Um Bairro Distante

Em busca do tempo perdido

Por mais feliz que tenha sido a adolescência, todo mundo tem alguma coisa que gostaria que tivesse sido diferente, algum erro cometido, algum acontecimento ruim, ou mesmo algo que se arrepende de não ter feito. E se houvesse a chance de voltar no tempo e refazer as coisas? Essa é a premissa deste interessante filme francês, “Um Bairro Distante” (“Quartier lointain”, FRA, 2010), do cineasta Sam Garbarski.

Thomas Verniaz (Pascal Greggory) vive um momento difícil em sua vida. Com cerca de cinquenta anos, é casado, tem duas filhas, uma vida confortável e ganha a vida com algo que ama, o desenho de graphic novels, histórias em quadrinhos para colecionadores. Mesmo com essas realizações, Thomas sente-se infeliz.

Ele sente-se distante da família, acha que elas não sentem sua falta, mesmo com as frequentes ausências para as promoções de suas obras. Mesmo o lado profissional está afetado, pois em dois anos não conseguiu criar nada de novo, embora os fãs adorem seus personagens, principalmente as heroínas das histórias de aventuras. Thomas está inquieto, gostaria de fazer algo diferente, mais intimista e emocional.

No retorno de uma viagem, ele é acordado pelo condutor do trem. Ao examinar sua passagem, o condutor avisa que ele está no trem errado, e aconselha que desça na próxima estação, para tomar o trem correto para Paris.

Quando Thomas desce na estação, ele toma um choque. Por um acaso do destino, ele estava na estação da pequena cidade em que crescera, e cuja última visita tinha sido muitos anos antes, para o enterro de sua mãe.

Como o próximo trem demoraria algumas horas, ele decide fazer uma visita ao túmulo de mãe. No caminho, encontra um de seus amigos de infância, que o acompanha até a sua antiga casa. Thomas não reconhece quase nada, tudo está mudado.

Ao chegar ao cemitério, perturbado pelo forte calor e pela emoção, Thomas sente-se mal e desmaia. Quando ele acorda, percebe que está estranho. Ao levantar, descobre que voltara a ser um adolescente, embora conservasse a memória de toda sua vida.

Extasiado, ele volta para a casa em que morara, e descobre que tudo está como ele se lembrava. Inclusive o pai (Jonathan Zaccai), que os abandonara sem deixar vestígios no dia do seu aniversário, ainda está lá, bem como a mãe e a irmã caçula.

O jovem Thomas (Léo Legrand) fica encantado com esse retorno no tempo, e imagina que a razão seja para modificar o evento mais doloroso de suas vidas, o desaparecimento do pai. Ele reencontra os velhos companheiros, revive as brincadeiras de adolescente, mas passa a encará-las de forma diferente, assim como a relação com a mãe e a irmã mais nova.

Enquanto se preocupa com o comportamento do pai, Thomas encontra a menina por quem era apaixonado, e de quem nunca ousara se aproximar. A sua habilidade no desenho faz com ela o perceba, e se interesse por ele.

Ao mesmo tempo em que Thomas se inebria com esse retorno à adolescência, ele consegue perceber que o pai era uma pessoa ausente, e que este comportamento talvez se devesse à forma como conhecera a mãe (Alexandra Maria Lara), que era a noiva de seu melhor amigo, morto na Segunda Guerra.

Thomas descobre que seu pai recebia ligações e visitava com frequência uma mulher, a qual imaginou uma amante, a possível causa da saída dele de casa. Mas, à medida que suas investigações se aprofundavam, ele percebe que, na verdade, ela era uma das coisas que prendiam o pai naquela cidade.

Thomas angustia-se ao perceber que nada que faz poderá mudar o seu destino, e começa a sentir-se aprisionado naquele corpo de menino, sem saber o que acontecerá a seguir.

Quando ele é obrigado a confrontar a realidade, é que começa a entender a verdadeira razão de sua volta ao passado, deixando para sempre de ser um menino.

A história de “Um Bairro Distante” segue com notável fidelidade o mangá (a revista de quadrinhos japonesa) “Harukanaru machi e”, de autoria de Jirô Taniguchi, sobre um executivo japonês que se vê projetado no passado ao parar por acidente na cidadezinha em que morara. O roteiro foi magnificamente adaptado por Philippe Blasband, Jérôme Tonnerre e pelo diretor Sam Garsbarki.

Como todo bom filme francês – e com uma boa pitada da visão oriental – “Um Bairro Distante” não é para ser visto com um olhar literal. Ao invés de ser encarado como uma história de ficção-científica, a viagem no tempo de Thomas parece ser mais um mergulho em sua própria alma, penetrando no fundo de suas memórias mais dolorosas, para compreender quem ele mesmo é.

Existem pequenos detalhes no filme que sugerem ou induzem uma suspeita sobre quem realmente o filme fala. Alguns trejeitos e hábitos de Thomas são idênticos aos do pai, mas isso poderia ser normal numa relação de pai e filho. A ausência é do pai, ou dele, Thomas?

Os últimos segundos do filme são muito reveladores sobre tudo o que foi mostrado antes, mas nada é abertamente explicado como nos filmes hollywoodianos. “Um Bairro Distante” segue a tradição francesa dos finais abertos, que dão margem a longas e agradáveis discussões.

Este filme pode ser assistido no serviço de streaming Amazon Prime Video.