Duna

 

Dunas infinitas

 

Um escritor com muita imaginação criou uma história extremamente rica, com inúmeros personagens, lugares estranhos, guerreiros corajosos, bruxas poderosas e uma saga que se estenderia por muitos anos. Não estou me referindo à J.R.R. Tolkien ou J. K. Rowlings mas a Frank Herbert. Se não tem a erudição de “O Senhor dos Anéis” ou o marketing de Harry Potter, a saga iniciada com o livro “Duna” não fica atrás em termos de complexidade da criação ou em prender a atenção do leitor. O livro inspirou um filme em 1984, sobre o qual vamos falar, uma minissérie em longa-metragem para o cinema, e, uma minissérie em 2000, e está previsto mais um longa-metragem em 2021.

A saga iniciada com “Duna” foi a obra da vida de Herbert, que morreu antes de concluir o sétimo livro da série. Iniciada em 1965, quando ficção-científica era assunto exclusivo de nerds, “Duna” criou uma legião de fiéis aficionados, que cultivam, até hoje, a admiração pela obra. Além do primeiro livro, Herbert escreveu “O Messias de Duna”, “Os Hereges de Duna”, “Os Filhos de Duna”, “O Imperador-Deus de Duna” e “As Herdeiras de Duna”.

A história inicia no ano 10.191, quando a Humanidade já se espalhou por boa parte do universo, tendo colonizado mundos a incríveis distâncias de nosso planeta natal, graças a poderosas naves de transporte que conseguem mover-se “sem sair do lugar”, utilizando dobras no espaço. Só quem consegue esta façanha são os Pilotos da Liga Espacial, misteriosos seres, outrora humanos, que alcançaram um estágio de evolução impensável, graças ao uso de uma substância especial chamada Melange. Embora se mantenham fiéis ao seu papel de transportadores, nada é feito contra a sua vontade, nem mesmo os desejos do imperador.

O universo humano tem um soberano, o Imperador Shaddam IV (José Ferrer), que vive com a filha, a princesa Irulan (Virginia Madsen), e muitas legiões de assassinos Sardaukar em Kaitain, a sede do Império. Apesar do título pomposo, a autoridade do imperador é pouco além de simbólica já que os dirigentes das Casas Nobres é que tem o poder real sobre os seus respectivos domínios, nos moldes do feudalismo medieval. As duas casas mais poderosas são a dos Atreides, no planeta Caladan, comandados pelo Duque Leto (Jurgen Prochnow), e a dos Harkonnen, de Giedi Prime, chefiados pelo malévolo Barão Vladimir (Kenneth McMillan).

Completando o quarto pilar do poder está a Irmandade Bene Gesserit, uma sociedade formada por mulheres chamadas de bruxas, por possuírem poderes telepáticos e dominarem qualquer um através do uso da Voz, a sua mais poderosa arma. Secretamente, as Bene Gesserit elaboraram um plano milenar de seleção genética para produzir o Kwisatz Haderach, que terá habilidades de presciência e acesso a toda sua memória genética, aquele que, segundo as profecias, seria o ser mais perfeito e poderoso do universo.

Unindo todos esses elementos está a Melange, substância que prolonga a vida, amplia a consciência, ajuda o treinamento das Bene Gesserit, e é vital para a Liga Espacial, que sem a especiaria não seria capaz de transpor o universo, transformando a Humanidade em um sem-número de mundos isolados. A melange, porém, só é encontrada em um único lugar no universo, o desértico planeta Arrakis, também chamado de Duna.

Receoso da crescente popularidade do Duque Leto, o Imperador, secretamente trama um plano para destruí-lo, aproveitando-se de uma secular disputa entre os Atreides e os Harkonnen. Shaddam IV obriga o Barão Harkonnen a ceder Arrakis, então sob seu domínio, para os Atreides, em troca do viçoso planeta Caladan. Por trás disso está uma secreta associação com o Barão, para destruir a Casa dos Atreides.

A mudança no comando de Arrakis cria outro pretexto para um conflito entre os Harkonnens e os Atreides. Os Atreides sofrem um ataque devastador movido pelos Harkonnen, auxiliados por soldados do Imperador e ajudados por um traidor dentro da própria Casa Atreides. O Duque Leto é assassinado mas seu filho Paul (Kyle MacLachlan) e sua mãe, Lady Jessica (Francesca Annis), escapam para o interior do deserto.

Com as habilidades Bene Gesserit de Jessica e de luta de Paul, eles se juntam a um bando nativo de Fremem, ferozes guerreiros do deserto, que vivem ocultos nas condições mais inóspitas que se possa imaginar. Eles são capazes até mesmo de cavalgar os gigantescos Vermes de Areia que dominam o planeta deserto.

Com sua capacidade como guerreiro e o conhecimento secreto de Jessica dos mitos religiosos dos Fremen habilitam Paul a se tornar Muad’Dib, um líder político e religioso que une os milhões de Fremen em uma força militar incomparável, para libertar o planeta do jugo dos Harkonnen.

Curiosamente, ao contrário da maioria das fábulas de ficção-científica, não há máquinas ou computadores. Para os cálculos científicos e elaborações estratégicas, existiam os Mentats, homens com mentes excepcionalmente treinadas. É bem verdade que em 1965 os computadores existentes fossem movidos (literalmente) a válvulas, totalmente fora da realidade das pessoas comuns. Mas, mais que isso, Herbert imaginou um universo onde o Homem era o recurso mais importante.

Como transportar este riquíssimo universo, descrito em mais de 600 páginas, só no primeiro volume, para as telas de cinema, numa sessão de pouco mais de duas horas? Essa ousadia foi do aclamado diretor David Lynch, que havia dirigido “o Homem Elefante” (“The Elephant Man”,EUA,1980), e posteriormente faria também “Veludo Azul” (Blue Velvet”,EUA,1986) e “Coração Selvagem” (“Wild at Heart”,EUA,1990).

Apesar do elenco estelar em “Duna”, com Max Von Sidow, Sean Young, Jürgen Prochnow, José Ferrer e até o popstar Sting, o filme não obteve muito sucesso. Ruben Ewald Filho chegou a classifica-lo como “cinqüenta milhões de dólares jogados fora”.

Na verdade, vê-se que Lynch tentou manter fidelidade ao livro, embora fosse difícil condensar tudo num tempo tão curto. Os efeitos especiais, na época inovadores, hoje parecem primários, principalmente quando se assiste a partir de uma mídia em alta definição. Posteriormente, foi lançada uma versão estendida, com 50 minutos a mais, que Lynch renegou, recusando-se a ter o seu nome associado a ela.

Em 2000, uma rede de TV americana fez uma minissérie baseada no livro. Com uma duração de quase cinco horas, foi possível detalhar muito mais a história original, e com os recursos de efeitos especiais muito mais aperfeiçoados, ficou muito mais palatável para os padrões de exigência dos espectadores atuais. Se melhorou nesse aspecto, piorou um pouco no elenco, já que o único nome conhecido nessa versão é o do ator William Hurt.