Coluna Claquete – 29/03/2016 – Filme da Semana: “Os Cinco Sentidos”


 

Filme da Semana: “Os Cinco Sentidos”
Considerado o mais intelectual dos festivais para filmes comerciais, o Festival de Cannes, muitas vezes, premia filmes herméticos, e, de difícil aceitação para o público em geral. São filmes como o iraniano “Gosto de cereja”, ou, o francês “Sob o sol de Satã”, que deixam o grande público confuso, por ter uma ótica diferente do padrão hollywoodiano. Outros filmes premiados dividem as opiniões, como “Apocalipse Now”, “sexo, mentiras e videotapes”, ou, “Pulp fiction”. Um filme que certamente foi acrescentado a esta lista é o canadense “Os Cinco Sentidos” (“The Five Senses”).

Fugindo da apresentação tradicional, “Os Cinco Sentidos” não se resume a uma única história, mas seis, num entrelaçado de vidas durante um período de três dias. O que serve de ligação entre todos é o desaparecimento de uma garotinha de três anos, perdida durante um passeio no parque.

Os outros personagens têm suas personalidades, e, expressões, associadas aos sentidos – daí o título. Rachel (Nadia Litz), uma adolescente introvertida, sente-se culpada pela morte do pai. É a única personagem que usa óculos, e, que assume o papel de observadora do mundo, embora viva à parte dele. Por ter deixado de olhar a garotinha, Rachel é responsável por sua perda. Em compensação, consegue perceber, em um novo amigo, sentimentos e emoções, que nem mesmo ele percebia.

Ruth (Gabrielle Rose), a mãe de Ruth, é massagista profissional, e, ganha a vida aliviando as dores dos outros, com o toque de suas mãos. Apesar deste talento, após a morte do marido, não consegue tocar ou ser tocada por ninguém. Até mesmo a filha é mantida à distância, numa relação fria e formal. Quando é obrigada a manter um contato estreito com a mãe da garotinha perdida, é forçada a tocar o mundo real.

Richard (Philippe Volter), o oftalmologista que trabalha vizinho a Ruth, está perdendo a audição, e, faz uma lista dos sons que quer preservar na memória. Sons como a chuva, a música, uma simples conversa, a voz da filha distante, etc.. É através de uma prostituta, cuja filha é surda de nascença, que ele percebe que existe mais de uma forma de se escutar as coisas.

Robert (Daniel MacIvor), é um faxineiro que adora o seu trabalho. Nos últimos tempos, encontra-se com todos os ex-amantes, homens, e, mulheres, para comprovar a sua teoria de que o amor proporciona um cheiro especial. Decepcionado, por não encontrar o cheiro que procura entre eles, descobre ser amado por outras pessoas.

Por fim, Rona (Mary Louise-Parker), a doceira que faz belíssimos bolos e doces, mas não se importa com o sabor que tenham. Apesar do paladar aguçado, ela acha que só o aspecto externo é suficiente para atender as pessoas, assim como nas suas próprias relações, que nunca vão além do superficial. Quando resssurge, na sua vida, Roberto, um chef italiano que conhecera na Europa, Rona deixa-se envolver por emoções que sempre controlara. Para complicar, sua mãe é doente terminal de câncer, o que lhe causa um sentimento de culpa pela distância que mantém da mesma.

Os principais personagens – todos com nomes iniciados em “r” – são contidos e introvertidos, cheios de problemas, e, presos em seus próprios mundos. O elo entre todos é a garotinha Amy, que fez parte da vida de cada um, de alguma forma, até pela lembrança que inspira. O elenco é multinacional: Mary Louise-Parker é americana, Gabrielle Rose, Nadia Litz e Daniel MacIvor são canadenses, Philippe Volter é francês e Marco Leonardi é australiano. Todos são atores experientes e conseguem dar aos seus personagens a carga emocional necessária.

“Os Cinco Sentidos” não é um filme de fácil assimilação. É uma visão do mundo normal, por uma ótica “anormal”, mostrando situações comuns, de uma maneira exacerbada. É como uma colcha de retalhos, aparentemente desconexos, mas, que levam à reflexão. Vale à pena assistir, nem que seja para fugir do hamburger-com-coca de Hollywood, pelo menos de vez em quando. Experimentem.