Coluna Claquete – 10 de março de 2016 – Filme da Semana: “Memórias Secretas”


 

 

Newton Ramalho

 

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Filme da Semana: “Memórias Secretas”
Dificilmente algum evento da História Humana terá se lastreado e gerado tanto ódio como a Segunda Guerra Mundial, não apenas pelo número de atores envolvidos como pelo número de vítimas diretas ou indiretas, tudo isso motivado pela cobiça e justificado pela intolerância. Alguns destes aspectos estão retratados no magnífico filme de Atom Egoyan, “Memórias Secretas” (“Remember”).
O início da história nos remete a outros filmes que exploram o universo dos idosos, como “Coccoon”, “Dois Velhos Rabugentos”, “O Exótico Hotel Marigold”, “Antes de Partir”, “E Se Vivêssemos Todos Juntos?”, e tantos outros.
Em uma residência para idosos, Zev (Christopher Plummer) sofre de demência senil, e não consegue nem lembrar que a esposa morreu de câncer recentemente. Quem lhe dá suporte é o amigo Max (Martin Landau), apesar da condição frágil de saúde, que o prende a um balão de oxigênio e uma cadeira de rodas.
Após o último dia da semana de luto do ritual judeu, Max passa para Zev as instruções do que deve fazer a partir de então. Com todas as orientações de Max em uma detalhada carta, Zev deve sair em uma derradeira missão de busca de um antigo oficial nazista do campo de Aschwitz, onde ambos foram prisioneiros.
Mesmo com suas deficiências de memória recente e as dificuldades da idade, Zev foge do centro de idosos com a ajuda de Max. Sua missão é identificar e matar o ex-nazista que se esconde sob o nome de Rudy Kurlander. O problema é que existem quatro imigrantes alemães com este nome nos Estados Unidos e Canadá, cabendo a Zev a função de reconhecer o verdadeiro ex-oficial.
Zev percorre uma longa jornada entre Nova York, Ohio, Ontário, Idaho e Nevada. A cada etapa da viagem o idoso encontra dificuldades, mas, também pessoas que procuram ajudá-lo da melhor forma.
Em sua busca por vingança, ele também descobre os vários envolvidos no conflito, que pouco ou nada tinham a ver consigo, como o homônimo do nazista que lutou pela Alemanha mas nada sabia sobre os campos de extermínio, outras vítimas além de judeus, como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová ou comunistas.
Zev descobre também que existem nazistas jovens, igualmente consumidos pelo preconceito e pelo ódio, vivendo e atuando na dita maior nação democrática. Sua jornada só chegará ao fim quando encontra o verdadeiro criminoso, e comete o derradeiro ato de justiça.
Além do ótimo roteiro de Benjamim August, a direção segura do egípcio Atom Egoyan conduz à perfeição um time de magníficos baluartes do cinema: Christopher Plummer, o eterno Capitão Von Trapp de “A Noviça Rebelde”, Martin Landau, e Jürgen Prochnow.
Muitos detalhes são exibidos sem grande destaque, mas remetem à Segunda Guerra, como os vagões fechados que transportavam os prisioneiros para os campos, os alto-falantes que transmitiam as ordens, os sons de uma pedreira, tais quais os dos canhões e bombas, e até a associação da música de Wagner com o nazismo.
O filme não deixa de provocar, ao mostrar a facilidade com que se compra armas nos Estados Unidos, e o sentimento de um segurança ao lembrar de sua primeira pistola (e não questionar porque um nonagenário estava armado), ou mesmo do neonazista que conserva um uniforme da SS pelo saudosismo do pai.
Embora tenha recebido críticas não muito favoráveis, “Memórias Secretas” é um belo exercício de questionamento sobre a vida e os atos humanos, e sobre o que é importante ou não.
Não há dúvidas que um dos objetivos do filme seja exatamente despertar as discussões sobre o Holocausto – não só dos judeus, mas de tantas outras vítimas – além do mal que o ódio e a intolerância causaram e continuam causando à Humanidade.
Contudo, há uma sutil pergunta que fica incomodando como uma farpa no dedo: aquilo que você acredita é verdadeiro, ou apenas o que outros querem que você acredite?
Políticos, imprensa, religiosos fanáticos, multinacionais e outros agentes usam a desinformação e a calúnia para criar um universo paralelo e induzir as pessoas a fazer o que eles querem.  Isso nunca foi tão real quanto o que está acontecendo hoje em dia, no Brasil, nos Estados Unidos, e possivelmente no resto do mundo.