à tona a forma como os nativos de todos os lugares eram considerados e tratados pelos exploradores brancos. Arrogantes, desrespeitosos, e julgando-se donos de tudo, eles tinham como objetivo único a sua missão, mesmo que para alcançá-la, fosse preciso o sacrifício dos locais.

Numa época onde os homens dominavam todas as atividades, era comum que a mulher fosse considerada um acessório. A prática de arranjar companheiras nativas era comum, embora – como aconteceu na realidade – elas e seus filhos fossem deliberadamente esquecidos, com a volta dos exploradores à civilização.

Curiosamente, o braço direito de Peary era um homem negro, Matthew Henson, que aparece brevemente no filme atual. Henson, cuja vida também motivou o filme “Glory & Honor”, apesar de ter um papel vital nas expedições de Peary, passou décadas sendo olimpicamente ignorado. Henson também teve uma companheira inuit, como Peary, e como ele, deixou tudo para trás ao voltar para casa. Em 1986, pesquisadores da Harvard Foundation procuraram descendentes de Peary e Henson e encontraram os filhos dos dois, Kali e Anauakaq, respectivamente.

Poderíamos pensar que isso era o comportamento do passado, mas quando se constata a devastação que o “homem civilizado” causa na natureza e nas pessoas simples que vivem nos ambientes invadidos, vemos que o comportamento predador ainda continua.

No ambiente de intolerância em que vivemos, é sempre interessante parar para pensar se o que fazemos é o certo, ou se estamos tão embrutecidos que não nos damos conta de qual é o nosso verdadeiro papel neste mundo de Deus.