Sean é eterno

Acredito que poucas pessoas no meio artístico conseguem alcançar a admiração e o carisma que o ator escocês Sean Connery conseguiu. A estrela de Sean apagou-se mansamente no dia 31 de outubro nas Bahamas, aos 90 anos de idade. Embora tenha vivido inúmeros personagens no cinema, ele sempre será lembrado como o primeiro James Bond.

Connery já vinha participando de filmes menores desde 1955, e chegou a ser coadjuvante em um filme de Tarzan, mas sua grande oportunidade veio com “O Satânico Dr. No” (“Dr. No”,EUA,1962). Neste filme, pela primeira vez era apresentado o espião britânico James Bond, nessa época já famoso pelos livros de seu criador, Ian Fleming.

O filme chegou em minha cidade alguns anos depois da estreia – naquela época, levava anos para um título circular pelo país, começando pelos grandes centros e sendo repassado de acordo com a importância da cidade.

Lembro que, devido ao título, quase fui proibido de ver o filme. Minha avó, uma católica rigorosa, ficou assustada com o termo “satânico”, mas minha mãe interviu e disse que era um filme normal. Claro que, como a maioria dos garotos da época, fiquei mais impressionado com a beleza de Ursula Andress do que com as proezas de 007, mas o impacto foi muito grande.

Em função deste e dos filmes de 007 que se seguiram, houve uma febre de tudo o que se relacionava com o personagem. Muito antes dos estúdios perceberem que podiam ganhar muito dinheiro com merchandising, já se vendiam muitos produtos com a marca de James Bond. Não é para menos que as pastas de executivos até hoje tem o apelido de “pasta 007”, depois que um modelo foi usado no segundo filme da série, “Moscou Contra 007” (“From Russia With Love”,EUA,1963).

Sean voltaria a encarnar o personagem em “007 Contra Goldfinger” (“Goldfinger”,EUA,1964), “007 Contra a Chantagem Atômica” (“Thunderball”,EUA,1965), “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes” (“You Only Live Twice”,EUA,1967), “Os Diamantes São Eternos” (“Diamonds Are Forever”,EUA,1971) e “007 – Nunca Mais Outra Vez” (“Never Say Never Again”,EUA,1983).

Depois de assistir os dois primeiros filmes eu procurei os livros de Fleming, e de imediato percebi que Connery havia sido escolhido por ser a imagem do personagem literário. Por conta disso, nunca consegui aceitar bem os atores que viveram o personagem depois, George Lazemby, Roger Moore, Tomothy Dalton e Pierce Brosnan. Para mim, nenhum deles tinha a “seriedade” do personagem dos livros. Com Daniel Craig senti um reboot na série, com um 007 mais físico e menos utilizador de bugigangas.

Mas Connery nunca se acomodou com o papel de James Bond. Entre um 007 e outro, ele fez filmes com Alfred Hitchcock, “Marnie, Confissões de uma Ladra” (“Marnie”,EUA,1964), um faroeste ao lado de Brigitte Bardot, “Shalako” (EUA,1968), viveu o explorador norueguês Roald Amundsen em “A Tenda Vermelha” (“Krasnaya palatka”,ITA,1969), a ficção-científica “Zardoz” (EUA,1974) e muitos outros.

A versatilidade e a capacidade de atuação de Connery pareciam só melhorar com o amadurecimento do ator. Alguns de seus papéis mais memoráveis foram nas décadas de 1980 e 90: “O Nome da Rosa” (“Der Name der Rose”,ALE,1986), “Os Intocáveis” (“The Untouchables”,EUA,1987), “Indiana Jones e a Última Cruzada” (“Indiana Jones and the Last Crusade”,EUA,1989) e “A Caçada ao Outubro Vermelho” (“The Hunt for Red October”,EUA,1990).

Sua última atuação como protagonista em um longa foi em “A Liga Extraordinária” (“The League of Extraordinary Gentlemen”,EUA,2003), no papel do aventureiro Allan Quatermain.

E numa prova de que a vida muitas vezes imita a arte, após a morte de Connery, uma foto dele com símbolos maçônicos circulou pelas redes sociais, como se ele tivesse sido um maçom. Na verdade, a foto era do filme “O Homem Que Queria Ser Rei” (“The Man Who Would Be King”,UK/EUA,1975), onde ele interpreta um maçom e chega em um país distante onde os habitantes veneravam um símbolo do esquadro e compasso.

Connery foi muito criticado por ter emitido declarações machistas em várias ocasiões. Convém lembrar que ele vem de uma época onde essa era a cultura predominante, muito diferente do nosso ideal de igualdade entre gêneros.

One Reply to “Sean é eterno”

  1. Boblucio

    Sean realmente marcou muito aquela época do cinema, e porque não dizer também que marcou o imaginário dos jovens e cinéfilos em geral. Parabéns pelo excelente post, como sempre.

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