Divergente

A mosca na sopa

Sempre que alguém especula sobre o futuro, o faz sob uma ótica apocalíptica ou utópica. A primeira prevê um mundo destruído, com sobreviventes se digladiando, enquanto a outra imagina um ambiente moderno e tranquilo. É provável que a realidade seja uma mistura das duas coisas, mas, nada impede que os ficcionistas façam sua escolha ao criar suas obras, como é o caso de “Divergente” (“Divergent”, EUA, 2014).

O filme é baseado no livro homônimo, de autoria de Veronica Roth. Cem anos após a destruição da sociedade como a conhecemos, o mundo reconstrói-se aos poucos. Na região onde antes existia a cidade de Chicago, os habitantes organizaram uma nova sociedade, baseada no conceito de Facções.

Estudando os problemas que haviam destruído a Humanidade, eles acreditavam que só conseguiriam reerguer-se se cultivassem as melhores qualidades, complementando-se mutuamente. Para cada problema fundamental, seria criado um grupo que combateria aquele problema, e todos os grupos se ajudariam mutuamente, como um corpo único.

Assim, foram criadas a Facção da Erudição, que se ocupava dos assuntos da ciência e tecnologia, da Amizade, que cultivava os alimentos e as artes, da Sinceridade, que cuidava dos assuntos legais, da Audácia, que provia a defesa e disciplina, e a Abnegação, que cultivava o altruísmo, e por consequência era a responsável pela administração de todos.

Quem, por algum motivo, não pertencesse a algum destes grupos tornava-se uma espécie de pária, um sem-facção, vivendo fora dos limites da cidade, e trabalhando nos piores empregos, os que ninguém mais queria.

Embora as crianças nascessem e fossem educadas dentro das facções de suas famílias, conviviam com outros garotos no colégio, até chegar à idade de 16 anos, quando faziam um teste de aptidão, e escolhiam qual facção queriam pertencer, o que era considerado uma passagem à fase adulta.

É exatamente neste ponto em que se encontra a adolescente Beatrice (Shailene Woodley). Nascida na facção da Abnegação, a jovem sente-se inquieta quanto ao seu futuro, pois não se sente identificada ao modo de vida de seus pais.

Essa incerteza confirma-se no teste de aptidão, quando ela revela ser apta não somente para uma, mas, para três facções diferentes! Isso assusta a selecionadora, Tori (Maggie Q), que explica que Beatrice é uma Divergente, e que ela nunca deverá revelar isso para ninguém, sob risco da própria vida.

Se a jovem já estava confusa, depois disso ela fica mais ainda. Mas, na cerimônia de escolha da facção, ela decide-se pela mais improvável de todas, a da Audácia, enquanto o irmão, Caleb (Ansel Elgort) escolhe a Erudição, para decepção dos pais de ambos.

Se a escolha fora difícil para Beatrice, o que viria depois seria mais chocante ainda. Ela descobre que terá que passar por um duro treinamento, ao final do qual somente os dez mais bem classificados permanecerão como membros da Audácia, enquanto que os demais serão banidos como sem-facção!

As dificuldades são imensas, e os novatos devem aprender a lutar e atirar, bem como enfrentar os seus piores inimigos: os seus próprios medos. Se, por um lado, Beatrice faz amizade com Christina (Zoë Kravitz) e Will (Bem Lloyd-Hughes), é de imediato hostilizada por Peter (Miles Teller) e Molly (Amy Newbold), antigos membros da Sinceridade. Os instrutores não deixam por menos, principalmente o sádico Eric (Jai Courtney) e o inflexível Quatro (Theo James).

Embora frágil e pouco afeita a grandes esforços físicos, Beatrice ou Tris, que é o apelido que adota, começa a destacar-se pela ousadia e determinação. Mas, é quando chegam aos estágios de simulação que o seu desempenho é diferenciado. Não demora a que Quatro perceba que ela é uma Divergente.

Mas, preocupações muito maiores virão, pois uma conspiração subterrânea levará as facções a lutar umas contra as outras, lideradas pela poderosa líder da Erudição, Jeanine (Kate Winslet), e Tris deverá escolher de que lado ficará no final.

Se o leitor achou algo parecido com “Jogos Vorazes” e “Crepúsculo”, não está de todo errado. Este filme é baseado no primeiro volume da trilogia Divergente (Divergente, Insurgente e Convergente), de Veronica Roth, direcionado ao público juvenil. Isso fica bem marcado pelo ambiente casto, sem nenhuma ousadia sexual – o que seria comum em um ambiente adolescente – mas, repleto de cenas de ação.

Apesar de trilhar em um subgênero muito explorado, “Divergente” trouxe algo novo ao incluir as simulações induzidas por psicotrópicos, e não só desafios tecnológicos ou monstros vindos do espaço.

O diretor Neil Burger conseguiu extrair o máximo da atriz Shailene Woodley, estreante nos cinemas, mas veterana de seriados na TV. No mesmo ano ela emplacaria outro sucesso ao lado de Ansel Elgort, “A Culpa é das Estrelas” (“The Fault in Our Stars”, EUA, 2014), e se tornaria a nova queridinha de Hollywood.

Kate Winslet cumpre seu papel com facilidade, criando uma grande vilã, mas o inexpressivo Theo James não se sai muito bem como protagonista, e depois deste filme se destacaria mais na TV.

Os figurinos e a produção são bem mais pobres que os de “Jogos Vorazes”, acredito que mais por problemas orçamentários que pela imaginação dos figurinistas e decoradores.

Este filme é direcionado ao público jovem, amante dos filmes de ação com alguma história romântica, e teve mais duas sequências, “A Série Divergente: Insurgente” (“Insurgent”, EUA, 2015) e “A Série Divergente: Convergente” (“Convergent”, EUA, 2016).

Os três filmes da série podem ser assistidos nos principais serviços de streaming, Netflix, Amazon Prime Video e HBO MAX.