Les revenants

Quem é morto sempre aparece

Desde que o homem conseguiu pensar em algo além de satisfazer a fome, a curiosidade sobre o que acontece após a morte sempre fascinou todas as culturas. Este fascínio manifestou-se nas mais diversas expressões artísticas, e o cinema não poderia ficar de fora, como muitos filmes de drama, terror e mistério trazendo personagens sobrenaturais para o convívio com os vivos. Mas, e se, ao invés de fantasmas, vampiros, zumbis, o que viesse fosse mesmo as pessoas que um dia morreram? Esse é o tema de filmes e séries que caíram no agrado dos espectadores.

O primeiro a trazer o tema para a telona foi o diretor francês Robin Campillo, que escreveu e dirigiu o filme “Les Revenants”, em 2004. Nele, sem explicação, milhões de mortos ressuscitavam, como se nada tivesse acontecido. O curioso é que, ao invés do medo do sobrenatural, a preocupação de todos era com os efeitos da superpopulação no mundo.

A única diferença entre os ressuscitados e os vivos era a temperatura corpórea mais baixa, e os movimentos mais lentos. Isso permitia aos governos mantê-los sob vigilância, graças a câmeras térmicas. Algumas leituras foram feitas sobre o filme, como se fosse uma alegoria à invasão de imigrantes ilegais, mas, como todo bom filme francês, não há muitas explicações.

Baseado no filme de Campillo, em 2012 foi produzida a série francesa “Les Revenants”, que ganhou o título internacional de “The Returned”. A série, que teve oito episódios na primeira temporada, foi muito bem recebida, tanto pela crítica quanto pelo público, o que lhe rendeu, em 2013, o prestigioso Emmy Internacional por Melhor Série de Drama. Posteriormente, em 2015 foi lançada a segunda temporada, igualmente com oito episódios, tão intrigante e até mais elucidativa que a primeira.

Jenna Thiam (Lena)

Em uma pequena cidade de montanha, algumas pessoas mortas reaparecem, aparentemente vivas e normais: Camille (Yara Pilartz) – uma adolescente vítima de acidente numa estrada há quatro anos atrás; Simon (Pierre Perrier) – noivo que se suicida; Victor (Swann Nambotin) – um garotinho que havia sido assassinado por ladrões; e Serge (Guillaume Gouix), um serial killer.

Eles tentam continuar suas vidas de onde as deixaram enquanto fenômenos estranhos acontecem: entre recorrentes quedas de energia, o nível de água do reservatório da cidade misteriosamente diminui, revelando a presença de animais mortos e uma torre de igreja; também estranhas marcas aparecem nos corpos dos vivos e dos mortos.

Além dos aspectos técnicos, como a fotografia mais sombria, uma trilha sonora perfeita, e atores pouco conhecidos, mas, talentosos, o formato do seriado foi diferente, como histórias que se passavam na mesma cidade e com o mesmo grupo de personagens, mas cada capítulo focando em um dos ressuscitados, com cenas atuais e flashbacks.

Outro aspecto que chamou a atenção, foi a dissociação dos aspectos religiosos, e embora haja um padre na trama, em nenhum momento há questionamentos se os mortos-vivos estavam no céu ou no inferno, ou que poder os trouxera de volta à vida. A verdade é que a volta dos mortos não é confortável para ninguém, nem para os familiares, nem para os ex-defuntos. Algumas abordagens lembram as teorias espíritas, mas sem nenhuma imersão no tema.

Bem mais livre que seus congêneres americanos, os produtores europeus são mais ousados em suas criações, e as questões dramáticas são mais aprofundadas, bem como os ingredientes de horror e erotismo. Circularam notícias de que uma terceira temporada estava em projeto mas nunca foi concretizada.

Transitando pelo mesmo tema, a ABC americana lançou a série “Ressurection”, que mostra uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos sendo perturbada pela aparição de diversas pessoas que haviam morrido. Embora seja muiiito parecida com a série francesa, os produtores americanos afirmam que a sua fonte de inspiração era o livro “Ressurection”, de Jason Mott.

A primeira temporada do seriado segue o formato consagrado por “Lost”, com uma história contada em oito episódios, com muitas interrogações e nenhuma explicação. Nesta série, um agente federal, J. Martin Bellamy (Omar Epps), ao escoltar um garoto perdido para a sua cidade, descobre que ele é o primeiro de uma série de pessoas mortas que estão retornando à vida.

Em meio ao preconceito e à intolerância religiosa da comunidade, Bellamy conta com a ajuda da médica Lucille (France Fisher) e do pastor Tom Hale (Mark Hildreth). Diferentemente da série francesa e até mesmo do livro em que foi baseada, a série americana introduz vilões, aspectos religiosos e políticos numa mistura que não agradou nenhuma audiência e a série nunca foi renovada.

A ideia da série francesa foi inovadora principalmente por dissociar os personagens do terror e da imagem do zumbi tradicional. Além disso a série também provoca indagações sobre o que seriam aquelas pessoas, quais seriam as suas motivações e, principalmente, por que haviam retornado. A série recebeu várias indicações e premiações, inclusive do BAFTA na categoria Melhor Série Internacional.

O mais interessante das produções citadas é que, diferentemente dos inúmeros filmes e séries sobre zumbis e vampiros, elas suscitam discussões sobre os valores das sociedades ditas “civilizadas”, mas que entram em pânico ao entrar em contato com qualquer coisa diferente do normal – seja lá o que “normal” signifique.