Claquete 18 de fevereiro de 2005

Newton Ramalho – colunaclaquete@gmail.com

O que está em cartaz

Enquanto se aproxima o dia da premiação do Oscar, que acontecerá dia 27 deste mês, o natalense tem a rara oportunidade de conferir alguns títulos que estarão concorrendo às estatuetas. Entre estes, estréia, esta semana, “Mar Adentro”, que concorre a Melhor Filme Estrangeiro. A outra estréia da semana é a comédia romântica “Hitch – Conselheiro Amoroso”, com Will Smith. Nas continuações, dois concorrentes a Melhor Filme, “Menina de Ouro”, dirigido e estrelado pelo ótimo Clint Eastwood, e, “O Aviador”, de Martin Scorsese, estrelado por Leonardo DiCaprio. Correndo por fora, tem “Perto Demais”, com Julia Roberts, e, Natalie Portman, que foi indicada a melhor coadjuvante. Continua, ainda, em cartaz, o polêmico “Alexandre”, de Oliver Stone, com direito a muitas batalhas e beijos, e, “Jogos Mortais”, um terror psicológico vindo do cinema independente. Para os amantes das comédias, o besteirol “Entrando Numa Fria Ainda Maior”, que tem, como maior mérito, reunir Robert de Niro, Dustin Hoffman, e, Barbra Streisand, na mesma tela. Se não viu ainda, experimente o surpreendente “Em Busca da Terra do Nunca”, drama estrelado por Johnny Depp, que vive o criador de Peter Pan. Para a gurizada, sobrou “Eliana em O Segredo dos Golfinhos”, com a apresentadora infantil Eliana. Finalmente, para o pessoal que curte um cinema de arte, o Filme de Arte do Cine Natal 1, traz a produção franco-chinesa “Balzac e a Costureirinha Chinesa”. Boa diversão!

Estréia 1: “Mar Adentro”

Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um homem que luta para ter o direito de pôr fim à sua própria vida. Na juventude, ele sofreu um acidente, que o deixou tetraplégico, e, preso a uma cama por 28 anos. Lúcido, e, extremamente inteligente, Ramón decide lutar na justiça pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe gera problemas com a igreja, a sociedade, e, até mesmo, com seus familiares. Ramón Sampedro é um personagem real, que viveu em uma pequena vila de pescadores da Galícia. A sua luta judicial demorou cinco anos. O direito à eutanásia ativa voluntária não lhe foi concedido, pois a lei espanhola caracterizaria este tipo de ação como homicídio. Com o auxílio de amigos, planejou a sua morte, de maneira a não incriminar ninguém. No dia 15 de janeiro de 1998 foi encontrado morto, de manhã, por ingestão de cianureto. Ele gravou, em vídeo, os seus últimos minutos de vida. Uma amiga de Ramón foi incriminada pela polícia como sendo a responsável pelo homicídio, mas, um movimento internacional de pessoas enviou centenas de cartas “confessando o mesmo crime”. A justiça, alegando impossibilidade de levantar todas as evidências, acabou arquivando o processo. Dirigido por Alejandro Amenábar, o filme recebeu duas indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Maquiagem. “Mar Adentro” estréia, nesta sexta-feira, no Cine 5 do Moviecom. Para maiores de 12 anos.


Estréia 2: “Hitch – Conselheiro Amoroso”

Alex “Hitch” Hitchens (Will Smith) é um lendário, e propositalmente anônimo, “doutor do amor”, que vive em Nova York. Em troca de uma determinada taxa, ele se dispõe a ajudar homens a conquistar as mulheres de seus sonhos. Enquanto trabalha para Albert (Kevin James), um contador que se apaixonou pela socialite Allegra Cole (Amber Valetta), Hitch conhece a mulher que acredita ser sua própria cara-metade: a jornalista Sara Melas (Eva Mendes). Apaixonado, Hitch decide conquistá-la mesmo correndo o risco de ter sua identidade desvendada pelo jornal em que Sara trabalha, um jornal tablóide especializado em fofocas. Neste filme, sob a direção de Andy Tennant, Smith foge do gênero ação, que tem sido sua marca, nos últimos anos. “Hithc – Conselheiro Amoroso” estréia, nesta sexta-feira, no Cine Natal 1, e, no Cine 6 do Moviecom. Para maiores de dez anos.


Filme de Arte: “Balzac e a Costureirinha Chinesa”

A sessão Filme de Arte, do Cine Natal 1, traz a produção franco-chinesa “Balzac e a Costureirinha Chinesa”. Luo (Chen Kun) e Ma (Liu Ye) são dois jovens de 17 anos que, em plenos anos 70, vivem na China comandada por Mao Tsé-Tung. Os dois são encarados como inimigos do povo por serem filhos de médicos e dentistas, considerados burgueses reacionários. Luo e Ma são, então, presos, e, encaminhados a um “campo de reeducação”, em uma vila isolada no Tibete. Todos os livros de Luo são queimados, mas, Ma consegue manter seu violino, ao alegar que Mozart compunha para o Presidente Mao. No campo, eles apenas encontram alívio nas músicas tocadas por Ma, e, nas histórias narradas por Luo, até conhecerem uma costureirinha (Zhou Xun) por quem ambos se apaixonam. Ela, então, lhes revela um precioso tesouro: livros considerados subversivos, de autoria de Flaubert, Tolstói, Victor Hugo, e, Balzac, que estão de posse de Quatro Olhos (Wang Hongwei), outro jovem que está sendo reeducado, e, prestes a retornar à cidade. O trio, então, decide roubá-los. “Balzac e a Costureirinha Chinesa”, dirigido por Daí Sijie, terá sessão única, às 21h do dia 22, terça-feira, no Cine Natal 1. Para maiores de 12 anos.


Filmes de Glauber, restaurados, em DVD

Com o patrocínio da Petrobrás, vários filmes do mais famoso cineasta brasileiro, foram restaurados, e, preservados em formato digital. Entre os títulos restaurados, a versão original de “Terra em Transe”, que foi apresentada, na útlima segunda-feira, na Berlinale, o Festival Internacional de Cinema de Berlim. Os outros filmes da coleção são o primeiro longa-metragem, “Barravento” (1961), “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), “Antônio das Mortes – O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969), “História do Brasil” (realizado em Cuba, em 1974), e, “A Idade da Terra” (1980). A estatal também patrocinou a restauração da obra de Nelson Pereira dos Santos, que incluiu “Como era Gostoso o meu Francês”, e, “Rio 40 Graus”.

Efeito Borboleta, em DVD

Um dos filmes mais perturbadores, sobre viagens no tempo, “Efeito Borboleta”, chega agora, em DVD. Evan é um jovem que descobre a habilidade de voltar sua consciência no tempo. Ele usa este poder para retornar à sua conturbada infância, marcada por problemas de memória, e, mudar o rumo de sua vida, alterando o presente da mulher que ama, de seus amigos, e, da família. Mas, logo ele descobre que, manipular o passado não significa controlar o futuro. O filme é inspirado em um conto de Ray Bradbury, “Um Som de Trovão”. O disco traz, além do filme, Trailer, Bastidores, Entrevistas, Cenas Excluídas e Alternativas, Processo Criativo, Storyboard, Efeitos Visuais, e, Por Trás da Cena. Lamentavelmente, a imagem está em Tela Cheia, mas, ao menos o áudio original, em inglês, foi masterizado em Dolby Digital 5.1.

Cadê “Herói”, minha gente?…

Um dos filmes mais esperados, “Herói”, estrelado por Jet Li, continua sem data anunciada para estréia. O curioso é que, o filme de 2002, até já foi exibido, no Brasil, em festivais de cinema, mas, nunca entrou no circuito comercial. No exterior, além de já ter passado à vontade, nos cinemas, já foi até lançado em DVD. O filme é do diretor Zhang Yimou, que fez o belíssimo “Caminho Para Casa”, e, o recente “O Clã das Adagas Voadoras”, indicado ao Oscar de Melhor Fotografia. Fica, aqui, registrado o protesto dos aficionados pelo filme.

Tesouros de Walt Disney: “Sinfonias Ingênuas”, em DVD

Quando ouvimos o nome Disney, lembramos da infinidade de produtos que levam a famosa marca. Mas, houve uma época em que praticamente se faziam experimentos, a fase romântica da Disney. Parte desta história está preservada no DVD “Tesouros de Walt Disney – Sinfonias Ingênuas”. O disco contém 31 desenhos, lançados entre 1929 e 1939, incluindo, entre eles, seis animações premiadas com o Oscar, além de oferecer uma visão histórica da evolução do desenho animado. São pequenos musicais, que serviram para Walt Disney experimentar novas tecnologias e estilos musicais.

Filme recomendado: “Encantadora de Baleias”

A menina que queria ser rei

Muitas vezes, mesmo sem intenção, impomos, aos nossos filhos, os nossos desejos e aspirações. Isso acontece porque, devido a nossas próprias experiências e frustrações, achamos que sabemos o que é melhor para eles. Os jovens, por sua vez, mais abertos ao seu próprio tempo, acreditam que o novo sempre é melhor, e, terminam acontecendo os choques entre as gerações. Isto é um fenômeno universal, e, nada melhor para demonstra-lo do que a belíssima produção neo-zelandesa, “Encantadora de Baleias”.

Uma das mais antigas lendas do país fala de Paikea, o primeiro líder da nação, que chegou do mar cavalgando uma baleia, que o salvou de um naufrágio. Desde então, a liderança sempre passa para o primogênito da família, que conserva, entre inúmeras habilidades, a de comunicar-se com as baleias.

Essa tradição parece chegar ao fim, quando uma desgraça acontece com a família de Porourangi, o primogênito e herdeiro do atual líder, Koro. A mulher de Porourangi morre no parto, juntamente com um dos gêmeos, exatamente o homem. A única sobrevivente é uma menina. Revoltado, o pai dá à menina, o nome sagrado, que seria destinado ao menino: Paikea.

Passa-se mais de dez anos. Paikea, ou Pai, como é carinhosamente chamada, tornou-se uma garota bonita, muito interessada nos costumes e tradições de seu povo, ao contrário da maioria dos garotos locais. Embora seja querida, pelos avós, tios, e, amigos, Pai ainda tem contra si o fato de ser uma menina. Koro ainda tem esperança de que o filho volte para casa, e, dê um novo herdeiro para o seu povo.

Porourangi vem para casa, para rever a filha, e, contar suas aventuras, como artista, na Europa. Para decepção do pai, informa que a namorada alemã está grávida, e, que os dois irão casar-se.

Abalado com o que considera uma traição à sua cultura, Koro decide encontrar um novo líder entre os meninos da aldeia, reativando uma escola para ensinar as tradições aos garotos. Paikea insiste em participar das lições, mas, é rechaçada, pelo avô.

A garota continua aprendendo o que pode, escondida, e, graças à cumplicidade da avó, consegue, inclusive, aprender o uso da Taiaha, um bastão utilizado pelas antigas tribos maoris. Essa arma aterrorizava os ingleses, e, era considerada a mais letal, para combates corpo a corpo. Para surpresa da garota, o tio obeso, que vive jogando sinuca com outros desocupados, foi, no passado, um exímio praticante da taiaha, chegando a ganhar competições nacionais. É ele quem treina a garota.

A cada descoberta, das habilidades de Pai, é gerada uma nova crise com Koro. O velho líder, decepciona-se com os meninos, que não parecem ter a chama interna necessária ao futuro chefe, e, que parece brotar apenas em Pai. O destino irá preparar o enlace final, quando inúmeras baleias encalham na praia da aldeia, e, parecem destinadas à morte, apesar de todos os esforços dos locais.

“Encantadora de Baleias” é uma interessante fábula, que une a beleza das tradições culturais, com a adaptabilidade necessária para a preservação da vida, das relações sociais, e, da própria cultura.

No estranho conflito de gerações mostrado no filme, é curioso que, assim como na vida real, os papéis parecem sempre estar trocados. O filho mais velho, Porourangi, abandona o posto que seria seu, por direito, enquanto que o irmão, Rawiri, apesar de manter-se fiel ao pai, e, às tradições, não é o primogênito. Pai, desde criança, ama todas as manifestações de sua gente, e, mostra-se cada vez mais determinada a assumir o papel de herdeira, mas esbarra no avô, que, apesar de ama-la profundamente, apega-se às tradições seculares.

Mais do que um simples conflito familiar, “Encantadora de Baleias” traz à tona um problema universal, o da perda dos valores culturais tradicionais, em troca das “maravilhas” da civilização globalizada. Não é muito diferente o quadro dos nativos embriagados, jogando sinuca, ou, simplesmente, fazendo nada, enquanto sua cultura desmorona, rumo ao esquecimento. No filme, são maoris, mas, poderiam ser índios norte-americanos, brasileiros, tribos africanas, ou, até mesmo, o nosso próprio povo, perdendo, pela segunda vez, os nossos valores culturais, em detrimento dos de fora.

O elenco, formado todo de neo-zelandeses, está primoroso. A menina Keisha Castle-Hughes, que nunca havia atuado antes, tornou-se, aos 13 anos, a mais jovem indicada ao Oscar de Melhor Atriz, na história da premiação. Curioso é que, nos testes para obter o papel principal, a garota disse, aos produtores, que sabia nadar. Porém, já durante as filmagens, Keisha revelou que mentira nos testes, e, que não sabia nadar. Para substituí-la, nas cenas, foi, então, usada uma dublê de corpo.

A edição em DVD, para ser melhor, poderia ter a imagem original, ao invés da famigerada tela cheia. Mas, ao menos, o áudio veio em Dolby Digital 5.1 (inglês) e 2.0 (português). Como extras, Trailer de cinema, Making-of legendado, e, com 27 minutos de duração, Notas de Produção, Notas do Elenco e Diretor, Comentários, Outros Títulos, Galeria de Fotos, Cenas Excluídas. Nestas, é que podemos ver a beleza do formato original, que foi, literalmente, amputado, para caber no formato tela cheia.

“Encantadora de Baleias” é um belo filme, que levanta questionamentos interessantes, sobre as responsabilidades de cada um, na preservação de seu povo, e, da sua cultura. Mais do que uma exótica história nos Mares do Sul, o que temos aqui é uma lição sobre os verdadeiros valores, e, dos sacrifícios necessários, para preserva-los.