Corações e Ossos

Uma imagem, dois mundos

 

Muitos filmes já foram feitos tendo como tema o papel da imprensa, em especial na cobertura de conflitos ou catástrofes. Sempre se questiona se o que é importante para o profissional é denunciar o fato para que o mundo tome conhecimento, ou a realização pessoal por fazer a melhor foto ou reportagem. Um aspecto diferente é apresentado no excelente filme australiano “Corações e Ossos”.

O protagonista é Dan Fisher (Hugo Weaving), um experiente fotojornalista que atuou em todos os cenários de conflitos das últimas décadas, com trabalhos altamente elogiados não apenas pela qualidade das fotos como também pela ousadia com que ele se aventura nos ambientes mais perigosos.

Essa ousadia, ao mesmo tempo que lhe rendeu bons trabalhos, também lhe causou inúmeros ferimentos cujas consequências ele carrega até os dias atuais. Às vezes esses ferimentos também são emocionais, como o que lhe causou testemunhar a morte de uma criança atingida por uma mina terrestre, em sua mais recente missão.

Ao voltar para casa, Fisher é surpreendido pela notícia de que sua mulher Josie (Hayley McElhinney) está grávida. A novidade deixa Fisher muito perturbado, num sentimento confuso, pois ele e Josie já haviam passado pela tragédia da perda de uma filha. Enquanto digere a notícia, Fisher também é pressionado para fazer uma exposição com as melhores fotos de sua carreira.

Um novo elemento entra na conturbada vida do fotógrafo. Sebastian Ahmed (Andrew Luri), um imigrante do Sudão do Sul, acolhido na Austrália como refugiado, procura Fisher para pedir-lhe que não exiba as fotos que o fotógrafo fez durante o massacre de sua aldeia, ocorrido quinze anos antes.

A princípio Fisher se recusa até considerar a ideia, mas sofre um problema cardíaco e Sebastian o leva ao hospital, ficando com ele até que seja atendido. Aos poucos vamos conhecendo o imigrante, que trabalha como taxista, é regente de um coral de refugiados, ajuda em obras sociais, além de ser um marido atencioso e pai de uma menina.

Uma improvável amizade surge entre os dois homens, em um momento delicado na vida do fotógrafo, o que o faz repensar em muitas coisas, inclusive na filha por nascer e sua própria saúde.

Contudo, uma descoberta casual traz um choque para Fisher ao descobrir as verdadeiras razões pelas quais Sebastian não queria que suas fotos fossem expostas. Essa revelação pode implicar em muitas coisas, inclusive na própria permanência do imigrante no país.

O elenco, australiano por nascimento ou imigração, traduz bem o espírito deste filme, que retrata um país formado em grande parte por pessoas que continuam chegando de todas as partes do mundo. O único nome conhecido internacionalmente é do próprio Weaving, que mais uma vez mostra versatilidade, que vai do divertido gay em “Priscilla – A Rainha do Deserto” (“The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert”,AUS,1994) ao rei dos elfos em “O Senhor dos Anéis”, passando ainda pelo emblemático Agente Smith de “Matrix”.

Este filme levanta algumas questões muito interessantes sobre a importância do papel da imprensa nos conflitos mundiais, independente de ser por sincera indignação ou puro oportunismo. Mas, o mais relevante aspecto mostrado é que, antes de tudo, o jornalista precisa entender o que está se passando diante dos seus olhos, sob pena de passar uma mensagem equivocada para o seu público.